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Combatentes oriundos da Ásia Central que lutam na Ucrânia defendem e atacam

Categorias: Ásia Central e Cáucaso, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão, Ucrânia, Uzbequistão, Guerra & Conflito, Mídia Cidadã, Política, Trabalho, Russia invades Ukraine: One year later

Combatentes da Legião Turca Turã, chefiados pelo quirguiz, Kudaabek uulu Almaz, na Ucrânia. Captura de tela de um vídeo do canal Vikna-novini [1] do YouTube.

A guerra na Ucrânia está a contar com a participação de um pequeno número de autóctones e cidadãos de países da Ásia Central. Estes estão pressionados entre as estratégias agressivas de recrutamento da Rússia e as ameaças de seus próprios governos de prenderem os participantes em conflitos armados no exterior.

Nas últimas notícias sobre a participação de centro-asiáticos na guerra na Ucrânia, o ex-membro do parlamento e ex-prefeito de Oral no Cazaquistão, Samigullo Urazov, confirmou [2] os relatos de que o seu filho Baurzhan está a lutar nas fileiras do exército russo. Segundo informação dada por este, Baurzhan Urazov ter-se-ia mudado há vários anos para a Rússia e obtido cidadania russa.

Este é talvez o caso com maior destaque, dado o percurso político do seu pai, mas está longe de ser o único. Já está confirmada a participação na guerra de dezenas [3] de centro-asiáticos. A participação de cidadãos e nativos do Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão no conflito, tem ocorrido desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia. Eles estão lutando tanto nas fileiras do exército ucraniano como no russo.

No entanto, o número [4] de combatentes centro-asiáticos é maior no exército russo. Isto era de se esperar, dado que a Rússia é um país de destino habitual para milhões de migrantes da Ásia Central. Em 2022, 83% dos 3,35 milhões de pessoas que compunham o trabalho migrante [5] na Rússia eram do Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão. Todos os anos, centenas de milhares deles obtêm a cidadania russa para aceder a melhores empregos e evitar a burocracia e a discriminação.

Trapaça, suborno e intimidação no início da guerra

A primeira prova da participação de centro-asiáticos na guerra foi recolhida no primeiro dia da invasão em um vídeo do Telegram mostrando um homem uzbeque [6] em uniforme militar a conduzir um camião. No vídeo ele dizia:

There are many Uzbeks and Tajiks who came to take part in the war. We came here with a contract. I was recruited because I served [in the Soviet army] in Afghanistan.

Muitos uzbeques e tadjiques vieram participar na guerra. Viemos contratados. Fui recrutado porque servi [no exército soviético] no Afeganistão.

Mais tarde, confirmou-se que ele estava em Luhansk, com um contrato de três meses [7] com um salário mensal de US$ 590.

No início de março de 2022, ativistas [8] de direitos humanos que apoiam os trabalhadores migrantes começaram a relatar numerosos casos de nativos da Ásia Central portadores de passaportes russos a serem ameaçados, para se alistarem nos centros de recrutamento ou lhes seria retirada a cidadania. Para aqueles sem passaporte russo, a mobilização baseou-se na falsa promessa de poderem obter um mais depressa.

Os meses seguintes foram preenchidos com notícias [9] de centro-asiáticos que lutaram e morreram pelo exército russo [10] na Ucrânia. Em julho, a MediaHub divulgou um vídeo no YouTube [11] sobre o recrutamento de centro-asiáticos por meio de plataformas dos mídia na região. A investigação revelou que os recrutadores prometeram mais de US$ 3.000 e agilizar a obtenção da cidadania russa em troca do serviço militar.

O seguinte vídeo, que explica como os centro-asiáticos são recrutados para lutar na Ucrânia através das mídias sociais, foi divulgado por jornalistas investigadores do Quirguistão.

A primeira prova direta do recrutamento de centro-asiáticos por empresas militares privadas russas foi obtida no início de setembro com o vídeo de dois jovens cidadãos do Uzbequistão capturados perto de Balakliya, no leste da Ucrânia. Um deles declarou ter-se unido à empresa militar privada, Redut, para ganhar dinheiro. O segundo explicou que se encontrava em Moscovo como imigrante ilegal [12] e que foi enviado para lutar na Ucrânia.

Tentativas desesperadas de encontrar mão de obra renovada

Juntamente com a mobilização anunciada em 21 de setembro de 2021, que atingiu diretamente os centro-asiáticos com passaportes russos, as autoridades russas também tentaram recrutar cidadãos da Ásia Central a viver na Rússia.

No dia 20 de setembro, o prefeito de Moscovo, Sergei Sobyanin, anunciou a abertura de um posto de recrutamento no Centro de Migração Sakharovo, local onde se dirigem praticamente todos os trabalhadores migrantes [13] que chegam a Moscovo para receberem licenças de trabalho, gravar as impressões digitais e fazer o exame físico obrigatório. No mesmo dia, a Duma (câmara baixa do Parlamento da Federação Russa), aprovou um projeto de lei [14] oferecendo um acesso “simplificado” à cidadania russa em troca de um período mínimo de um ano [15] de serviço nas Forças Armadas russas. A exigência era, anteriormente, de cinco anos.

O fim destes acordos terminou com o decreto [16] presidencial de novembro que permitiu que cidadãos estrangeiros servissem nas Forças Armadas russas como recrutas. Anteriormente, apenas poderiam servir como contratados; o serviço militar recrutado [17] era exclusivo para cidadãos russos. O vice-presidente do Comitê de Defesa da Duma russa, Andrey Krasov, expressou a sua convicção [18] de que “um número substancial [de centro-asiáticos] iria querer vir para Rússia prestar serviço — com vista a potencialmente adquirir a cidadania russa e progredir na carreira”.

No entanto, parece que todos estes acordos com fim de recrutar mais centro-asiáticos não estão a surtir efeito, pois não se vê a sua participação em larga escala na guerra. Não existem fontes de informação que permitam verificar o número total de combatentes oriundos dos quatro países da Ásia Central. Só podemos aceder a uma estimativa através do número de mortes, que é ao redor de 35 após um ano de guerra.

As notícias mais recentes sobre centro-asiáticos a combater na Ucrânia giram principalmente em torno dos que eram prisioneiros na Rússia e se incorporaram no grupo Wagner com esperança de verem as suas sentenças reduzidas. O grupo [19] Wagner é uma organização paramilitar privada russa cujos combatentes estão destacados em várias áreas de conflito em países árabes e africanos. A Rússia é bem conhecida pelo seu recrutamento de prisioneiros para combater na guerra da Ucrânia. Existem pelo menos 10 casos confirmados de cidadãos do Tajiquistão [20] que morreram na Ucrânia enquanto cumpriam penas de prisão na Rússia. Casos semelhantes têm sido relatados no Cazaquistão [21], Quirguistão e Uzbequistão [22].

Reforço do exército ucraniano

Nem todos os que combatem na guerra estão do lado russo. Existem dois casos [23] confirmados de centro-asiáticos a combater [24] nas fileiras das forças armadas ucranianas. O mais conhecido é o de Zhasulan Dyuisembin, do Cazaquistão, que se uniu ao exército ucraniano no Outono de 2021. Está casado com uma ucraniana, e eles têm duas filhas.

Falando do seu envolvimento no combate na região de Donetsk, ele disse: “a Rússia está a aterrorizar a Ucrânia. Deus me livre que as minhas filhas sofram. Elas também têm sangue ucraniano, e é meu dever protegê-las. É por isso que eu estou aqui”. O outro motivo que leva Zhasulan a lutar contra o exército russo invasor é sua terra natal [25]. Ele compartilhou a sua história numa entrevista [25] com a filial cazaque da Radio Free Europe/Radio Liberty no passado junho.

I am Kazakh, and I understand that Russia will not stop at Ukraine, it will go further, thus we must make every effort so that our Kazakhstan does not suffer.

Eu sou cazaque, e penso que a Rússia não vai parar pela Ucrânia, avançará mais, por isso, devemos fazer todos os esforços para que o nosso Cazaquistão não sofra.

Zhasulan é um usuário ativo das mídias sociais. Ele transmite com frequência imagens da guerra em suas contas do TikTok [26] e Instagram.

https://www.tiktok.com/@jazzqazaq/video/7209377730360610053 [26]

O segundo caso é o de Kudaabek uulu Almaz, que inicialmente imigrou do Quirguistão para a Ucrânia para trabalhar e decidiu ficar lá quando a guerra eclodiu. Almaz, declarou o seguinte em um vídeo [27], em resposta ao processo criminal, que em maio de 2022 os serviços de segurança do Quirguistão levantaram contra ele:

Fascist Russia invaded Ukraine, killing civilians, and having witnessed this lawlessness, and since the truth is on the Ukrainian side, I could not leave because I am a man.

A Rússia fascista invadiu a Ucrânia, matando civis, e tendo testemunhado essa ilegalidade, e dado que a verdade está do lado da Ucrânia, como homem que sou não podia simplesmente retirar-me.

Ele apareceu mais tarde em outro vídeo do YouTube, onde é apresentado como o líder da Legião Turca Turan. Seu objetivo [28] é “lutar contra o regime shaytan de Kadyrov e o regime imperial de Putin”.

É improvável que haja uma participação em massa de centro-asiáticos na guerra, devido a que a Russia é a maior parceira em termos de política e segurança na região, colocando assim os governos da Ásia Central em situação de não se oporem ao Kremlin em relação ao recrutamento de seus cidadãos nem condenarem a invasão. As autoridades da Ásia Central emitiram sérias advertências [29] aos seus cidadãos para não combaterem na Ucrânia, ameaçando com longas penas de prisão aqueles que participem como mercenários em conflitos armados no exterior.