A saga de um cavalo ilhado se torna um símbolo de esperança em meio catástrofe climática no Brasil

Imagens registradas ao vivo de um helicóptero flagraram um cavalo ilhado tentando escapar das enchentes no Brasil. Imagens de Globonews, editado pela Global Voices.

Imagens feitas pela câmera de um helicóptero estavam sendo transmitidas ao vivo na TV brasileira, mostrando um bairro inundado na cidade de Canoas, quando um cavalo ilhado foi flagrado em um telhado, a única parte visível da construção acima do nível d'água. Estimar a altura do imóvel, da árvore à direita, ou a profundidade abaixo da superfície era desafiador apenas de olhar. Durante o curto período em que ele foi filmado, o cavalo permaneceu parado, frágil, exausto, mas firme.

Canoas está localizada na região metropolitana de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. É uma das cidades mais afetadas em um estado que, até 24 de maio, de um total de 497 municípios, teve 469 impactados. As enchentes, que assolaram cidades em um efeito dominó desde os últimos dias de abril, atingiram com mais força em 4 de maio. A catástrofe climática deixou ao menos 163 pessoas mortas, 63 desaparecidas, 581.638 desabrigadas e 2,3 milhões afetadas.

Em 8 de maio, às 10h35, quando a câmera filmou o cavalo, provavelmente ele já estava em pé no imóvel pelo quarto dia consecutivo, sem comida ou água; ele mal se mexia, tentando manter o equilíbrio. O estado tinha registrado 100 pessoas mortas nas enchentes. Algumas cidades foram apagadas do mapa, enquanto outras ainda estavam debaixo d'água, tornando ainda mais difícil estimar os estragos.

Salvar o cavalo se tornou rapidamente uma missão crucial, desencadeando um clamor nacional por ajuda nas redes sociais e reunindo milhares de participantes. Um influenciador tentou compartilhar ideias para resgatar animais de grande porte durante enchentes, enquanto outros procuraram suporte financeiro para alugar um helicóptero.

Porém, para o povo gaúcho havia algo a mais. O estado mais meridional do Brasil faz fronteira com Argentina e Uruguai e também tem como hábito tomar mate/chimarrão, tradição enraizada no vínculo com a terra, trabalho no campo e cavalos.

A região tem até a sua própria raça, o crioulo, o cavalo dos pampas, originado de cavalos andaluzes e berberes, os quais foram introduzidos pelos espanhóis na América do Sul. É difícil descrever ou encontrar uma imagem folclórica de gaúchos sem um cavalo ao lado.

Antes da atual catástrofe climática, que se espalhou para outras cidades após o início de maio, a região tinha 10 episódios de chuvas extremas, de acordo com Rodrigo Manzione, um especialista da Unesp (Universidade do Estado de São Paulo). Apenas em 2023, 80 pessoas morreram no estado em virtude de enchentes. Algumas das cidades mais afetadas agora ainda estavam em processo de recuperação depois da destruição ocorrida em setembro passado.

Apesar do número de mortos, a catástrofe de maio de 2024 no Rio Grande do Sul já ultrapassa o número de mortes do furacão Katrina em Nova Orleans, nos Estados Unidos em 2005. Enquanto o Katrina atingiu uma área de 2.400 quilômetros, no Rio Grande do Sul, as inundações afetaram 3.800 quilômetros. Além disso, enquanto Nova Orleans registrou cerca de 400.000 pessoas desabrigadas, o estado brasileiro já tem mais de 500.000.

Enquanto as notícias falavam sobre colapsos, outras cidades sendo assoladas, erros de manutenção e legislação que podem ter contribuído para a crise, focar no cavalo que ainda estava resistindo e nas pessoas que tentavam conseguir ajuda, funcionou como um tipo de raio de esperança em tempos de escuridão.

O cavalo foi um dos 11.000 animais resgatados de casas inundadas por voluntários e forças de segurança pública. Cachorros, gatos e outros animais resistiram por dias, em alguns casos na água, até conseguirem ajuda. Cachorros foram vistos sobre os telhados de residências no entorno onde o cavalo ilhado foi filmado.

Por causa da cor de sua pelagem, o cavalo foi apelidado “Caramelo”, um termo que brasileiros utilizam para chamar carinhosamente um tipo bem comum de cachorro de rua que pode ser encontrado em todos os lugares do país. No entanto, de acordo com a lista de cores de pelagem de cavalos, o termo correto seria, talvez, “tostado”.

Em 9 de maio, temendo que ele não resistisse mais e sabendo da mensagem que sua sobrevivência poderia passar naquele momento, nove bombeiros e seis veterinários conseguiram resgatá-lo utilizando um barco e trazendo-o para uma instalação na universidade de Ulbra.

Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mencionou o caso de Caramelo durante um evento:

Eu fui dormir inquieto com a imagem de um cavalo em cima de um telhado. Eu fico imaginando se aquele cavalo pensasse, como a gente imagina que são os pensamentos, o que aquele cavalo estava pensando. Sozinho, em cima de um telhado, não sei como a telha de brasilit não quebrou, e hoje fiquei sabendo que conseguiram salvar o cavalo.

Especialistas  examinaram o cavalo na universidade e disseram que, provavelmente, ele estava acostumado a puxar carroças. Disseram que ele não estava em boa forma mesmo antes das inundações e agora está sob cuidados.

A situação de Caramelo chamou a atenção para vários cavalos que ainda estavam esperando por resgate e lutando para sobreviver no meio de áreas inundadas ao longo do estado. Em 14 de maio, bombeiros conseguiram resgatar uma égua que permaneceu no terceiro andar de um edifício por 10 dias, em São Leopoldo, uma cidade que também foi fortemente afetada.

Um grupo de voluntários ficou dias procurando por animais deixados para trás em áreas inundadas. Com as temperaturas em queda na região, as chances de eles sobreviverem eram poucas. Os animais estão sendo levados para abrigos onde os proprietários podem encontrá-los ou eles podem ser colocados para adoção posteriormente.

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