
Interior do barco Léon Thévenin. Foto de Jean-Baptiste Dodane, 2015, via Flickr (CC BY-NC 2.0).
A transferência de dados pela internet depende da capacidade de navegação de embarcações e da competência de sua tripulação para realizar o comissionamento, suporte e reparo de cabos no fundo do mar. Quando um cabo se quebra, a conectividade é perdida.
Esse fato foi reafirmado pelas embarcações Léon Thévenin e CS Sovereign que precisaram de quase 60 dias para concluir o reparo de cabos submarinos e restabelecer a infraestrutura de conectividade à internet que afetou gravemente a África Ocidental e a África do Sul.
Embora o acesso à internet ocorra por meio de redes móveis, satélites ou cabos terrestres de fibra ótica, o intercâmbio global de tráfego de dados depende desses sistemas de cabos submarinos, compostos de 600 cabos ativos.
Em 14 de março, os cabos submarinos West Africa Cable System (WACS), Africa Coast to Europe (ACE), SAT3, e MainOne falharam. As falhas resultaram de cortes físicos próximos à Costa do Marfim e Senegal, relatou a Main One Service, empresa responsável pela operação de um dos cabos. As investigações preliminares sugerem que a atividade sísmica no fundo do mar pode ter sido a causa dos cortes.
Fallas y cortes en los cables submarinos West Africa Cable System (WACS), Africa Coast to Europe (ACE), SAT3 y MainOne están afectando la conectividad a Internet en África Occidental y Sudáfrica. Muestran los datos de ruteo recuperados por @IODA_live. https://t.co/LO9AG97CGb pic.twitter.com/5OC5GLi9Qi
— Jacobo Nájera (@jacobonajera) March 14, 2024
Falhas e cortes nos cabos submarinos West Africa Cable System (WACS), Africa Coast to Europe (ACE), SAT3 e MainOne estão afetando a conectividade à internet na África Ocidental e África do Sul. Mostram os dados de roteamento recuperados por @IODA_live.
Seguindo as falhas, o regulador de telecomunicações de Gana, um dos países afetados, declarou que o sistema de cabos submarino perdeu entre 90% e 100% da sua capacidade de transmissão.
O relatório publicado pela Internet Society mostra que as falhas afetaram o acesso de 13 países africanos localizados na costa da África Ocidental: Benim, Burquina Faso, Camarões, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Libéria, Namíbia, Níger, Nigéria, África do Sul e Togo. Consequentemente, houve degradação do serviço e indisponibilidade quase total de internet. Além disso, os dados de roteamento da internet recuperados da África pelo projeto de detecção e análise de interrupções na internet (IODA) do Instituto de Tecnologia da Geórgia coincidem com os da Internet Society.

Interior do barco Léon Thévenin. Foto de Jean-Baptiste Dodane, 2015, via Flickr (CC BY-NC 2.0).
A empresa de pesquisa em telecomunicações, TeleGeography, registrou que, em média, ocorrem 100 falhas por ano em cabos submarinos em todo o mundo. Também explica que raramente se ouve falar sobre isso, visto que na maioria dos casos as empresas de internet distribuem suas redes em cabos diferentes, sendo que, se um deles quebra, a rede permanece funcionando por meio de outros cabos enquanto aquele é reparado.
Na África há situações desiguais. A antropóloga Jess Auerbach, que estuda a infraestrutura de conectividade no país, contou ao The Conversation que:
Fibre optic cables now literally encircle Africa, though some parts of the continent are far better connected than others. This is because both public and private organisations have made major investments in the past ten years.
Based on an interactive map of fibre optic cables, it’s clear that South Africa is in a relatively good position. When the breakages happened, the network was affected for a few hours before the internet traffic was rerouted; a technical process that depends both on there being alternative routes available and corporate agreements in place to enable the rerouting. It’s the same as driving using a tool like Google Maps. If there’s an accident on the road it finds another way to get you to your destination.
But, in several African countries – including Sierra Leone and Liberia – most of the cables don’t have spurs (the equivalent of off-ramps on the road), so only one fibre optic cable actually comes into the country. Internet traffic from these countries basically stops when the cable breaks.
Os cabos de fibra óptica literalmente circundam a África, apesar de algumas partes do continente possuírem melhor conexão do que outras. Isso se deve aos importantes investimentos feitos por organizações públicas e privadas nos últimos dez anos.
De acordo com um mapa interativo de cabos de fibra óptica, a África do Sul está claramente situada em uma boa posição. Quando as rupturas ocorreram, a rede ficou indisponível por algumas horas antes de o tráfego ser redirecionado; um processo técnico que depende da existência de rotas alternativas e acordos corporativos em vigor para permitir o redirecionamento. É o mesmo que dirigir usando o Google Maps. Se houve algum acidente na estrada, ele encontra outro caminho para chegar ao seu destino.
Porém, em diversos países africanos, incluindo Serra Leoa e Libéria, a maioria dos cabos não possui ramificações (o equivalente a saídas de acesso em rodovias), então há entrada de somente um cabo de fibra óptica no país. O tráfego de internet desses países praticamente para quando o cabo quebra.
O Comitê Internacional de Proteção ao Cabo (ICPC) aponta que os danos causados aos cabos por deslizamentos de terra ou terremotos representam menos de 10% das falhas registradas. As causas também incluem acidentes com barcos pesqueiros e o impacto de arrastar suas âncoras, que representa dois terços de todas as falhas. Podem ocorrer, com menos frequência, por conta de sabotagem intencional ou mordidas de tubarão.
O Léon Thévenin partiu da Cidade do Cabo para a Costa do Marfim, onde atracou em 29 de março para consertar o cabo SAT-3. Os reparos no cabo ACE foram concluídos em 17 de abril, no WACS em 30 de abril e, finalmente, no MainOne em 11 de maio.
Auerbach diz que “estes são técnicos e artesãos excepcionalmente capacitados que recuperam e reparam cabos, algumas vezes em profundidades de vários quilômetros debaixo d'água”.

Interior do barco Léon Thévenin. Foto de Jean-Baptiste Dodane, 2015, via Flickr. CC BY-NC 2.0.
Uma das tendências atuais que a pesquisadora destaca é que o financiamento dos cabos costumava ser uma combinação de associações públicas e privadas, mas são atualmente financiados por grandes empresas privadas como Alphabet, Meta e Huawei. “Isso traz graves implicações para o controle e monitoramento da infraestrutura digital”, ela destaca. Isso significa um perigo em potencial para a soberania digital.
Manter a conectividade global com a internet depende diretamente da capacidade destes barcos para realizar navegações costeiras, bem como do conhecimento e habilidade de suas tripulações, que garantem a navegação e manutenção dos cabos submarinos que distribuem o tráfego de internet pelos mares.