Centenas de milhares de eleitores apoiaram candidato antiguerra na Rússia, mas ele foi banido das eleições

Boris Nadezhdin, pouco conhecido pela maioria das pessoas na Rússia, declarou-se como  candidato antiguerra, e os russos ficaram em fila para apoiá-lo. Captura de tela de vídeo no canal do Youtube Khodorkovsky Live. Uso livre.

 

Boris Nadezhdin e Yekaterina Duntsova se tornaram as figuras principais das eleições russas de março de 2024, porém nenhum deles estará nas urnas eleitorais. No dia 8 de fevereiro, Nadezhdin, o segundo candidato antiguerra depois de Duntsova, foi banido das eleições.

Ninguém esperava boas notícias acerca da reeleição de Vladimir Putin, que está no poder há 24 anos (como presidente e — brevemente — como primeiro ministro da Rússia de 2008 a 2012). Se antes da invasão da Ucrânia pela Rússia (em fevereiro de 2022) alguns vislumbres da oposição midiática e da sociedade civil ainda eram visíveis na autocracia de Putin, os dois últimos anos de repressão contínua parecem ter espremido cada gota dissidente que resta para fora do país ou as aprisionou. Todos os protestos foram proibidos, mídias independentes e redes sociais foram bloqueadas (com exceção do Youtube e Telegram, apenas são utilizadas  plataformas sociais de origem russa que são fortemente censuradas).

Putin vem participando de eleições com falsos competidores há pelo menos 12 anos. Este ano iria ser como os outros, apenas os candidatos aprovados pelo Kremlin estariam aptos a participar não apenas das próprias eleições, como também do período de pré-eleitoral, onde é realizada a angariação de assinaturas em apoio aos candidatos.

Porém, algo deu errado. Primeiro, uma ex-jornalista vinda de uma pequena cidade da Rússia, Rzev, anunciou que queria se tornar candidata e era contra a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Em apenas algumas semanas, Yekaterina Duntsova se tornou conhecida por centenas de milhares de pessoas (a maior parte por meio da ajuda da oposição midiática no exílio), mas ela não estava autorizada a coletar assinaturas. Em 23 dezembro de 2023, a Comissão Eleitoral Central (CEC) a impediu de concorrer às urnas após rejeitar seus documentos de nomeação. Por um tempo, parecia que as surpresas desagradáveis haviam terminado para o Kremlin.

Yekaterina Duntsova. Captura de tela de vídeo no canal do Youtube DW Russian. Uso livre.

Porém, de repente, um candidato que supostamente foi autorizado a concorrer ao lado de Putin, membro do mesmo grupo de liberais de 1990 de Sergey Kiriyenko (agora administrando a campanha de Putin) e Boris Nemtsov (assassinado, supostamente sob ordens de Putin, em 2015), anunciou que também era um candidato antiguerra. Sendo assim, Boris Nadezhdin, querendo ou não, recebeu um apoio esmagador. A oposição russa — jornalistas, políticos e acadêmicos em exílio — pediram para as pessoas o apoiarem. A oposição midiática no exílio, mesmo aquela liderada por políticos (como os apoiadores de Khodorkovski e os de Navalny) está agora fazendo o papel tanto da oposição russa quanto o da sociedade civil. Eles ainda têm um grande alcance no país por meio do Youtube, Telegram e de russos experientes em tecnologia que sabem usar VPN (Rede Privada Virtual).

Aqui está um vídeo do canal de TV Chuva (Dozhd) que mostra pessoas enfileiradas para assinar a favor da participação de Nadezhdin  nas eleições.

Quando toda a oposição, unida pela primeira vez, anunciou seu apoio a Nadezhdin, as pessoas na Rússia foram ao seu escritório (todos os candidatos na Rússia costumam ter uma rede de escritórios por todo o país para angariar assinaturas em favor da sua eleição) para assinar em apoio ao único candidato pacifista. Esta foi uma atitude verdadeiramente corajosa, visto que, atualmente, ser contra a guerra é visto como um crime na Rússia. Porém, esse era o único jeito legítimo de protestar sem ser preso, e apesar de que as assinaturas dessas pessoas foram entregues às autoridades (o propósito de angariar assinaturas é entregá-las a Comissão Eleitoral Central), as pessoas ainda permaneceram em grandes filas para mostrar a sua vontade: a vontade de acabar com a guerra, de libertar prisioneiros políticos, de proteger minorias, de ter dignidade e de acreditar que o futuro é possível. Nadezhdin angariou mais de 200 mil assinaturas em várias regiões da Rússia, e muitas mais dos que vivem fora do país.

Estas são algumas das citações de pessoas que estiveram nessas filas, e que o jornal Holod coletou e publicou, e a  Global Voices republica com permissão.

Anton, 30 anos, Ecaterimburgo:

Думаю, главная причина в том, что даже после самой темной ночи обязательно наступит рассвет. И есть ощущение, что перемены придут намного раньше, чем кажется, — достаточно лишь поверить.

К сожалению, среди моего ближнего и дальнего круга общения достаточно много людей отчаявшихся, которые не верят в лучшее и перспективы. Я, собственно, и сам вижу потоки негатива, постоянно транслируемого отовсюду, и понимаю внутреннюю апатию людей. Поэтому я был искренне удивлен увидеть многочасовую очередь в штаб Надеждина: людей не отчаявшихся, улыбающихся и верящих в перемены. Такое вселяет веру.

Eu acredito que a principal razão (de estarmos todos aqui) é que mesmo após a noite mais sombria, o amanhecer inevitavelmente virá. E com isso vem um sentimento de que as mudanças virão muito mais cedo do que parece — basta acreditar.

Infelizmente, entre o meu círculo próximo e distante de parentes e amigos, há muitas pessoas que perderam a esperança, que não acreditam em um futuro melhor. Vejo por mim mesmo as correntes de negatividade constantemente vindo de todos os lugares e entendo a apatia interna das pessoas. Este é o porquê de eu estar sinceramente surpreso ao ver a longa fila nos escritórios de Nadezhdin: há pessoas que não desistiram, que sorriem e acreditam na mudança. Isso gera esperança.

Dmitry, 37 anos, Ijevsk:

В жизни миллионов россиян тихонечко, с каждым днем угасает уголек надежды. На свободу, на любовь, на карьеру без мохнатой лапы, на достойную жизнь. [В России] остались те, у кого не было возможности все бросить. Они обрекли себя на ежедневное ношение маски смирения. Мы потеряли друзей, мы потеряли общение, мы потеряли родину, оставаясь в ее территориальных границах.

Подпись сегодня — единственный законный способ поучаствовать в попытках изменить ситуацию и хоть немного приблизить прекрасную Россию будущего.

Na vida de milhares de russos, a centelha de esperança está silenciosamente sumindo a cada dia que passa, seja por liberdade, amor, carreira ou uma vida decente. [Na Rússia], sobraram aquelas pessoas que não têm a oportunidade de deixar tudo para trás. Elas se condenaram a usar a máscara de submissão todos os dias. Nós perdemos amigos, a comunicação e a nossa terra natal, tudo dentro das fronteiras do país.

Hoje, assinar é a única forma legal de participar das tentativas de mudar a situação e, mesmo que seja pouco, trazer a formosa Rússia do futuro para mais perto de nós.

Anna, 31 anos, Iacutusque:

За два года войны я перестала замечать Z и V, свыклась с отсутствием привычных сервисов, развила в себе самоцензуру. Но, когда пошла информация о сборе подписей за антивоенного кандидата, я тут же зашла на сайт Надеждина. Оставила свой номер и, как только открылся штаб, пошла ставить подпись. Почему?

Для меня это возможность безопасно и открыто сказать свое «нет». Нет политике запугивания, нет людоедским законам. В конце концов, я гражданин РФ, представитель народа саха — у меня могут быть свои взгляды? И разве преступление о них говорить? С февраля 2022 я чувствовала угнетение, безнадегу и апатию. Я бы себя просто не простила, если бы не пошла ставить подпись. Если даже ничего не поменяется в нашей жизни, если даже все зря, разве надежда не умирает последней? Да и кандидат со звучной фамилией.

Durante dois anos de guerra, eu parei de perceber Z e V, me acostumei à ausência de serviços familiares e desenvolvi uma autocensura dentro de mim mesma. Mas quando eu ouvi falar da coleta de assinaturas para um candidato antiguerra, imediatamente fui ao site de Nadezhdin. Eu deixei o meu número (no site) e, assim que o escritório dele abriu, fui lá assinar. Por quê?

Para mim, é uma oportunidade de dizer de forma aberta e segura o meu “não”. Não às políticas de intimidação, não às leis canibalísticas. Afinal, sou uma cidadã da Federação Russa, uma representante do povo de Sakha — não posso ter os meus próprios pontos de vista? E é crime falar a respeito deles? Desde fevereiro de 2022, eu senti opressão, desespero e apatia. Eu não iria me perdoar se não viesse assinar. Mesmo que nada mude em nossas vidas, mesmo que tudo seja em vão, a esperança não é a última que morre?

Em 8 de fevereiro de 2024, Boris Nadezhdin foi impedido de participar das eleições. A Comissão Eleitoral Central declarou que encontrou supostas fraudes e inconsistências em cerca de 9% das assinaturas, sendo que apenas 5% são toleradas. Isso deixa as chamadas “eleições” com Putin e três candidatos que o apoiam, embora sejam de diferentes “partidos políticos”. Ele certamente vencerá este show político na ausência de qualquer oposição, com toda a máquina eleitoral e administrativa do governo trabalhando para ele, mas o apoio que foi mostrado ao candidato antiguerra dentro do país já teve o seu impacto. As pessoas viram que muitos são contra a guerra, e o mito da propaganda que diz que a sociedade está unida a favor da guerra de Putin é apenas isso — um mito.

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