As fortes chuvas e enchentes que atingiram o estado do Rio de Janeiro, incluindo a cidade do Rio, causaram 12 mortes e devastação em meados de janeiro, efeito da crise climática que se repetiu em várias regiões do Brasil no ano passado.
E, desta vez, um novo termo foi adicionado ao debate nacional, depois que a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, apontou o racismo ambiental como uma das causas da tragédia climática ocorrida na região.
Sobre as chuvas no Rio de Janeiro, racismo ambiental e como ele se manifesta nas grandes cidades.
Governo Federal e os poderes locais estão agindo em conjunto pra redução de danos. pic.twitter.com/XsnAivkkRo
— Anielle Franco (@aniellefranco), 15 de janeiro de 2024
Anielle, que é irmã de Marielle Franco, vereadora do Rio assassinada em 2018, disse em vídeo publicado em suas redes sociais que, quando se olha para as áreas mais afetadas pelas cheias, locais que já enfrentam problemas de moradia, vê-se que as pessoas negras são a maioria dos atingidos pelos eventos climáticos extremos.
Isso acontece porque uma parte da cidade, do estado, não tem a mesma condição de moradia, de saneamento, de estrutura urbana do que a outra. Também não é natural que esses lugares tenham a maioria da sua população negra. Isso faz parte do que a gente chama e define de racismo ambiental e seus efeitos nas grandes cidades.
Os meios de comunicação da direita e os editoriais da grande mídia discordaram, alguns chegando a ridicularizar os comentários da ministra.
Joel Pinheiro da Fonseca argumentou em artigo da Folha de São Paulo:
Há áreas em que o recorte racial é relevante, porque joga luz em mazelas de que a simples desigualdade social não dá conta. (…) Mas será que as chuvas castigam mais um negro favelado do que seu vizinho branco? Claro que não. A raça aí é incidental, não tem relação direta com o problema, e tampouco é parte de sua solução.
Em dezembro de 2023, uma pesquisa revelou que 55,5% da população brasileira se identifica como preta ou parda. Um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021 mostrou que as taxas de pobreza entre a população de pretos e pardos eram quase o dobro da população branca. A taxa considera a linha de pobreza para pessoas que vivem com renda mensal inferior a US$ 100.
Anielle Franco tuitou em 16 de janeiro que, entre 2010 e 2020, o número de mortos em inundações, secas e tempestades foi 15 vezes maior em favelas e áreas periféricas no Brasil.
Racismo ambiental
O termo racismo ambiental é utilizado desde os anos 1970/80 nos Estados Unidos. Em geral, é creditado ao autor e ativista afro-americano Benjamin Chavis.
Um artigo no site do Fórum Econômico Mundial o define como “uma forma de racismo sistêmico em que as comunidades negras são desproporcionalmente sobrecarregadas de perigos à saúde devido à políticas e práticas que as forçam a viver nas proximidades de fontes de resíduos tóxicos como obras de esgoto, minas, aterros sanitários, centrais elétricas, rodovias e emissores de material particulado transportado pelo ar”. Mas outro editorial, publicado pelo The Lancet em 2018, observa que “o racismo ambiental não se limita apenas às proximidades das indústrias poluentes”:
Também pode ser visto na localização histórica de muitas comunidades minoritárias em áreas menos desejáveis, como planícies de inundação ou outras áreas vulneráveis aos eventos climáticos extremos. Nem o racismo ambiental está limitado às relações de grupos minoritários dentro de uma nação, uma vez que muitas indústrias poluentes mudaram-se de países de maior renda, onde são monitorados mais de perto, para países de menor renda e sob a uma supervisão ambiental menos rigorosa.
Embora um contra-argumento comum à narrativa do racismo ambiental seja de que são condições que surgem da pobreza e não do racismo, um conjunto crescente de evidências sugere que este não é o caso (…)
A jornalista Flávia Oliveira também explicou o termo na GloboNews, pontuando o contexto brasileiro:
É importante a gente chamar atenção para isso que você está chamando de descaso (…) que recai somente para um determinado grupo da população. É essa orientação que alguns vão chamar de ‘destino’, de ‘sina’, a que se dá o nome de racismo ambiental. De modo geral essas intempéries, inundações, deslizamentos, desmoronamentos, mortes (…) no Brasil, se abatem quase sempre sobre o mesmo grupo: um grupo de baixa renda que vive em más condições habitacionais, que vivem em situação de vulnerabilidade e que são predominantemente pessoas pretas, pobres, muitas mulheres chefes de famílias.
A ministra do meio ambiente Marina Silva também publicou uma declaração nas suas redes sociais em apoio à postura de Anielle Franco e reforçando a vontade de discutir a justiça climática, acrescentando:
A política pública precisa integrar novas linguagens, que sejam capazes de objetivamente dar nome às demandas, e o racismo ambiental é uma das realidades que precisam ser enfrentadas. Eventos climáticos extremos atingem toda a população, mas é um fato que pessoas pretas, mulheres, crianças, jovens e idosos são duramente mais afetados.
Uma reportagem publicada pela revista Piauí em 2022 afirma que “pelo menos 17,4 milhões de pessoas vivem em situação de déficit habitacional; moram em casas precárias, improvisadas ou gastam a maior parte de sua renda pagando aluguel”.