Apesar do que alguns possam alegar, no Oscar, as premiações americanas, são sempre políticas. Este ano, o 95º Prêmio Anual da Academia está envolvido com a política chinesa por dois motivos: primeiro, Michelle Yeoh foi a primeira mulher asiática premiada como melhor atriz por sua atuação no filme “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”. As mídias sociais chinesas usaram a vitória da atriz malaia-chinesa como prova do crescimento do cinema chinês de forma global. Porém, ironicamente, o filme ganhador de 7 prêmios não foi lançado nos cinemas da China continental por retratar material considerado subversivo. Segundo, o ator de Hong Kong e pró-Pequim, Donnie Yen, que apoiou a repressão do governo chinês aos protestos de 2019 em Hong Kong, foi convidado como um dos apresentadores do prêmio. A decisão desencadeou uma petição on-line.
O tuíte do cartunista político Badiucao resumiu a ironia das duas polêmicas:
Michelle Yeoh, first Asian woman to win the #Oscar Best Actress
Her film the lady is banned in China for supporting human rights.Also #Oscars invites Donnie Yen,a Chinese People's Political Consultative Conference National Committee member to speak.
Whats the message here? pic.twitter.com/4vKzYsx0cM
— 巴丢草 Bad ї ucao (@badiucao) March 13, 2023
Michelle Yeoh, primeira mulher asiática a ganhar o Oscar de melhor atriz
Seu filme ‘Além da liberdade’ é proibido na China por apoiar os direitos humanos.
O Oscar convidou também Donnie Yen, membro do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, para falar.
Qual é a mensagem aqui?
Yeoh é uma mulher chinesa hokkien, nascida na Malásia, que se mudou para o Reino Unido com sua família, quando tinha 15 anos. Ela começou sua carreira de atriz em Hong Kong, tornando-se estrela de filmes de ação na Ásia. Outro filme em que Yeoh atua, “Além da liberdade” (2011), longa biográfico sobre Aung San Suu Kyi, a líder do movimento democrático de Mianmar, foi proibido na China, já que os líderes estavam preocupados que um filme pró-democracia pudesse enfraquecer o Partido Comunista da China (PCC). Michelle Yeoh interpreta Aung San Suu Kyi, e não se absteve de mostrar seu apoio aos manifestantes após o golpe de 2021.
Michelle Yeoh e a narrativa racial da etnia chinesa
“Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo“ ganhou sete prêmios no Oscar 2023, incluindo melhor fotografia, melhor atriz e melhor diretor. O longa é uma comédia louca, que retrata uma imigrante chinesa americana, interpretada por Yeoh, que viaja através do multiverso, assumindo formas e identidades diferentes e, finalmente, escolhendo continuar sua vida como uma mãe estressada de uma filha lésbica e rebelde. O filme não foi exibido na China, já que a representação de um multiverso sexualmente diverso, é inadequada para a censura chinesa, a medida que contradiz o projeto da China continental de reestabelecer uma “civilização espiritual socialista da nova era”.
Embora os filmes de maior destaque de Yeoh não possam ser exibidos nos cinemas da China continental, patriotas chineses on-line têm se mostrado ávidos em apontar a origem étnica chinesa de Yeoh, para celebrar o crescimento da China e da Ásia. Hu Xijin, o principal comentarista da Global Times, que é financiado pelo estado, transmitiu o “ponto de vista chinês” do Oscar de melhor atriz no Weibo:
祝贺杨紫琼女士,好为她高兴。中国在崛起,亚洲在崛起,华裔以及亚裔人士一定会在世界受到更多关注和凝视,还有尊重以及复杂的对待。一定会有更多华裔人士乘势飞扬,通过努力和博弈走向各领域的巅峰。是时候了,加油,世界各地有中国血脉和中华文明基因的人们,无论你今天在哪里,祖上是哪个国家的华人。
Parabéns para Michelle Yeoh. Estamos muito felizes por ela. A China está crescendo, e a Ásia está crescendo. Chineses e pessoas de descendência asiática com certeza receberão mais atenção, olhares e respeito por todo o mundo. Mais pessoas de ascendência chinesa se destacarão, e através de seus esforços e empenho, alcançarão o topo em todos os setores. Pessoas de todo o mundo que carregam o sangue e os genes chineses, independentemente de onde estejam e da nacionalidade dos seus ancestrais. A hora chegou, continuem!
Hu recebeu alguns elogios nas redes sociais chinesas, e muitos coroaram Michelle Yeoh como uma “referência do povo chinês” (華人之光). No entanto, fora da China, outros ficaram ressentidos com a afirmação. Abaixo do post de Hu Xijin, muitos usuários do Twitter perguntaram por que os filmes de Yeoh não estão disponíveis na China, e alguns zombaram da mensagem de Hu. Um usuário explicou a mensagem política por trás da afirmação:
What Hu really wanted to say is: Michelle Yeoh, don’t forget to thank the Chinese Communist Party. Even though your movie can’t be released in China, you owe our great communist party. No matter where you were born, Chinese are forever in debt to the Chinese communist party.
O que Hu realmente quis dizer é: Michelle Yeoh, não esqueça de agradecer ao Partido Comunista Chinês. Muito embora, seu filme não possa ser liberado na China, você deve ao nosso grande partido comunista. Não importa onde você nasceu, os chineses estão sempre em débito com o Partido Comunista Chinês.
A polêmica presença de Donnie Yen no Oscar
Outra polêmica decisão da Academia, foi convidar Donnie Yen como um apresentador do Oscar. Yen é considerado a principal estrela de filmes de ação da China e atuou em muitos filmes patrióticos de Kungfu, os quais mostram um herói derrotando estereótipos de valentões japoneses e ocidentais, como por exemplo a série de filmes “O Grande Mestre (Ip Man)”.
Sua imagem nos filmes combina bem com a ideologia oficial do governo chinês. Em 2017, Yen estava ao lado do presidente da China, Xi Jinping, no 20º aniversário da entrega de Hong Kong à China, como mostrado no tuíte de Anna Kwok:
From left to right:
Chairman of the Chinese Communist Party (CCP), Xi Jinping;
Member of the CCP’s Political Consultative Conference, Donnie Yen;
Former Chief Executive of Hong Kong, Carrie Lam.#oscars #Oscars2023 #AcademyAwards2023 https://t.co/EfMVfjxa9c pic.twitter.com/WEy5D1dHf7— Anna Kwok 郭鳳儀 (@AnnaKwokFY) March 13, 2023
Donnie Yen, membro do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, falando na premiação apesar de que 100.000 pessoas tenham solicitado que não o convidassem. Será uma grande manchete para os meios do Partido Comunista Chinês. ———————————-
Da esquerda para à direita:
Xi Jinping, presidente do Partido Comunista Chinês (PCC); Donnie Yen, membro da Conferência Consultiva Política do PCC; Carrie Lam, ex-diretora executiva de Hong Kong.
Em 2019, durante os protestos anti-extradição, como muitos do setor de entretenimento chinês, Donnie Yen repetiu as narrativas oficiais de Pequim, rotulando os protestos como “tumulto”. Rachel Cheung, jornalista do Vice News, destacou sua posição política:
His pro-Beijing stance irked many in his home city, particularly during the 2019 protests. He doubled down on it in the interview with GQ. “It wasn’t a protest, OK, it was a riot…A lot of people might not be happy for what I’m saying, but I’m speaking from my own experience.” pic.twitter.com/n8Evrkwl84
— Rachel Cheung (@rachel_cheung1) March 8, 2023
Sua posição pró-Pequim, causou irritação de muitos em sua cidade natal, principalmente durante os protestos de 2019. Isso foi intensificado por ele na entrevista com a GQ. ‘Não foi um protesto, OK, foi um tumulto… muitas pessoas podem não ficar felizes com o que estou dizendo, mas estou falando da minha própria experiência’.
Ele também criticou os meios de comunicação ocidentais, em especial, a BBC, por ser tendenciosa contra a China em suas reportagens.
No início deste ano, Yen foi nomeado representante da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.
Alguns chamaram a comissão do Oscar de hipócrita, por convidar Donnie Yen, pois, por dois anos consecutivos rejeitaram o pedido do ex-ator cômico e atual presidente da Ucrânia Volodymyr Zelenskyy, para aparecer na cerimônia via Telecast.
Em resposta, um grupo de dissidentes políticos de Hong Kong no exterior, lançou uma petição on-line contra a decisão do Oscar de convidar Yen como apresentador da premiação.
1. Poster design for boycott Donnie Yen @DonnieYenCT
In recent interview, John Wick 4 actor Yen called Hong Kong’s pro-democracy movement 2019 “a riot” and attack West media on China report.
Join petition :Cancel inviting Donnie Yen for Oscars. https://t.co/uj7OgDtaRh pic.twitter.com/TCnhhBujuY
— 巴丢草 Bad ї ucao (@badiucao) March 6, 2023
Donnie Yeh
Herói de ação eterno de Hong Kong. —————————————–
1. Modelo de cartaz para boicote a Donnie Yen @DonnieYenCT
Em uma entrevista recente, Yen, ator de John Wick 4, chamou o movimento pró-democracia de Hong Kong em 2019 de “um tumulto” e atacou os meios de comunicação ocidentais em relação à notícias sobre a China.
Junte-se a petição: Cancele o convite a Donnie Yen para o Oscar.
O total de 100.000 pessoas assinaram a petição. Porém a programação do Oscar ocorreu de acordo com o planejado em 13 de março, e atraiu alguns peticionários para protestar do lado de fora do Dolby Theatre em Los Angeles, antes da cerimônia:
#HongKongers in LA protest @TheAcademy’s invite of CPPCC member & Communist Party supporter Donnie Yen to present at #Oscars : “Say no to #CCP puppet Donnie Yen!” pic.twitter.com/lvP0PfhpwF
— Hong Kong Democracy Council (@hkdc_us) March 13, 2023
#HongKongers protestam em Los Angeles contra o convite da Academia ao membro da CCPPC e apoiador do Partido Comunista, Donnie Yen, para apresentar o Oscar: “Digam não ao fantoche do PCC Donnie Yen!”
A cerimônia de premiação acabou, porém a tensão predomina. Se por um lado, influenciadores de Pequim continuam a reforçar o poder de convencimento, celebrando o sucesso dos “genes chineses”, por outro lado, ativistas exilados de Hong Kong e China estão observando atentamente a política de Hollywood.
Após a aparição de Donnie Yen no Oscar, ativistas indignados começaram a criticar a nova presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, Janet Yang, que estabeleceu sua posição na indústria cinematográfica obtendo direitos exclusivos de representação na América do Norte por todos os filmes produzidos na China continental, através de uma pequena distribuidora de filmes em São Francisco, no início da década de 1980, e por outro lado ajudou grandes estúdios americanos a venderem seus filmes para a China. Jeffrey Ngo, membro da diáspora de Hong Kong, alfinetou a política chinesa de Janet Yang em um tópico no Twitter:
3. In addition to repeatedly praising Chairman Xi Jinping, she leverages her skin color as a minority in the U.S. to dismiss genocidal policies in China, where her ethnicity — Han — empowers her. She exploits this gap across borders to play both sides against the middle. https://t.co/RMtO6FRflD
— Jeffrey Ngo 敖卓軒 (@jeffreychngo) March 13, 2023
3. Além de repetidamente elogiar o presidente Xi Jinping, ela se aproveita da cor de sua pele como minoria nos Estados Unidos, para ignorar políticas genocidas na China, onde sua etnia, Han, a fortalece. Ela se aproveita da distância entre os dois países para jogar dos dois lados contra o centro.
É um segredo aberto que a política chinesa moldou a indústria cinematográfica de Hollywood, devido ao seu imenso mercado de 1,4 bilhão de pessoas. Porém, a mobilização pública contra a hipocrisia do “sonho americano” raramente é vista. Mas, embora a dimensão dos protestos do lado de fora do local do Oscar seja pequena, novos dramas políticos podem surgir. Fiquem ligados.