Na Geórgia, várias alterações legais estão paralizando ambições do país em relação à UE

Imagem por Arzu Geybullayeva

Este artigo foi publicado inicialmente no site da OC Media. Uma versão editada é republicada aqui sob um acordo de parceria de conteúdo.

Um projeto de lei sobre agentes estrangeiros, a proibição de cotas eleitorais de gênero e, mais recentemente, um projeto de lei sobre propaganda LGBTQ+ são apenas as últimas mudanças legais propostas pelo partido governista Sonho Georgiano. Especialistas afirmam que o partido em exercício está jogando fora as aspirações do país na UE para obter uma possível vantagem eleitoral antes da eleição parlamentar programada para outubro de 2024.

Projetos de leis mais recentes

Em 27 de junho, o projeto de lei “Propaganda LGBT”, proposto pelo partido em exercício Sonho Georgiano, foi aprovado na primeira leitura no parlamento.

O projeto de lei proposto inclui a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, que já é proibido na Geórgia desde 2017; a proibição legal da adoção de crianças por pessoas queer; a proibição de tratamento médico de afirmação de gênero; a proibição do reconhecimento legal de gênero; e a proibição de “propaganda queer” na mídia, em instituições educacionais e em reuniões públicas, protestos e locais de trabalho.

De acordo com um relatório de 2023 do Media Development Fund, intitulado “Mobilização Antigênero e Anti-LBGTQ na Geórgia”, entre 2012 e 2023, pelo menos oito alterações legislativas foram registradas no parlamento, apresentadas por vários grupos, incluindo o Sonho Georgiano, com o único objetivo de restringir ou limitar os direitos LBGTQ+ na Geórgia, cinco das quais não receberam apoio.

Mas a homofobia tem sido uma ferramenta essencial para o partido Sonho Georgiano desde que assumiu a liderança do país em 2012, encorajando os cidadãos ultraconservadores e de extrema direita do país a atacar a comunidade queer e seus apoiadores.

A diretora da Tbilisi Pride, Tamar Jakeli, disse à OC Media que o Sonho Georgiano procurou atrair eleitores mais conservadores por meio de uma legislação queerfóbica que era “uma cópia direta” das leis russas. A Rússia adotou sua lei antiqueer em 2013 para “proteger as crianças de informações que defendem a negação do valor da família tradicional”. A lei teve um efeito imenso sobre os homossexuais na Rússia, forçando-os a esconder suas identidades, causando um aumento na violência e suicídios, e levando muitos a fugir para o exterior em busca de segurança.

A maioria parlamentar planeja aprovar a lei na segunda e terceira leituras na sessão de outono, que começa em 3 de setembro (a sessão de primavera do Parlamento terminou em 28 de junho).

O projeto de lei sobre Agentes estrangeiros

Desde abril de 2024, o país tem sido abalado por protestos contra o que os grupos civis locais chamam de “A Lei Russa”. Apesar dos constantes apelos para que o projeto fosse retirado, os legisladores do país aprovaram a polêmica lei sobre agentes estrangeiros em maio de 2024. O projeto de lei exige que todos os meios de comunicação e organizações não governamentais da Geórgia, que recebam mais de 20% do financiamento de fontes estrangeiras, registrem-se como “agentes estrangeiros” e informem sua renda anual e fontes doadoras. Isso, de acordo com a sociedade civil local, “implicaria no monitoramento do governo, o que poderia comprometer as comunicações internas e as fontes confidenciais das organizações”.

Também em abril, o partido em exercício decidiu abolir a cota de gênero para mulheres deputadas, conforme o Código Eleitoral da Geórgia. Antes dessa decisão, pelo menos uma de cada quatro pessoas em uma lista do partido tinha de ser mulher. Uma comissão do Conselho da Europa disse que as alterações no Código deram “origem a sérias preocupações com relação à estabilidade da lei eleitoral”. Além disso, a comissão também observou:

The amendments relating to political parties’ candidate lists are relevant for the outcome of elections, and their adoption much less than one year before the next parliamentary elections — scheduled for October 2024 — gives rise to serious concerns regarding stability of electoral law.

As emendas relacionadas às listas de candidatos dos partidos políticos são relevantes para o resultado das eleições, e sua adoção muito menos de um ano antes das próximas eleições parlamentares, programadas para outubro de 2024, levanta sérias preocupações com relação à estabilidade da lei eleitoral.

Reações

Enquanto isso, as reações violentas aos manifestantes pacíficos contra o projeto de lei sobre agentes estrangeiros, agressões físicas pela polícia de choque, uso excessivo de força física durante as detenções, uso de spray de pimenta, gás lacrimogêneo e canhões de água para dispersar os protestos quase diários, geraram preocupações entre os investidores ocidentais.

A polícia usou um canhão de água para dispersar os manifestantes contra os agentes estrangeiros da Geórgia ao redor do prédio do parlamento.

Dezenas de policiais da tropa de choque foram vistos marchando da Praça da Liberdade para a Avenida Rustaveli com canhões de água e de som.

Dessa forma, em 6 de junho, os Estados Unidos impuseram restrições de visto a dezenas de autoridades georgianas, incluindo membros do partido Sonho Georgiano, membros do parlamento, agentes da lei e cidadãos.

Em 27 de junho, a mídia local noticiou que pelo menos três deputados do Sonho Georgiano e o chefe do departamento de tarefas especiais da Geórgia foram punidos com sanções de viagem aos EUA por apoiarem a lei de agentes estrangeiros e a repressão das autoridades aos manifestantes. Em 1º de julho, outros nomes foram acrescentados à lista, incluindo o ministro do Interior, Vakhtang Gomelauri, o chefe da polícia criminal, Teimuraz Kupatadze, e o chefe da Polícia de patrulha, Vazha Siradze. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, reiterou as preocupações de seu país com a polêmica lei de agentes estrangeiros do partido Sonho Georgiano:

We, and many other countries, have not only expressed our deep concerns about it especially its passage. We have taken action to manifest those concerns and you are likely to see more of that. Its clearly antithetical to the European direction that Georgia wants to take and that clearly the majority of Georgian people want to take.

Nós e muitos outros países não apenas expressamos nossas profundas preocupações em relação a ela, especialmente a sua aprovação. Tomamos medidas para manifestar essas preocupações e é provável que vejam mais disso. É claramente uma direção antiética e contrária à direção europeia que a Geórgia quer seguir e que, claramente, a maioria do povo georgiano quer seguir.

Para mitigar as possíveis consequências, o fundador e presidente honorário do partido em exercício S0nho Georgiano, Bidzina Ivanishvili, teria supostamente enviado um “representante” a Washington. O representante não é outro que o chefe do Serviço de segurança do Estado (SSG), Grigol Liluashvili.

Por outro lado, em 28 de junho, uma declaração conjunta de 36 países foi apresentada na reunião do Conselho Nacional de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, expressando preocupação com a conduta do governo:

Na 56ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, 🇱🇹a Lituânia, em nome de 36 países, expressa preocupação com a lei de “transparência de influência estrangeira” da #Geórgia, ➡️uma séria ameaça aos #direitos humanos e ao estado de direito.
Pedimos que o🇬🇪governo da Geórgia a revogue, acabe com a intimidação contra manifestantes e proteja a sociedade civil, a liberdade de reunião e associação.

Tradução da Declaração:

Declaração conjunta apresentada pela Lituânia em nome de 36 países

Fazemos eco à preocupação expressa pelo Alto Comissário nesta atualização global com relação aos recentes acontecimentos na Geórgia e, particularmente, à adoção da chamada lei de “transparência de influência estrangeira”. Essa lei representa uma séria ameaça à sociedade civil, aos direitos humanos e ao estado de direito na Geórgia.

A lei pretende ter um efeito inibidor sobre o trabalho dos meios de comunicação, dos defensores dos direitos humanos e das organizações da sociedade civil, com o objetivo de silenciar suas vozes.

A lei foi aprovada a despeito das preocupações de grande parte do povo georgiano e apesar dos repetidos apelos da comunidade internacional para que a legislação não avançasse, incluindo os argumentos jurídicos detalhados da Comissão de Veneza.

Pedimos que o governo da Geórgia revogue a lei de “transparência da influência estrangeira”, acabe com a campanha de intimidação contra aqueles que se opõem à lei e proteja a liberdade de expressão, associação e reunião pacífica.

A sociedade civil é a espinha dorsal das democracias, ajudando a garantir a responsabilidade, a transparência genuína e a resistência a influências malignas.

Pedimos que o governo da Geórgia cesse totalmente e investigue de forma transparente todos os atos de uso da força contra manifestantes pacíficos que se opõem à lei, tome as medidas adequadas para garantir a segurança dos manifestantes, da sociedade civil ou dos ativistas da oposição, dos jornalistas e de outros profissionais da mídia e evite retóricas que possam alimentar ainda mais a polarização extrema no país. Uma campanha orquestrada de difamação, intimidação e violência física contra líderes da sociedade civil e outros é inaceitável e deve ser interrompida.

Em 27 de junho, os líderes da UE emitiram uma declaração após uma cúpula do Conselho Europeu, alertando que a trajetória atual da Geórgia está “de fato levando à interrupção do processo de adesão“, referindo-se ao plano para permitir que a Geórgia se torne um estado-membro da União Europeia (UE).

A Geórgia solicitou formalmente sua adesão à UE em 3 de março de 2022. Em junho de 2022, o status de candidata da Geórgia foi recusado, mas o país recebeu uma lista de 12 condições que deveria cumprir antes que sua candidatura pudesse ser reexaminada. Entre essas condições estavam a redução da polarização política, a reforma do judiciário, a garantia do funcionamento das instituições estatais, o fortalecimento das medidas anticorrupção, incluindo a desoligarquização, entre outras. O status foi finalmente concedido em dezembro de 2023.

Em 19 de junho, o embaixador da UE em Tbilisi, Pawel Herczynski, disse que as aspirações do país na UE estavam “praticamente congeladas” como resultado do polêmico projeto de lei sobre agentes estrangeiros.

De vaias a aplausos

O sentimento do povo georgiano em relação ao partido em exercício e suas decisões talvez tenha sido melhor ilustrado em 2 de julho, quando o primeiro-ministro Irakli Kobakhidze subiu ao palco na capital Tbilisi para parabenizar a equipe nacional de futebol após seu retorno do Torneio da Euroliga. A multidão vaiou continuamente até que a presidente da Geórgia, Salome Zurabishvili, pegou o microfone e a multidão imediatamente começou a aplaudir.

O primeiro-ministro da Geórgia, Irakli Kobakhidze, foi vaiado e forçado a deixar o local segundos depois de parabenizar a equipe nacional da Geórgia, antes de passar o microfone para a presidente Zurabishvili.👋

Mostra exatamente onde o povo georgiano está em termos de desejo!

Em novembro do ano passado, o partido em exercício tentou destituir o presidente Zurabishvili, mas não conseguiu. A presidente ganhou popularidade em massa depois de ficar do lado do povo e da oposição durante os protestos populares contra a lei de agente estrangeiros imposta pelo governo em março de 2023 e durante os protestos recentes. Apesar de seu papel bastante limitado como figura política, a presidente Zurabishvili assumiu uma posição mais crítica contra o partido no poder após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Ela criticou regularmente a retórica do partido governista sobre a guerra em andamento e as intenções da Rússia.

Isso posiciona a presidente e o povo em desacordo com o partido Sonho Georgiano, cada vez mais de extrema direita.

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