Esta é a segunda parte de uma entrevista em duas partes com Ethan Zuckerman. Acesse a primeira parte aqui.
Em 2014, Ethan Zuckerman desencadeou uma intensa discussão on-line com sua postagem no blog intitulada “Um pedido público de desculpas por estragar tudo ao não questionar suposições”. No post, ele refletiu sobre seu papel na invenção dos anúncios pop-up, amplamente odiados, usados para gerar receita. A postagem recebeu respostas mistas, variando de piadas de apresentadores de talk shows dos Estados Unidos a ameaças de morte. No entanto, provocou conversas significativas sobre o impacto negativo da publicidade na internet e a necessidade de modelos alternativos.
Ethan Zuckerman (EZ): So, sort of three things happened. The first that happened almost immediately was that people thought it was very funny. There were actually a couple of late night hosts in the US that actually made fun of it in their routines, I think it was Jimmy Kimmel, Conan O’Brien, so that was very strange to see people talking about me in comedy routines. The second thing was very predictable; because it’s the internet we’re talking about, which was I get a lot of death threats. The third came much more gradually. People start writing about the questions that I have raised “was advertising the original sin of the internet?” You now see people like Shoshana Zuboff who wrote this brilliant book on surveillance capitalism, essentially saying ‘yeah, and this all is part of an economy that is deeply unhealthy for us and we’ve got to find an alternative models.’ I think being able to talk about this and talk about the history how we got here was very helpful. So for me it was funny, scary, and unpleasant but ultimately I think it did help to steer the conversation to the healthy direction.
Ethan Zuckerman (EZ): Então, três coisas aconteceram. A primeira que aconteceu, quase imediatamente, foi que as pessoas acharam muito engraçado. Na verdade, alguns apresentadores de programa de televisão nos Estados Unidos tiraram sarro disso, acho que foi Jimmy Kimmel e Conan O'Brien. Foi muito estranho ver as pessoas falando sobre mim em programas de comédia. A segunda coisa era muito previsível; por ser da internet que estamos falando recebi muitas ameaças de morte. A terceira veio muito mais gradualmente. As pessoas começam a escrever sobre as questões que levantei como ‘a publicidade foi o pecado original da internet?’ Agora você vê pessoas como Shoshana Zuboff, que escreveu um livro brilhante sobre capitalismo de vigilância, essencialmente dizendo ‘sim, e tudo isso faz parte de uma economia que é profundamente prejudicial para nós, e temos que encontrar modelos alternativos’. Eu acho que poder falar sobre isso e sobre a história de como chegamos aqui foi muito útil. Então, para mim, foi engraçado, assustador e desagradável, mas, no final das contas, acho que ajudou a direcionar a conversa para um rumo saudável.
Crítico do estado atual dos esforços de privacidade na internet, Ethan Zuckerman enfatiza que iniciativas como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da UE, que regula como empresas privadas podem usar, processar e armazenar dados pessoais, não conseguiram mudar o modelo de negócios predominante. Ele enfatiza a necessidade de uma alternativa positiva, defendendo a criação de mídia pública para melhorar a mídia social.
Juke Carolina (JC): No momento, você acha que há mudanças suficientes na esfera pública em relação à privacidade, política de privacidade e direitos digitais?
EZ: The truth is we’ve seen some good attempts to try to increase internet privacy, particularly within the European context but so far they have not been nearly successful enough. I think GDPR was a really great intention, I think it was moving absolutely to the right direction but I don’t think it was nearly successful enough in moving people away from this existing business model where I have come out of this is that I end up feeling like it’s not enough to just say “you can’t do it,” you actually have to provide a positive model for how you can and should do it. And what I think what most European regulations has said is “we don’t like the American model and we want you to do it differently,” but we haven’t seen nearly enough innovation in terms of what a different model could be.
And this is really been what my work has been in the last three or four years, particularly in coming to UMass, I am increasingly convinced that we need public media, in the same way have public media helping ensure we have high quality news coverage. I think we need public media to help us have much better social media.
EZ: A verdade é que vimos algumas boas tentativas de tentar aumentar a privacidade na internet, principalmente no contexto europeu, mas até agora elas não foram bem-sucedidas o suficiente. Acho que o GDPR foi uma ótima intenção, acho que estava indo absolutamente na direção certa, mas não acho que foi bem-sucedido o suficiente para afastar as pessoas desse modelo de negócios existente do qual saí, é que termino sentindo que não é suficiente apenas dizer ‘você não pode fazer isso’, você realmente tem que fornecer um modelo positivo de como pode e deve fazer isso. E o que eu acho que a maioria dos regulamentos europeus disse é ‘não gostamos do modelo americano e queremos que você faça diferente’, mas não vimos inovação suficiente em termos do que um modelo diferente poderia ser.
E este tem sido realmente o meu trabalho nos últimos três ou quatro anos, particularmente no que diz respeito à UMass. Estou cada vez mais convencido de que precisamos de mídia pública, da mesma forma que a mídia pública ajuda a garantir que tenhamos uma cobertura noticiosa de alta qualidade. Acho que precisamos dos meios de comunicação social públicos para nos ajudar a ter redes sociais muito melhores.
Embora as intenções sejam importantes, Ethan Zuckerman acredita que abordagens bem intencionadas, mas equivocadas, como as enraizadas na criptomoeda, não são a solução para o futuro das redes sociais. Em vez disso, Ethan defende o aprendizado com grupos focados na descentralização e nos esforços voltados para a comunidade, principalmente aqueles baseados em comunidades do mundo real.
JC: Uma das palavras-chave que você mencionou anteriormente, a boa intenção. Há muitas boas intenções circulando pela internet. Por exemplo, Elon Musk procura defender a “liberdade de expressão” a todo custo no Twitter. Como o público deve abordar essas boas intenções?
EZ: Good intentions are a start, right? It’s good that we have a lot of people thinking what the future of the internet could look like. And I think Elon Musk is a good example of this, I think he genuinely thought that he could make Twitter a better place, and there were decisions that have been made that he disagreed with and that he if participated in the management of it, everything could be better. I think he was terribly, terribly wrong, but I think almost everyone who’s involved with thinking the future of social media, I think almost everyone is coming from a place of good intentions. I just think that a lot of people are wrong.
I see a lot of people who wants to use models from the cryptocurrency world, to “save social media” and I would hope we get to the point where we realized that the cryptocurrency creates at least as many problems as it solves but certainly those folks have good intentions, I just think they’re approaching this problem in the wrong way. I actually think there’s much more to learn from really two groups: The first, From people who are doing decentralization and the Fediverse; the second is from the group of people who has been forced to leave the existing platforms and had to create their own social media spaces. I think those are some of the most interesting and best people to learn from out there. I think what really comes down to is that good intentions aren’t enough. You have to look at the examples of people who are trying to create interesting, new ways of building social media. Preferably from those who are grounded in real, existing communities in the world.
EZ: Boas intenções são um começo, certo? É bom que tenhamos muita gente pensando como pode ser o futuro da internet. E acho que Elon Musk é um bom exemplo disso, acho que ele realmente pensou que poderia tornar o Twitter um lugar melhor, e houve decisões que foram tomadas das quais ele discordou e que, se participasse da gestão, tudo poderia ser melhor. Acho que ele estava terrivelmente, terrivelmente errado, mas acho que quase todo mundo que está envolvido em pensar no futuro das redes sociais, quase todo mundo vem de um lugar de boas intenções. Eu só acho que muitas pessoas estão erradas.
Vejo muitas pessoas que querem usar modelos do mundo das criptomoedas para ‘salvar as redes sociais’ e espero que cheguemos ao ponto em que percebemos que a criptomoeda cria pelo menos tantos problemas quanto resolve, mas certamente essas pessoas têm boas intenções, só acho que estão abordando esse problema da maneira errada. Na verdade, acho que há muito mais a aprender com dois grupos: o primeiro, de pessoas que estão fazendo a descentralização e o Fediverse; o segundo é do grupo de pessoas que foi forçada a deixar as plataformas existentes e teve que criar seus próprios espaços de rede social. Acho que essas são algumas das melhores, e mais interessantes, pessoas para aprender por aí. Eu acho que o que realmente acontece é que boas intenções não são suficientes. Você tem que olhar para os exemplos de pessoas que estão tentando criar novas formas interessantes de construir rede social. De preferência daqueles que estão fundamentados em comunidades reais existentes no mundo.
JC: Observamos hoje que os setores financeiros estão cada vez mais cautelosos com as redes sociais, dizendo que estão mortas. Qual é a sua opinião sobre isso?
EZ: Social media was seen for a while as a very promising way to make money. It’s a way to create content without paying for content creation. In a sense, that feels like a great bargain. What people have figured out is that it’s not a great bargain. As soon you invite people to create their own content, they can misbehave, and they can do stupid stuff. Basically, there is a cheaper way to make money out there.
If that’s the question, “Is an investment in social media dead?” the answer is yeah, maybe. But here’s the thing, we need a space to have conversations and a lot of the work I’ve been doing right now is around the relationships between the public spheres and democracy. You can not have a democracy if there’s no way for citizens to talk with one another about what they think about politics and society. If you don’t have a public sphere, there’s no way for people to decide and vote. You need to have that ability for people to learn about candidates and decide. It’s inherent.
So if you believe that the public is necessary for democracy and you believe that the public spheres these days are digital, I feel pretty strongly about that. You have to ask the question, “are you willing to have a public sphere that is as good as we paid for, or is it something that we need to make investments in?”
EZ: A rede social foi vista por um tempo como uma forma muito promissora de ganhar dinheiro. É uma maneira de criar conteúdo sem pagar pela criação de conteúdo. De certa forma, parece uma grande vantagem. O que as pessoas descobriram é que não é uma grande vantagem. Assim que você convida as pessoas para criarem seu próprio conteúdo, elas podem se comportar mal e podem fazer coisas estúpidas. Basicamente, existe uma maneira mais barata de ganhar dinheiro por aí.
Se essa é a pergunta: ‘O investimento em rede social está morto?’ a resposta é sim, talvez. Mas é o seguinte, precisamos de um espaço para conversar e muito do trabalho que tenho feito agora é sobre as relações entre as esferas públicas e a democracia. Não se pode ter uma democracia se não houver forma de os cidadãos falarem uns com os outros sobre o que pensam da política e da sociedade. Se você não tem uma esfera pública, não há como as pessoas decidirem e votarem. Você precisa ter essa abertura para que as pessoas aprendam sobre os candidatos e decidam. É inerente.
Portanto, se você acredita que o público é necessário para a democracia e acredita que as esferas públicas hoje em dia são digitais; já eu tenho muita certeza disso. Você deve fazer a pergunta: ‘você está disposto a ter uma esfera pública tão boa quanto pagamos ou é algo em que precisamos fazer investimentos?’
JC: Ainda existe um mundo onde o jornalismo cidadão importa? No sentido global.
EZ: I think citizen journalism has, in some ways, taken over mainstream journalism. One of the things that have been so interesting is watching Global Voices for almost 20 years now; a huge number of our bloggers have become journalists, writers, radio producers, and makers of stories, and I think what happened is there is now a new pathway into journalism.
I think traditionally, the pathway for journalism is to work for a newspaper, learn the trades that way, and make your way in. What’s happening now is that people learning to write by writing on social media and blogs and are very quickly invited to do columns to share their perspectives. And for the most part, this is very positive. It meant that we have many more people whose voices are represented in the media. I think it has diversified who’s writing; it’s given us a much broader audience. I think one downside of all of it is that … while we were all bloggers, we saw ourselves as something very different from mainstream media we had a real sense of solidarity, we’re in this together, it’s us against the journalists, and we are creating a revolution. We had our revolution very successfully; we are now part of mainstream media now. We are feeding story ideas, many of us become authors and columnists, and even if we’re not there yet, that pathway is now open. Where I think we need to keep thinking and keep working is we wanna make sure that this pathway remains open and particularly that it remains open for people who may not have another way of making their voices heard.
EZ: Acho que o jornalismo cidadão, de certa forma, assumiu o controle do jornalismo tradicional. Uma das coisas que tem sido muito interessante é acompanhar à Global Voices há quase 20 anos; um grande número dos nossos blogueiros se tornaram jornalistas, escritores, produtores de rádio e criadores de histórias, e acho que o que aconteceu é que agora existe um novo caminho para o jornalismo.
Eu acho que, tradicionalmente, o caminho para o jornalismo é trabalhar para um jornal, aprender os ofícios dessa maneira, e fazer o seu caminho. O que está acontecendo agora é que as pessoas estão aprendendo a escrever através das redes sociais e blogs e são rapidamente convidadas a fazer colunas para compartilhar suas perspectivas. E, na maior parte, isso é muito positivo. Isso significa que temos muito mais pessoas cujas vozes estão representadas nos meios de comunicação social. Acho que isso diversificou quem está escrevendo; nos deu um público muito mais amplo. Acho que um lado negativo de tudo isso é que… enquanto éramos todos blogueiros, nos víamos como algo muito diferente da grande mídia, tínhamos um senso real de solidariedade, estamos juntos nisso, somos nós contra os jornalistas, e estamos criando uma revolução. Tivemos a nossa revolução com muito sucesso; agora fazemos parte dos principais meios de comunicação social. Estamos alimentando ideias de histórias, muitos de nós nos tornamos autores e colunistas e, mesmo que ainda não tenhamos chegado lá, esse caminho já está aberto. Acho que precisamos continuar pensando e trabalhando, queremos garantir que esse caminho permaneça aberto e, principalmente, que permaneça aberto para pessoas que podem não ter outra maneira de fazer suas vozes serem ouvidas.