Retratos do exílio: a luta incessante do grupo Feminista pela justiça no Irã

Maryam Bahrami (à esquerda) e Setayesh Hadizadeh (à direita) do grupo Feminista em uma cafeteria, em Berlim. Fevereiro de 2023. Foto do grupo Feminista, usada sob permissão.

Esta história é parte de uma série que investiga as experiências das mulheres iranianas no exílio enquanto buscam a liberdade e mostram sua resiliência. A história recorda a morte trágica de Mahsa Jina Amini, uma mulher curda que perdeu a vida aos 22 anos nas mãos da polícia da moralidade por não cobrir totalmente o cabelo. Esse incidente provocou uma onda de protestos no Irã, que continuam até hoje, apesar da crescente opressão do governo.

No início dos protestos no Irã, em 2022, um grupo de jovens iranianas de Berlim com diferentes experiências de vida, mas todas influenciadas pela coragem dos iranianos no Irã, formou um grupo chamado Feminista, que significa: “as feministas” em farsi. Esse grupo exigiu a expulsão do embaixador do Irã da Alemanha, a redução das relações diplomáticas da Alemanha com a República Islâmica e a suspensão de quaisquer negociações, públicas ou a portas fechadas, incluindo o acordo nuclear. Elas realizaram uma manifestação permanente no outono de 2022, em frente ao escritório do Partido Verde da Alemanha, no distrito de Mitte, em Berlim.

As ativistas do Feminista tiveram que dormir na neve em temperaturas abaixo de zero durante os 80 dias de manifestação, que terminou em dezembro de 2022. Foto do grupo Feminista, usada sob permissão.

Na primeira vez que eu as encontrei, em outubro de 2022, ainda não fazia muito frio. No entanto, quando o grupo terminou sua manifestação, no final de dezembro de 2022, as ativistas haviam dormido na neve em temperaturas abaixo de zero e com pouquíssima comodidade. Em janeiro de 2023, me sentei em uma cafeteria com Maryam Bahrami e Setayesh Hadizadeh, duas ativistas do Feminista, e conversei sobre os 80 dias de manifestação política. 

Maryam, de 40 anos, explicou que em 2013, após as decepções do Movimento Verde (um movimento de protesto no Irã, formado em 2009, com o slogan: “Onde está o meu voto?”), ela e o marido mudaram-se a princípio para a Malásia. Em 2015, entraram na Alemanha com vistos de busca de emprego e, já que ambos trabalhavam na área de TI, rapidamente encontraram emprego e ali permaneceram.

Em 2017, Maryam voltou ao Irã pela primeira vez em quatro anos. Foi então, que ela decidiu nunca mais voltar para lá em virtude de algo que descreveu como “comportamento humilhante contra as mulheres”. Ela relatou um incidente no aeroporto de Teerã: “Quando entrei no aeroporto de Teerã, o oficial que deveria verificar meu passaporte pediu para eu dar um passo atrás. Ele se levantou, verificou minha roupa e disse: ‘Ok, suas roupas estão adequadas, você pode entrar.'”

Entretanto, a decisão de ficar longe do Irã não afetou sua determinação em apoiar o povo de lá. “Quando li a notícia sobre a morte de Mahsa Jina Amini, quis imediatamente fazer algo para dar voz ao povo do Irã”, disse ela.

Por sua vez, Setayesh Hadizadeh, de 28 anos, veio para a Alemanha em 2016 para estudar engenharia de energia e processos. “Ouvimos as notícias sobre o assassinato de manifestantes no Irã e, certa noite, enquanto estava com algumas das minhas amigas, discutimos o que poderíamos fazer e foi assim que o grupo Feminista começou”, comentou. 

Manifestação permanente do Feminista no outono de 2022. Foto do grupo Feminista, usada sob permissão.

O Feminista reuniu Setayesh e Maryam. Elas recordaram com saudade a atmosfera dentro do acampamento de protesto, onde pessoas que até então eram estranhas, trabalhavam juntas com harmonia, apesar de suas diferentes afiliações políticas, faixas etárias e carreiras. Na opinião delas, a troca de conhecimentos e de compreensão mútua entre pessoas com diferentes origens foi incrivelmente valiosa.

Durante a manifestação, o grupo Feminista organizou concertos, shows e vários encontros. A principal reivindicação do Partido Verde, perante a qual a Ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha Analena Berbock, que defende uma agenda feminista, manteve-se firme: “O governo iraniano carece de legitimidade política, e a expulsão do embaixador serviria como a revogação dessa legitimidade”, afirmou Maryam. Ela ainda lembrou: 

With the empathy and hope that had emerged, we were determined to rid ourselves of the dreadful monster together. The flow of events was so rapid that we hoped that change was about to happen. 

Com o surgimento da empatia e da esperança, estávamos determinadas a livrar-nos juntas do terrível monstro. O ritmo dos acontecimentos estava tão acelerado, que a mudança parecia estar prestes a acontecer.

Resiliência em meio às adversidades 

A expectativa otimista de uma mudança iminente e substancial foi ofuscada por uma série de eventos devastadores: a repressão severa aos manifestantes no Irã, as detenções em larga escala e a subsequente imposição e execução de sentenças de morte. Esse ataque violento de ações opressivas levou a uma reavaliação preocupante da situação. Maryam observou:

Our faith in foreign governments was rapidly fading. It dawned on me that political priorities might not align with fundamental human principles as much as we had hoped. 

A nossa fé nos governos estrangeiros dissolveu-se rapidamente. Percebi que talvez as prioridades políticas não estivessem alinhadas com os princípios humanos fundamentais, conforme esperávamos.

Ela destacou ainda, a extensa infiltração de lobbies da República Islâmica, tornando difícil revelar suas práticas fraudulentas.

Setayesh expressou seu descontentamento com a imprensa alemã, afirmando: “Embora eles mostrem prontamente minhas lágrimas pelo povo do Irã, dificilmente expõem minha posição política bem definida. Para eles, parece mais fácil retratar um clichê: uma mulher angustiada, preocupada, mas sem saber que atitude tomar.” E também criticou: “São ativistas antifascistas que temem falar sobre o Irã para não serem acusados de islamofobia, mas não dão importância ao grave impacto sobre inúmeras vidas que ali sofreram estupro, tortura e execução.”

Todavia, durante uma noite fria em Berlim, em janeiro de 2023, essas duas ativistas enfatizaram que, apesar da interdição do acampamento de protesto do grupo Feminista, sua principal exigência permaneceu inalterada: a expulsão do embaixador da República Islâmica. Setayesh declarou:

This demand remains steadfast; only our approach has evolved. It's crucial to communicate to both Iranians and Germans that expelling the ambassador signifies delegitimizing the Islamic Republic, and their support is crucial. Europe must abandon appeasement policies and recognize that no alliance with the Islamic Republic serves the public interest, neither for the people in Iran, the region, nor the world.

Essa exigência permanece fiel; apenas a nossa abordagem mudou. É fundamental informar os iranianos e os alemães que expulsar o embaixador significa deslegitimar a República Islâmica e por isso, o apoio deles é muito importante. A Europa deve abandonar as políticas de conciliação e reconhecer que nenhuma aliança com a República Islâmica atende ao interesse público, nem do povo do Irã, nem da região e nem do mundo.

Quando não há lugar para arrependimentos

Pessoas apoiando a manifestação do Feminista no outono de 2022. Foto do grupo Feminista, usada sob permissão.

A narrativa do acampamento de protesto do grupo Feminista estendeu-se além da mera política; foi uma jornada carregada de emoção para Setayesh e Maryam. Confrontadas com o dilema de permanecerem em silêncio fora do Irã, tendo a oportunidade de revisitarem a sua pátria ou de defenderem os direitos humanos e, consequentemente, perderem a possibilidade de regresso, elas escolheram a segunda opção, abraçando de forma voluntária a adesão à comunidade dos iranianos no exílio. Maryam explicou:

It is true that since 2017, I decided not to return home as long as the Islamic Republic exists. But well, I still had the choice to return. There was no fear to prevent me from returning. However, after the 2022 uprising and my activities, that door closed. It's no longer my choice. Something has been imposed upon me. Even if I choose to return, the concern about what I might face there burdens me. I will fight but I wonder why a dictator has so much power to imprison not only the people in the country but also to imprison and inflict harm on those who have left the country. 

É verdade que, desde 2017, decidi não voltar para casa enquanto existisse a República Islâmica. Só que eu ainda tinha a opção de voltar. Nenhum temor me impediria de regressar. Porém, após a rebelião de 2022 e as minhas atividades, essa porta se fechou. Já não depende da minha escolha. Foi algo que me impuseram. Mesmo que eu decida voltar, me preocupa pensar no que poderei enfrentar por lá. Vou lutar, mas me pergunto por que um ditador tem tanto poder para prender, não só as pessoas do país, mas também para prender e fazer mal àquelas que deixaram o país.  

Em meio a esses desafios, não há arrependimentos. Setayesh, analisando que o exílio não é uma mera coincidência, comentou: “Tomei essa decisão como se fosse um dever.” E acrescentou:  “Naturalmente, previ as consequências e já esperava pelos dias difíceis, nos quais desejaria estar no Irã, mas acreditei que era a melhor escolha, uma vez que cada pequeno passo era importante naquele momento. Sem dúvida, é desanimador e sinto que a minha família partilha dessa tristeza. Contudo, não me arrependo de nada.”

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