Marijeta Mojasevic: de vítima de derrame à ativista pelos direitos das pessoas com deficiência

Colagem de Giovana Fleck usando um cartaz dos direitos das pessoas com deficiência na Leadership Conference on Civil and Human Rights, usada sob permissão, e uma foto de Marijeta Mojasevic, cortesia de Mojasevic.

Este artigo, escrito por Clarisse Sih e Bibbi Abruzzini, faz parte da campanha #MarchaComNós, um mês de histórias de ativistas pela justiça de gênero mundo afora.

Acordar temendo pela própria vida devido a um problema neurológico é uma situação pela qual ninguém deseja passar. Certamente, Marijeta Mojasevic nunca pensou que poderia sofrer um derrame, e mesmo se acontecesse, não achou que seria aos 17 anos.

Mojasevic nasceu em Berane, Montenegro, em 1988. Ela estava no ensino médio quando sofreu o primeiro derrame.

“Você vai em uma excursão escolar e acorda em um quarto de hospital. Naquele momento, eu disse a mim mesma que não queria estar ali. Lembro-me do rapaz que estava na emergência comigo. Estávamos mal. Mais tarde, infelizmente, ele faleceu”, relembra Marijeta. 

“Tudo está diferente; eu estou diferente”

Meio ano depois, ela sofreu outro derrame. Após o primeiro derrame, que aconteceu quando tinha 15 anos, os vasos sanguíneos do cérebro ficaram danificados e, durante o derrame posterior, ficaram permanentemente impossibilitados de transportar oxigênio.

Ela precisou abandonar a escola por um ano e meio, continuando seus estudos a partir de um novo ângulo: com visão dupla, medicação forte e hemiparesia, uma debilidade que afeta um lado inteiro do corpo. Mas esses são apenas uma parte de seus problemas.  

“O meu sistema neurológico foi arruinado e nunca ficará bom de novo. A dor crônica se tornou minha amiga inseparável, meu inimigo inevitável. Precisei aceitar que nunca mais andaria direito, nunca usaria minha mão direita do mesmo jeito, nem veria normalmente.” 

Mojasevic publicou recentemente trechos do seu diário pessoal de antes e depois do derrame.  
 

Segunda-feira, 2 de setembro de 2002

Querido diário, 

Hoje é o começo do ano letivo e todas as outras coisas se tornaram irrelevantes. Só a escola é importante. Eu estava um pouco indecisa se deveria te escrever porque sei como o meu irmão era reclamão. Da primeira vez rasguei algumas páginas por medo, mas dessa vez não vou. A Diana se apaixonou pelo Aleksander e, segundo ela, a Mia também. Ele até que é gatinho. Devo dizer, o Martin é tão querido comigo. Preciso descobrir se ele ainda gosta de mim. Angel está com um corte de cabelo horrível e dizem que o meu orientador vai se alistar no exército. O que eu vou fazer sem ele!!! 

Te amo! Da sua Maki.

Sexta-feira, 11 de abril de 2003

Querido diário, 

Em primeiro lugar, peço perdão por não te escrever. Em segundo, eu estou frita. A competição de física é amanhã e eu estou muito nervosa. Eu fiz diversas atividades e sinto que conheço o assunto (o que já é alguma coisa), mas esse medo de palco vai me matar. Acho que não vou dormir esta noite! 

Da sua física.

Segunda-feira, 28 de julho de 2003

Querido diário, 

Tive uma crise de choro na noite passada. Algo se quebrou dentro de mim e, não sei, eu estava muito mal. Estou tão… tão deprimida. Tudo está diferente. Eu estou diferente… e todos à minha volta também. E tudo isso me incomoda muito. O relacionamento deles. E a escola, estou com muito medo, mas espero que fique tudo bem. Bem, estou te dizendo, tudo está de alguma forma… diferente. 

Da sua M.

Quinta-feira, 18 de setembro de 2003

Querido diário, 

Hoje é meu aniversário. Não vou comemorar, porque não é hora para isso. Não é hora para nada. Isso é certo para você. Estou muito mal. Tento ser a mesma de antes, mas não dá. A escola é horrível. Tudo é diferente e idiota. A sociedade, os professores, tudo. Eu me sinto idiota e solitária. Mas isso foi há muito tempo. Não consigo descrever o que me irrita, mas a lista é grande. Esta não sou mais eu. É outra pessoa. E eu sinto falta da antiga eu! Pronto, estou chorando. Patética e ridícula, não é? Acho que Deus deveria ter me levado. Eu não fui feita para passar por isso. Não fui. 

Ela assinou a última anotação no diário como NINGUÉM. Sua transformação foi rápida e inevitável. Ainda assim, quase invisível.

“Eu perdi a maioria das minhas amizades por conta do estigma e do preconceito que cercam a deficiência. Eu fiz novos amigos, meus bens mais preciosos. Como uma conselheira da juventude, tento mostrar aos jovens as razões para não terem medo da diversidade, e a deficiência é uma forma de diversidade”, diz Marijeta. 

A vida com deficiência

Em Montenegro, assim como em muitos países nos Bálcãs e além, somente nos últimos anos desenvolveu um sistema de apoio a pessoas com deficiências, Mojasevic já é mãe, assistente social, conselheira da juventude e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência. Ela foi incluída na lista das 100 pessoas mais influentes da BBC, entre os poucos nomes dos Bálcãs deste ano. Seu foco principal são os jovens, que geralmente se interessam pelos seus workshops “A vida com deficiência”.

“No ano passado, eu estava trabalhando com um grupo de jovens da nona série. Lembro-me daquele dia porque eles queriam que eu ficasse por mais tempo e queriam aprender mais. Foi um momento poderoso. Eu quero mudar o ponto de vista deles e quero que as pessoas com deficiência sejam aceitas como parte da mesma sociedade, como amigos e colegas.” 

Mojasevic também é embaixadora da OneNeurology, uma iniciativa que visa tornar as doenças neurológicas uma prioridade para a saúde pública mundial. Existem mais de 400 distúrbios neurológicos. Entre os que vivem com transtornos neurológicos, 92% dizem se sentir afetados pelo estigma relacionado aos distúrbios que possuem.

A dimensão de gênero na saúde 

Mas este estigma também carrega o componente gênero. Se a igualdade de gênero salva vidas, o contrário também é verdade: a desigualdade de gênero destrói vidas. Isso se aplica, sobretudo, na área da saúde, onde o preconceito de gênero é endêmico e potencialmente mortal. 

“As relações de poder entre gêneros são a raiz do problema da desigualdade e estão entre os determinantes sociais da saúde. Elas definem se as pessoas têm suas necessidades de saúde reconhecidas, se têm [uma] voz ou um mínimo controle sobre suas vidas e sua saúde, se podem fazer valer seus direitos”, segundo o relatório Desigual, injusto, ineficaz e ineficiente — A desigualdade de gênero na saúde: porque ela existe e como podemos mudá-la“, da Women and Gender Equity Knowledge Network, a Comissão sobre Determinante Sociais da Saúde da OMS.

O relatório destaca o impacto negativo da desigualdade de gênero na saúde física e mental de milhões de indivíduos em todo o mundo, afetando tanto as mulheres e meninas quanto homens e meninos. Os pesquisadores sugerem diversas abordagens para fazer uma mudança, incluindo a reforma de leis e políticas para defender os direitos das mulheres, desafiando normas e estereótipos de gênero nocivos e abordando riscos e vulnerabilidades para a saúde específicos de cada gênero.

Porém, isso não é tudo. É preciso aumentar a conscientização e o acesso à saúde para as mulheres, corrigir o desequilíbrio de gênero em pesquisas e promover a igualdade de gênero nas organizações e, ao mesmo tempo, apoiar os grupos de defesa das mulheres por responsabilização. 

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