A câmara municipal de Cumberland, em Sydney, causou polêmica ao proibir o livro Same Sex Parents (Pais do mesmo sexo) nas suas oito bibliotecas públicas. Além disso, o fato reforçou o histórico de censura na Austrália.
A indignação on-line foi imediata. David Tyler, conhecido como Urban Wronski, sintetizou as reações negativas:
‘We’re going to make it clear tonight that … these kind of books, same-sex parents books, don’t find their way to our kids,” Christou said during debate. “Our kids shouldn’t be sexualised. FFS
Sydney councillor parades ignorance, bigotry and attacks marriage equality.
Vile.— Urban Wronski (@UrbanWronski) May 7, 2024
‘Vamos deixar claro esta noite que… esses tipos de livros, pais do mesmo sexo, não vão chegar aos nossos filhos’, disse Christou durante o debate. ‘Nossos filhos não podem ser sexualizados’. Pelo amor de Deus.
O vereador de Sydney demonstra ignorância, intolerância e ataca o casamento igualitário.
Sórdido.
Shannon Molloy, do portal news.com.au, se autodenomina “homossexual amante de Deus e repórter sênior”. Com ironia, argumentou que outros livros da biblioteca, como a Bíblia e o Alcorão, deveriam ser proibidos por causa de seus “temas extremos” e conteúdo “explícito e gráfico”. Ele não estava apenas “sendo sarcástico”:
It also demonstrates that censorship — which flies in the face of an open and free society and the democratic values we hold dear — is a very slippery slope.
This is an innocent book about same-sex parents, made with love and understanding in mind.
Isso também demonstra que a censura – que vai contra uma sociedade aberta e livre, e os valores democráticos que prezamos – é um caminho muito perigoso.
Este é um livro inocente sobre pais do mesmo sexo, feito com amor e compreensão.
Houve também uma reação política à votação da câmara, inclusive do governo do estado de Nova Gales do Sul. O Ministro da Cultura de Nova Gales, John Graham, chegou a sugeriu que as bibliotecas poderiam sofrer cortes de verbas.
O vereador Steve Christou foi criticado por não ter lido o livro, apesar de liderar a pressão por sua proibição.
“The western Sydney councillor behind a library ban on a children’s book about same-sex parents admits he hasn’t read it.”
Ignorance mixed with intolerance.#nswpol #homophobia https://t.co/Z4g6np8mAI
— Alastair Lawrie (@alawriedejesus) May 8, 2024
‘O vereador do oeste de Sydney por trás da proibição a um livro infantil sobre pais do mesmo sexo admite que não o leu.’
Ignorância misturada com intolerância. #nswpol #homofobia
Como em tantas tentativas de censurar material, este se tornou mais um exemplo do Efeito Streisand, em que uma tentativa de esconder algo apenas atrai mais atenção. Uma situação semelhante ocorreu em 2023 com o livro de educação sexual Welcome to Sex (Bem-vindo ao sexo) na Austrália.
Na verdade, a editora disponibilizou Pais do mesmo sexo on-line gratuitamente:
In response to the homophobic banning of ‘A Focus On… Same-Sex Parents’ by Councillor @ChristouSteve & @CumberlandSyd the publisher @BooklifePubLtd has made the book FREE TO DOWNLOAD all over the world. Brilliant! https://t.co/ziOd1zG5vN
— Richard Watts (@richardthewatts) May 13, 2024
Em resposta à proibição homofóbica de ‘A Focus On… Same-Sex Parents’ pelo vereador @ChristouSteve & @CumberlandSyd, a editora @BooklifePubLtd colocou o livro para DOWNLOAD GRATUITO em todo o mundo. Brilhante!
Uma petição on-line para reverter a proibição teve mais de 40 mil adesões e outra que ultrapassou as 10 mil assinaturas, até a câmara de Cumberland revogar a proibição numa votação decisiva por 12 a 2. Muitas pessoas nas redes sociais, como Tim Richards, no Mastodon, ficaram aliviadas:
Graças a Deus. Espero que este seja o fim das tentativas de trazer pra cá essa guerra cultural insana dos EUA.
A câmara municipal de Cumberland, a oeste de Sydney, vota para derrubar a proibição de livros para pais do mesmo sexo em bibliotecas.
Penni Russon, professora da Monash University, examinou parte da história da proibição de livros, destacando o exemplo recente de Gender Queer (Gênero Queer), biografia em quadrinhos de 2019 da autora norte-americana Maia Kobabe, que detalha sua experiência ao se assumir como gênero fluido (Kobabe usa os pronomes neutros de Spivak).
O livro tem sido fonte de constante controvérsia e objeto da ira conservadora tanto na Austrália quanto em outros países. Gender Queer foi encaminhado ao Australian Classification Board (ACB), um órgão de Estado “responsável pela classificação e censura de filmes, videogames e publicações para exibição, venda ou aluguel na Austrália” e recebeu a classificação Sem Restrições (e não recomendado para leitores menores de 15 anos).
O ativista conservador Bernard Gaynor levou o ministro das comunicações e a ACB ao Tribunal Federal por causa da decisão da Comissão de Revisão que manteve a classificação.
A Australian Broadcasting Corporation tem um podcast chamado Banned Books, dividido em cinco episódios. O quarto episódio, Gênero Queer na Austrália, relata as memórias de Maia Kobabe.
Segundo a produtora e apresentadora Sarah L'Estrange, é “o livro mais proibido dos EUA e agora está sendo contestado nos tribunais da Austrália”. Ela examina a questão: “A frente de batalha do movimento de proibição de livros dos EUA chegou à Austrália?”
A Austrália tem uma longo histórico de proibição de livros, especialmente até a década de 1970. Alguns casos ganharam notoriedade, dentre eles: Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley; Terra Estranha, de James Baldwin; e O Amante de Lady Chatterley, de DH Lawrence. Lolita, de Vladimir Nabokov, foi proibido até 1965, mas chegou clandestinamente ao país em capas de papal pardo pelas mãos de viajantes que retornavam ao país.