
Ilustração de Minority Africa, utilizada com autorização.
Esta história foi escrita por Yusuf Adua e publicada originalmente em Minority Africa no dia 2 de maio de 2024. Reproduzimos uma versão editada sob um contrato de compartilhamento de conteúdo.
Em fevereiro deste ano, Abdulqudus Jimoh, um jovem de 27 anos que conseguiu entrar diretamente no segundo ano do departamento de arqueologia da Universidade Ahmadu Bello em Zaria, centro-norte da Nigéria, fez uma palestra sobre coleta e gestão de dados em arqueologia. “Tive dificuldade em falar”, diz ele, “sabia o que eu queria dizer, mas não conseguia articular. Honestamente, senti dor, desmotivação, decepção e vergonha”.
Durante seus estudos para tirar o diploma de ensino superior na mesma universidade, Jimoh foi alvo de provocações. Por esse motivo, antes de ser admitido no bacharelado, ele hesitou em se matricular, pois temia uma experiência semelhante. “A gagueira não só dificulta meus estudos”, diz, “como também me priva de papéis de liderança como estudante: sei que tenho todas as qualidades de comando, exceto esta”.
Ao contrário de outros alunos que conseguem se comunicar sem dificuldade, Jimoh afirma que quando tenta forçar uma palavra, sente uma dor forte e aguda no peito. Então, não pergunta e nem responde na aula, algo que acredita que, sem dúvida, afeta sua vida acadêmica. Além disso, alguns de seus colegas o interrompem ou não prestam atenção nele, dificultando a participação em projetos em grupo ou tarefas colaborativas.
Omosalewa Akanbi-Neander se identifica com essa dificuldade de fazer apresentações. “Prefiro que meus exames sejam escritos”, explica ele. “Quando são orais ou exigem uma apresentação, é mais difícil para mim. A apresentação do meu projeto não saiu como planejado devido a minha gagueira. Posso ter muito conhecimento sobre cerca de 80% do conteúdo que quero apresentar, mas, devido à minha condição, só posso demonstrar 40%. ”
Inicialmente, o sonho de Akanbi-Neander era seguir os passos do pai como advogado, até que ele percebesse e aceitasse as dificuldades que uma carreira como advogado poderia apresentar para alguém com gagueira. “Uma pessoa com gagueira pode achar difícil defender seu cliente no tribunal. Tive que adaptar meu sonho”. No entanto, foi igualmente difícil estudar ciência política entre 2007 e 2011 na Universidade Redeemer em Ede, no estado nigeriano de Oxum.
Em diferentes entrevistas, Jimoh e Akanbi-Neander reconheceram que a gagueira complicou suas vidas como estudantes, pois o sistema educacional do país geralmente não se adapta àqueles que precisam de mais tempo para articular suas ideias.
Eles fazem parte dos mais de 600.000 adultos na Nigéria que lidam com diferentes graus de dificuldade de fala, que se manifesta como piscadas rápidas, tremores nos lábios ou mandíbula, tiques faciais, movimentos repentinos da cabeça e punhos cerrados. Pessoas com dificuldades de fala geralmente não têm muito controle sobre essas ações involuntárias.
Além disso, essas barreiras na fala são intensificadas quando estão cansadas ou estressadas, condições inevitáveis dentro do ensino superior, e quase todos os dias enfrentam problemas acadêmicos devido à ênfase na comunicação verbal e na interação com os colegas. Na maioria dos semestres, há pelo menos uma tarefa em grupo ou individual que exige apresentação e falar em público, o que compõe uma parcela significativa (10% a 30%) da nota total.
A gagueira não afeta apenas os alunos nas apresentações: a leitura também pode ser complicada independentemente do nível de educação alcançado. Ajayi Babajide, de 37 anos, pós-graduando em mestrado em administração de empresas, lembra que, durante uma aula de administração, um professor pediu aos alunos que lessem uma nota em voz alta, um após o outro, antes de iniciar a aula.
“Como uma pessoa com gagueira, acho difícil pronunciar palavras que começam em consoantes. Eu estava praticando como pronunciar uma, a primeira, e naquele momento o professor decidiu que eu era um tolo”. Mesmo que Ajayi tivesse praticado antes de chegar sua vez, o professor presumiu que ele não conseguia ler a passagem e decidiu ler ele mesmo.
“Há estigmas e barreiras. Mesmo quando a gagueira não tem uma marca física, a maioria de nós fica envergonhada, especialmente com estranhos”, diz Akanbi-Neander. Assim, seu caminho como estudante universitário gerou sentimentos contraditórios: ele foi o segundo melhor de sua turma, mas acha que poderia ter sido o primeiro, se não fosse por sua gagueira.
Em vez de acolher pessoas com essa condição e tentar entender suas dificuldades de fala, explica, a sociedade nigeriana as identifica com falta de inteligência ou as subestima como um mau hábito de infância: “Alguns até dizem que, por causa da nossa gagueira, somos mentirosos. Portanto, há um estigma cultural associado a isso”.
Jimoh, que decidiu voltar para a Universidade Ahmadu Bello, diz que a comunicação mais lenta funcionou muito bem para ele: “Eu não falo muito rápido. Essa lentidão me dá o tempo necessário para respirar e me camuflar dentro do sistema”.
Depois de uma busca incansável de emprego, cujo fracasso ele atribui às opções limitadas que tem e à percepção que dá aos potenciais empregadores, hoje Akanbi-Neander dirige sua própria empresa. “Eu digo as coisas gaguejando”, diz, “eu me certifico de que meu conhecimento esteja acima da média. Quando as pessoas virem que sou um especialista, correrão para me ouvir, mesmo que demore mais ”.
Muito que gaguejam têm familiares com essa condição, o que sugere que é um fator hereditário.
Como Akanbi-Neander e Jimoh, Ajayi, que tem diploma de bacharel em comunicação de massa com especilidade em publicidade e diploma secundário em relações públicas, administração de empresas, contabilidade e música, descobriu métodos que o ajudam em sua trajetória pelo ensino superior.
No início, estudar comunicação de massa era um fardo para Ajayi, embora sua família esperasse que isso o ajudasse a superar sua gagueira. Hoje, ele está feliz por ter concluído o curso: sua condição se transformou em motivação para alcançar novos objetivos em sua carreira. Tornou-se especialista interdisciplinar e formou-se no programa de música da MTN MUSON, um feito raro para alguém com deficiência de fala.
Eunice Akinbode, terapeuta da linguagem que estuda fonoaudiologia na Universidade de Ibadã, confirma que passar pelas salas de aula das universidades nigerianas pode ser difícil para pessoas com deficiências de fala. Ela acredita que é crucial que as partes interessadas em educação reconheçam e abordem as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com gagueira. “De professores a alunos, todos os pilares da educação devem se adequar àqueles que têm gagueira e suas dificuldades de fala, em vez de estes últimos terem que encontrar maneiras de se adaptar”, diz. “Mas não é assim que acontece”.
Além de reconhecer que a gagueira é muitas vezes “esquecida”, Akinbode afirma que negar a existência de pessoas com essa condição e desconsiderar as preocupações dos pais com filhos que gaguejam só piora o problema. Dos quinze alunos entrevistados pela Minority Africa, dez viram a gagueira como um falha pessoal: nada muito sério. Mas Akinbode diz que o sistema educacional da Nigéria impossibilita que os professores se esforcem para integrar os alunos. “Só os estudantes aparentemente ‘normais’ têm oportunidade de prosperar”; e as pessoas com deficiências, como a gagueira? Não há nenhuma rede de apoio para esses estudantes dentro das instituições de ensino superior”.
“Como fonoaudiólogos”, acrescenta ele, “o que fazemos para quem gagueja é [utilizar] algumas técnicas para trabalhar a saída da voz, incluindo ritmo da fala, supervisão e controle da respiração. Só podemos trabalhar com a psicologia deles. Encontrar uma solução educacional em tempo real é muito difícil”.