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O homem que sussurrava para elefantes no Nepal

Categorias: Sul da Ásia, Nepal, Fotografia, Governança, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, The Bridge, Green Voices
Image by ICIMOD via Nepali Times. Used with permission. [1]

Imagem de ICIMOD via Nepali Times, usada sob permissão.

Este artigo de Biraj Adhikari [2], um pesquisador de serviços ambientais no ICIMOD, foi publicado pela primeira vez no Nepali Times [1]. Uma versão resumida e editada é republicada na Global Voices sob um acordo de parceria de conteúdo.

Quando cheguei em fevereiro, Bahundangi, no distrito nepalês de Jhapa, [3] parecia uma cidadezinha pacata, porém a tranquilidade era frequentemente interrompida, não pelo tráfego ou por construções barulhentas, mas sim, por elefantes selvagens. A aldeia localiza-se na rota migratória de gerações de elefantes selvagens, que há séculos se deslocam do estado de Assão [4], no nordeste da Índia, através das planícies do Butão e do estado de Bengala Ocidental, [5] no leste da Índia, até o Nepal em busca de água e alimento.

Shankar Chettri Luitel. Image by ICIMOD via Nepali Times. Used with permission. [6]

Shankar Chettri Luitel. Imagem de ICIMOD via Nepali Times, usada sob permissão.

No entanto, a recente expansão de acampamentos e a transformação de florestas em terras agrícolas e plantações de chá fragmentaram essas rotas, resultando em conflitos entre os elefantes e a população. A cada ano, esses conflitos causam destruição [7] de plantações e moradias, ferimentos e morte [8]de pessoas, além da matança de elefantes [9] por vingança. Bahundangi foi particularmente afetada [10] por esses confrontos, mas as coisas mudaram ao longo dos anos, graças a alguns ambientalistas, como Shankar Chettri Luitel.

Ele é um homem esguio, na casa dos cinquenta anos, com um jeito carrancudo, mas prestativo. Tem trabalhado voluntariamente por mais de 20 anos em pesquisas e controle de confrontos entre homens e elefantes. Luitel tinha uma infinidade de informações sobre a região e a história do contato do homem com a vida selvagem, mas eu não conseguia definir o porquê dele ser tão apaixonado pela preservação dos elefantes.

“A primeira vez que me senti emocionalmente envolvido com os elefantes foi quando uma elefanta deu à luz na minha fazenda em 2001. Foi assim que a minha jornada rumo à preservação começou”, explicou ele.

Image via Nepali Times. Used with permission. [1]

Imagem de ICIMOD via Nepali Times, usada sob permissão.

O bem-estar do ser humano depende [11] da biodiversidade. Contudo, atividades que se propõem a melhorar nossas vidas estão afetando negativamente a natureza e os ecossistemas, ameaçando assim, o futuro da biodiversidade e a nossa própria existência. Por isso, é fundamental que encontremos maneiras de fazer com que os seres humanos possam conviver com os animais selvagens.

Image via Nepali Times. Used with permission. [1]

Imagem de ICIMOD via Nepali Times, usada sob permissão.

Neste ano, o Dia Internacional da Diversidade Biológica (20 de maio) exalta o conceito de coexistência com o tema “Construindo um futuro comum por toda a vida [12].” Pode parecer romântico e improvável, mas percebi que é possível, graças a este herói anônimo: Shankar Chettri Luitel.

Foi a minha pesquisa de doutorado sobre a interação do homem com a vida selvagem que me levou a Bahundangi, uma pequena cidade localizada nas planícies do extremo leste do Nepal, na fronteira com a Índia, que faz parte da paisagem fronteiriça de Kangchenjunga,  abrangendo partes do Butão, Índia e Nepal.

Apesar de ter tido pouco ou nenhum treinamento oficial sobre vida selvagem, Luitel se envolveu voluntariamente em inúmeros estudos, atividades e projetos para administrar os conflitos na área e aprendeu muito sobre biodiversidade e preservação. Com o tempo, ele se tornou uma referência para os pesquisadores que desejavam aprender sobre a migração dos elefantes, seus hábitos, comportamentos e o impacto socioeconômico causado pelo contato entre os seres humanos e os elefantes selvagens. Forneceu ideias importantes sobre planejamento e gestão, o que também o ajudou a aprender métodos científicos, tais como o uso de rastreio por GPS para monitoramento de padrões migratórios. Ele havia se tornado um verdadeiro cidadão cientista.

Atualmente, Luitel tem notoriedade como especialista em elefantes, informando a comunidade sobre a localização e a circulação dos elefantes selvagens. Ao contrário do que eu esperava, as pessoas aqui pareciam tolerantes com eles.

“Nem sempre foi assim”, lembrou Luitel. “As pessoas costumavam odiar os elefantes e a nós também, por tentarmos protegê-los.”

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Imagem de ICIMOD via Nepali Times, usada sob permissão.

Ele enfrentava forte resistência e até ameaças físicas, por defender medidas pacíficas para controlar os elefantes selvagens. Eles eram inimigos mortais dos habitantes de Bahundangi, pois devastavam lavouras, destruíam [13] meios de subsistência, feriam e matavam pessoas.

Mas, com o passar do tempo, os esforços incansáveis de Luitel começaram a mudar a visão das pessoas. Ele rastreou os movimentos dos elefantes, organizou rondas e registrou os danos patrimoniais na aldeia. Sobretudo, ajudou as famílias afetadas a percorrerem os processos complicados de pedidos de indenizações, desde a redação de solicitações em nome delas até a coleta de provas documentais, e também indo pessoalmente até o gabinete da prefeitura para registrar as reivindicações.

Segue um vídeo de Shankar Chettri Luitel no YouTube:

Por causa dele e de alguns de seus colegas, a aldeia chamou a atenção de governos, políticos e pesquisadores. “Bahundangi produziu muitos doutorados”, declarou Luitel, que ajudou muitos pesquisadores a desenvolverem estratégias para reduzir riscos e diversificar a renda de lavradores, por meio da agricultura comercial com o cultivo de folhas de louro e chá, que os elefantes não atacam. “Ultimamente, os moradores já não são tão hostis em relação a nós e aos elefantes.”

Há uma cerca elétrica de 18 km de extensão [14] ao longo do rio Mechi, entre as áreas florestais na Índia, de onde vêm os elefantes, e os campos agrícolas em Bahundangi. Luitel participou da construção dessa cerca, criada para manter os elefantes afastados.

Porém, reconhece que essa é apenas uma medida temporária. Com o tempo, diz ele, o único caminho é a coexistência. Para isso, ele acredita que o governo precisa reconhecer as dificuldades da população de Bahundangi, oferecer subsídios para saúde e educação, e criar empregos.

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Imagem de ICIMOD via Nepali Times, usada sob permissão.

Assim, os moradores não veriam os elefantes selvagens como ameaça a sua sobrevivência, mas sim, como meio de obter os serviços do governo. E ainda, perdoariam mais facilmente os elefantes, mesmo quando causassem problemas. Além disso, os elefantes poderiam fazer parte do ecoturismo na região, o que sem dúvida, transformaria sua presença e circulação em oportunidades de geração de renda.

Hoje, Luitel é a única pessoa no município de Mechi [15] que consegue identificar os 12 elefantes que vivem no lado nepalês da fronteira. Com base nesse conhecimento, ele está elaborando folhetos informativos que detalham características físicas, hábitos e tamanho de cada elefante, com imagens, para serem distribuídos à população local.

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Imagem de ICIMOD via Nepali Times, usada sob permissão.

Com a ajuda desses folhetos, os aldeões podem identificar certos elefantes agressivos, fugir deles e alertar os outros a tempo. As informações também são úteis para que futuros pesquisadores e estudantes aprendam mais sobre os elefantes. O filho de Luitel está estudando para se tornar bacharel em silvicultura e com seu conhecimento pretende ajudar a convivência entre os seres humanos e os elefantes.

É fácil entender a paixão de Shankar Chhetri Luitel para aprender a conviver com elefantes selvagens. Ele acredita que todas as vidas da Terra são iguais. Luitel simboliza o tema do Dia Internacional da Biodiversidade deste ano e é a prova viva de como é possível trazer mudanças positivas para a vida dos animais selvagens e dos seres humanos.

Fica aqui uma lição para todos nós sobre como cada um pode ajudar a resolver a gigantesca (!) crise de biodiversidade e da perda de habitat. Nós podemos e devemos coexistir.