Artemy Troitsky é um famoso jornalista russo, crítico musical, escritor e organizador de shows. Desde 2014 ele vive na Estônia, onde é professor, apresentador de rádio e tem um programa semanal e um podcast sobre música na Radio Liberty. Alexey Medvedev do Russia Post conversou com Troitsky sobre a situação do cenário musical russo em 2022. A Global Voices publica uma versão editada com a permissão do Russia Post.
RussiaPost (RP): O que foi marcante em 2022 no cenário musical?
Artemy Troitsky (AT): I remember 2022, first of all, not for music, but for Russia’s attack on Ukraine. Still, I can’t help but follow music, as I have a weekly radio program and podcast on Radio Liberty. I did two or three episodes with Ukrainian war songs and several with anti-war and protest songs, both global and Russian.
The main figure of 2022 for me is undoubtedly Max Pokrovsky. He put out a powerful series of anti-war and anti-Putin songs. Followed by Noize MC. They came to us in Tallinn, along with Monetochka.
Artemy Troitsky (AT): Em primeiro lugar, lembro-me de 2022, não pela música, mas pelo ataque da Rússia à Ucrânia. Contudo, não posso deixar de acompanhar a música, já que tenho um programa de rádio semanal e um podcast na Radio Liberty. Fiz dois ou três episódios com canções de guerra ucranianas e outros com canções antiguerra e de protesto, tanto mundiais como russas.
A principal personalidade de 2022, na minha opinião, é sem dúvida, Max Pokrovsky. Ele lançou uma série poderosa de músicas antiguerra e anti-Putin. Seguido de Noize MC. Eles vieram até nós em Tallinn, juntamente com Monetochka.
RP: O que é que se pode dizer das músicas modernas ucranianas e russas contra a guerra?
AT: Russian war songs are very different from Ukrainian ones. Ukrainian songs are similar to Soviet ones from the Great Patriotic War — “the enemy attacked, we have to fight, we need to drive this enemy back.” Usually, the songs are very optimistic and uplifting. A few compositions are marked by horror or pessimism, though they are clearly the minority.
Basically, these are songs that are calling people to the fight. Meanwhile, there are a wide variety of styles. On the one hand, it’s rappers and hip-hoppers, who feature more humor. These are songs about the “Russian warship“ or the Bayraktar drone. There are also “women’s” songs with the promise of “wait for me, I’ll return.” “Ukrayinska lyut ”(“Ukrainian rage”) is a wonderful song. There’s a fairly large number of compositions, though it’s not only rock and rap, which have always responded to the current agenda, but also pop. There is this great young lady Jerry Heil (Yana Shemayeva). All pop, with these funny TikTok videos. For example, the song “I see you”. Stylistically, it is not only the “usual suspects” — rockers and rappers like Oleh Skrypka, Sviatoslav Vakarchuk and Andriy Volynets. It is also artists from whom hardly anyone expected political activity.
Russian songs, of course, are completely different. I think that the most interesting thing that was recorded in Russia in 2022 is the album “February Goes On” by the rapper Vlady from the group Kasta, which is entirely dedicated to the current situation. There are philosophical, satirical and, as it were, documentary songs. This is perhaps the most voluminous, the most multifaceted work.
AT: As canções de guerra russas são muito diferentes das ucranianas. As canções ucranianas são semelhantes às soviéticas da Grande Guerra Patriótica – “o inimigo atacou, temos que lutar, temos que fazer inimigo recuar”. Normalmente, têm caráter muito otimista e inspirador. Algumas composições trazem o horror ou pessimismo, embora sejam a minoria.
Basicamente, são músicas que chamam as pessoas para lutar. Entretanto, há uma grande variedade de estilos. Por um lado, os rappers e os hip-hoppers, que usam mais do humor. São músicas que falam do “navio de guerra russo” ou do drone Bayraktar. Há também músicas “femininas” com a promessa de “esperem por mim, eu vou voltar”.”Ukrayinska lyut” (“Raiva ucraniana”) é uma canção maravilhosa. Há muitas músicas, e não apenas nos estilos rock e rap, que sempre reagem à situação atual, mas também do pop. Há uma jovem incrível, Jerry Heil (Yana Shemayeva), totalmente pop, com estes vídeos divertidos do TikTok. Por exemplo, a canção “I see you”. Em termos estilísticos, não se trata apenas dos “suspeitos de sempre” – roqueiros e rappers como Oleh Skrypka, Sviatoslav Vakarchuk e Andriy Volynets. Há também artistas de quem quase ninguém esperaria alguma atividade política.
É claro que as músicas russas são completamente diferentes. Acho que o trabalho mais interessante que foi gravado na Rússia em 2022 é o álbum “February Goes On” do rapper Vlady do grupo Kasta, dedicado totalmente à situação atual. Há canções filosóficas, satíricas e, de caráter documental. Este é provavelmente o trabalho mais extenso e multifacetado.
AT: The most powerful and popular songs, of course, belong to Noize MC. This is “Land of rains” about emigration, “Let the swans dance” — about “him croaking.”
Next, it’s the songs of Maxim Pokrovsky and his Nogu Svelo! group. There are a whole bunch of them: “Generation Z,” “We don’t need war,” “Goyda, orki” with a cartoon clip by Oleg Kuvaev, the creator of the animated series “Masyanya.” These songs were very successful, so it is not surprising that Nogu Svelo! has been very widely touring.
Yura Shevchuk’s songs could not but attract attention: both his songs with DDT and those with Zemfira’s guitarist Dima Yemelyanov. “Don’t lose your mind,” “This is not your war,” “The rooks wait in the spring field,” “Motherland, come back home!”
Thank God that Yura, even though he is practically locked up in Russia, continues to work in the studio, continues to write wonderful songs. And the people, as far as I understand, take very well to these songs.
To be honest, I was a little disappointed with the songwriting of our glorious veterans. I mean Andrei Makarevich, Boris Grebenshchikov and Mikhail Borzykin. They have all spoken out against the war, against Putin, against all the current Russian madness. But I haven’t heard any new songs by Time Machine or Aquarium on the current events to this point. And if there are, then their meaning is heavily veiled. Boris Grebenshchikov just released an acoustic song called “Black swan.” In it, you can catch a sense of horror from what is going on, but still it is not the song that, I think, everyone expects from him. I really hope that, besides the beautiful acoustic, bard songs of Makarevich, like “My country has gone crazy,” his group Time Machine will record something rock, a hit based the current events.
AT: As músicas mais poderosas e populares são, sem dúvida, as de Noize MC. É o caso de “Land of rains” sobre a emigração, “Let the swans dance” – sobre “os lamentos dele”.
A seguir, as canções de Maxim Pokrovsky e do seu grupo Nogu Svelo! Há muitas outras: “Generation Z”, “We don’t need war”, “Goyda, orki” com um clipe de desenhos animados de Oleg Kuvaev, o criador da série de animação “Masyanya”. Estas músicas tiveram muito êxito, e não é de estranhar que Nogu Svelo! tenha feito uma grande turnê.
As canções de Yura Shevchuk não deixam de chamar a atenção: tanto as suas canções com os DDT como as canções com o guitarrista dos Zemfira, Dima Yemelyanov. “Don’t lose your mind”, “This is not your war”, “The rooks wait in the spring field”, “Motherland, come back home!”.
Graças a Deus que Yura, apesar de estar praticamente atado à Rússia, continua a trabalhar no estúdio, e a escrever músicas incríveis. Até onde sei, as pessoas gostam muito.
Honestamente, fiquei um pouco desiludido com as composições dos nossos ilustres veteranos. Refiro-me a Andrei Makarevich, Boris Grebenshchikov e Mikhail Borzykin. Todos eles se manifestaram contra a guerra, contra Putin e a atual loucura russa. Mas até agora não ouvi nenhuma canção nova dos Time Machine ou dos Aquarium sobre os acontecimentos atuais. E se houver, o seu conteúdo é muito velado. Boris Grebenshchikov acaba de lançar uma canção acústica chamada “Black swan”. Nela, é possível captar uma sensação de horror em relação ao que ocorre, mas ainda assim não é a música que, acredito, todos esperam dele. Espero que, para além das belas e poéticas canções acústicas de Makarevich, como “My country has gone crazy”, o seu grupo Time Machine grave algo mais rock, um sucesso baseado nos atuais acontecimentos.
RP: A indústria musical tem futuro na Rússia? Voltará tudo aos formatos soviéticos e às atuações de roqueiros de confiança nos “palácios da cultura”? Pode ressurgir uma cena underground?
AT: I won’t attempt to give any final diagnosis, as I have not been in Russia for two years and I may not sense some important things. If we talk about Russian official music, then it has come to an end. Vadim Samoilov, Chicherina are not artists at all — they are rubbish, disgusting, untalented, unfashionable, in the final analysis. On the other hand, these artists are seeing a windfall now, since the “field” has emptied out and gone over to the pillagers. Now, they do all kinds of fascist festivals, make a lot of money… Plus, there will be some kind of pop music in Russia at this official level.
Still, I have a number of friends, including old friends, who play good music while remaining in Russia. They are mostly experimenters, avant-gardists, people who perform electronic music, industrial.
Usually, this music is instrumental, without words. And if there are words, then they do not carry any special message. So, these guys are also doing pretty well now, again because the stage is empty.
This stage is, as they say, off the state’s radar, censorship and so on, so they feel fine. Still, this does not apply to musicians who are visible on that very radar — in the first place, DDT.
Almost all famous artists have left or will leave, and those who remain will be like DDT — blacklisted and banned. So, the question about a “new underground” is logical. For Russian rock, the “golden era” was the years of the underground, the end of the 70s and the first half of the 80s. The question is, will this “new underground” emerge? So far, I don’t see any clear signs of it. Because if earlier we all stewed in this Soviet “cauldron,” now people who could make up this “new musical underground” have simply gone abroad.
AT: Não vou tentar fazer um diagnóstico final, porque não estou na Rússia há dois anos e posso não captar algumas coisas importantes. Se falarmos de música oficial russa, esta chegou ao fim. Vadim Samoilov, Chicherina não são verdadeiramente artistas – são lixo, nojentos, sem talento, fora de moda. Por outro lado, estes artistas aproveitam agora uma oportunidade, já que quando “o gato sai, os ratos fazem a festa”. Agora, fazem todo o tipo de festivais fascistas, ganham muito dinheiro… Além disso, haverá música pop na Rússia no padrão oficial.
Tenho vários amigos, incluindo velhos amigos, que tocam boa música e ainda vivem na Rússia. São sobretudo experimentadores, vanguardistas, pessoas que tocam música eletrônica, industrial.
Normalmente, esta música é instrumental e não tem letras. E se houver letra, não transmite nenhuma mensagem especial. Portanto, esses músicos também estão muito bem agora, mais uma vez porque o palco está vazio.
Este palco está, como se costuma dizer, fora do radar do Estado, da censura, etc., por isso estão bem. No entanto, isto não se aplica aos músicos que estão visíveis nesse mesmo radar – em primeiro lugar, os DDT.
Praticamente todos os artistas famosos deixaram ou irão deixar a Rússia, e os que ficarem serão como o DDT – colocados na lista proibida e interditados. Por isso, a questão sobre um “novo underground” é lógica. Para o rock russo, a “era dourada” foram os anos do underground, o final dos anos 1970 e a primeira metade dos anos 1980. A questão é: será que esse “novo underground” vai surgir? Até agora, não vejo quaisquer sinais claros disso. Porque se antes estávamos todos no mesmo “barco” soviético, agora as pessoas que poderiam fazer parte deste “novo underground musical” simplesmente foram embora para o estrangeiro.
RP: Até que ponto a atual esfera do entretenimento musical difere da era soviética dos anos 1980?
AT: The situation is completely different. There is one big plus called the internet — YouTube and everything else. There are some echoes of that potential “underground” that occasionally reach me — YouTube recordings of some completely unheard-of groups with anti-war songs. Thank God, YouTube has not yet been shut down in Russia, though I am sure that that will be done in the foreseeable future.
Let’s take a band called The Tagil. One song is called “Even worse.” The second is “Eh, brother.” Very good anti-war songs, quality recording and so on. What’s this band? I have no idea. In the 80s, there were all these underground albums, mainly produced in Leningrad. Now, there are much more potent methods of distribution. That’s a plus.
The downside is that under the Soviet regime, the fight against underground rock was pretty careless, like everything else at that time. Everyone then worked carelessly. Now, it seems to me, the FSB, cops and the prosecutor’s office are working much more zealously. They are afraid to slip up, so they show all sorts of zeal with canceling concerts, raids, bans on concerts, persecution over songs, statements and so on.
AT: A situação é completamente diferente. Há uma grande vantagem que é a internet – o YouTube e todo o resto. Há alguns ecos desse potencial “underground” que ocasionalmente chegam até mim – gravações no YouTube de alguns grupos completamente desconhecidos com canções antiguerra. Graças a Deus, o YouTube ainda não foi proibido na Rússia, embora eu acredite que isso não irá demorar a acontecer.
Veja esta banda chamada The Tagil. Uma das canções chama-se “Even worse”. A segunda é “Eh, brother”. Canções antiguerra muito boas, gravação de qualidade e por aí vai. Que banda é esta? Não faço a mínima ideia. Nos anos 1980, havia todos esses álbuns underground, produzidos principalmente em Leningrado. Agora, há métodos de distribuição muito mais poderosos. São vantagens.
A desvantagem é que, durante o regime soviético, a luta contra o rock underground era bastante descuidada, como todo o restante naquela época. Todos trabalhavam de forma descuidada. Agora, parece-me que o FSB (Serviço Federal de Segurança da Federação Russa), a polícia e o Ministério Público trabalham de forma mais zelosa. Têm medo de cometer erros e, por isso, mostram todo o tipo de cuidado com o cancelamento de shows, buscas, proibições de shows, perseguições por causa de canções, depoimentos etc.