- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

O Observatório de Mídia Cívica: Dando sentido ao discurso, aos memes e aos tuítes

Categorias: Mídia Cidadã, Civic Media Observatory, Country Monitor Observatory 2021-2022, Unfreedom Monitor

Ilustração de Giovana Fleck/Global Voices com Midjourney Bot

Quando um amigo envia um meme pelo WhatsApp, e nós achamos graça, temos a tendência de ignorar o fato de que precisamos de uma vasta gama de conhecimento político, cultural e histórico para compreender sua mensagem implícita.

No Observatório de Mídia Cívica deciframos o significado dos itens de mídia de diferentes contextos a fim de dar sentido ao mundo em que vivemos – e às histórias que contamos.

Memes podem parecer triviais, mas eles podem também servir como veículo de ódio, propaganda ou informação falsa. Redações, cidadãos e governos muitas vezes ficam confusos com o que fazer com informações falsas e enganosas. A informação errada, por exemplo, é abundante, mas às vezes inofensiva e pode simplesmente refletir uma falta de conhecimento ou contexto. A desinformação, por outro lado, é intencionalmente uma informação falsa, criada para enganar.

Uma indústria de verificação de fatos se desenvolveu em resposta a esses problemas, e as empresas de redes sociais têm aperfeiçoado infinitamente as regras de moderação de conteúdo e aberto canais para as pessoas reportarem conteúdos que elas definem como enganosos ou prejudiciais. No entanto, diferentemente da verificação de fatos, o nosso objetivo não é somente dizer o que é verdadeiro ou falso, mas também explicar o contexto mais amplo no qual as histórias são tecidas.

O Observatório de Mídia Cívica explora os aspectos-chave de como a informação se move entre as pessoas, explorando os efeitos das emoções, culturas e das narrativas.

O Observatório de Mídia Cívica

As histórias que contamos

Os pesquisadores do Observatório varrem redes de informação para encontrar narrativas relevantes e importantes, que são pressupostos e crenças implícitas que ajudam a moldar a forma como as pessoas falam sobre as coisas. Nós identificamos narrativas através da análise de itens de mídia. Um item de mídia pode ser um tuíte engraçado, um meme nocivo no Instagram, um grafite antiguerra em um muro, um vídeo do YouTube ou uma reportagem via agência de notícias. 

Dependendo do projeto, os pesquisadores podem mergulhar em temas transnacionais, como o autoritarismo digital [1]. No início deste ano, por exemplo, as investigações revelaram que jornalistas em El Salvador foram alvos do spyware Pegasus em seus telefones. O que é um fato menos conhecido é que o governo de El Salvador tem culpado o empresário e filantropo George Soros pela vigilância. Usuários anônimos do Twitter também têm levantado [2] suspeitas sobre Soros. Nossos pesquisadores encontraram um padrão de tentativas similares de culpar Soros pelas instalações do mesmo spyware em outros países, inclusive na Hungria.  

Para Giovana Fleck, que lidera o Observatório de Mídia Cívica, as narrativas são a chave para compreender nossos ecossistemas de mídia. “Como as narrativas são formadas? Quem as impulsiona, quem está por trás delas, quem está se beneficiando delas, como elas se espalham, impactam as pessoas e como podem ser prejudiciais?”, questiona ela. “Todas essas perguntas guiam o OMC”.       

No caso da Rússia, nossos pesquisadores acompanharam de perto a escalada das narrativas meses antes da invasão da Ucrânia por Putin. Alguns exemplos dessas narrativas são: “A crise Rússia-Ucrânia é uma ficção criada pelo Ocidente [3]” ou “A Rússia sempre ganha” [4].  Estas narrativas evoluíram após 24 de fevereiro, e os ecossistemas da mídia russa estão agora repletos de histórias alteradas, como por exemplo: “O exército russo está salvando a Ucrânia e os ucranianos do nazismo [5]” ou “Os crimes de guerra dos quais a Rússia é acusada são na verdade encenados pela Ucrânia e pelo Ocidente [6]”. 

A chave para nossa pesquisa é entender por que as pessoas estão criando e compartilhando um determinado tuíte, meme ou história e qual o impacto que isso pode ter na sociedade, principalmente quando chega a milhares de pessoas.

Ao contrário das ferramentas automáticas que analisam milhares de tuítes, o Observatório foca na análise qualitativa de nossos ecossistemas de informação. Nós confiamos no conhecimento local para explorar as nuances do discurso, do simbolismo e do contexto.

Contextualizando informação

Para entender o que as pessoas querem dizer quando criam ou compartilham informações, o contexto e o subtexto são essenciais. É por isso que os pesquisadores do observatório explicam o contexto político, histórico e sociológico geral em torno de qualquer mídia que eles estejam estudando. Eles tornam o implícito explícito, desembrulhando o significado implícito e o preconceito em textos e imagens.

Por exemplo, um dos pesquisadores do Observatório na Índia pesquisou páginas nacionalistas hindus no Instagram e encontrou [7] uma montagem prejudicial alegando que o Movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), nos Estados Unidos, é uma farsa. À primeira vista, podemos nos perguntar por que este vídeo na verdade também propaga narrativas islamofóbicas como “O Islã prega a violência, os Muçulmanos são brutos, sem cultura [8]” e “Os hindus estão sob ameaça [9]”, já que o post nunca menciona o povo muçulmano. Mas no contexto da Índia, o vídeo adquire outra camada de significado: ele equipara narrativas racistas que visam os negros nos Estados Unidos com narrativas islamofóbicas que visam os muçulmanos na Índia. Os comentários no post confirmam que esta intenção subtextual não se perdeu entre os leitores. 

Uma aproximação sistemática do jornalismo

A abordagem das narrativas requer uma certa metodologia, diz Giovana Fleck, e requer uma leitura cuidadosa e crítica. Fleck acredita que esta abordagem de pesquisa tem muito a oferecer ao jornalismo. É reportagem, é investigação, e é responder a perguntas que nós temos sobre o mundo, mas de uma forma sistemática, diz ela.

O trabalho de descobrir itens de mídia, detectando suas mensagens subjacentes e ligando-os às narrativas ajuda os pesquisadores a avaliar o impacto cívico de um determinado item de mídia.

“O aspecto mais importante do OCM é perguntar quais são os possíveis impactos de um item”, explica Fleck. Alguns itens já influenciaram o discurso social, enquanto outros podem levar ao endurecimento de uma narrativa, ou se espalhar em ações offline. Os pesquisadores são convidados a considerar efeitos hipotéticos, com base no conhecimento empírico e local. 

Por exemplo, a maior estrela pop da Turquia, Tarkan, tem, sem dúvida, uma forte influência sobre a opinião pública. Nossos pesquisadores escrevem [10] que “ele era geralmente visto como uma figura não política, mas ultimamente está se tornando um símbolo da oposição”, e tem se manifestado contra o desenvolvimento de infraestrutura em locais históricos e culturais da Turquia. Como uma das vozes mais influentes em seu país, seus esforços para proteger o patrimônio cultural podem ter um impacto cívico positivo. Da mesma forma, um tuíte que inclua o racismo subtextual [11] pode incitar a violência e ter um impacto cívico negativo.

PONTUAÇÃO -3 conteúdo de ódio, ou que incentive o ódio, ilegal, desinformativo ou nocivo, com uma grande audiência, atividade coordenada e passível de causar danos; -2 conteúdo de ódio, ou que incentive o ódio, ilegal, desinformativo ou nocivo, sem um público de massa, atividade coordenada; ou material falso ou desinformativo com um público de massa; -1 conteúdo desinformativo, inexato ou tendencioso; conteúdo sem nenhuma informação/conhecimento substancial; +1 conteúdo preciso, de importância geral, com pouca influência ou importância; +2 conteúdo exato, original e com valor e importância; +3 conteúdo exato e original que expande a compreensão e merece um público mais amplo.

Não estamos prevendo o futuro, diz Fleck, sobre o objetivo do OMC, mas queremos entender como uma desinformação pode impactar as pessoas.

Por exemplo, em 2020, nossos pesquisadores de Mianmar alertaram sobre a possibilidade de uma maior polarização no país devido às intensas narrativas pró-militares e antidemocráticas que circulam on-line [PDF] [12]. Enquanto nossas pesquisas estavam chegando ao fim no início de 2021, Mianmar viveu um golpe de Estado e uma repressão violenta em nome da Junta.

Informação de livre acesso

Leitores e jornalistas podem acessar nossos conjuntos de dados públicos na Airtable, uma plataforma de banco de dados. Os conjuntos de dados são atualizados regularmente com novos itens de mídia e narrativas. Aqui estão os links para as nossas pesquisas de 2022 baseadas por países [13] e para nossas pesquisas do Unfreedom Monitor [14] sobre autoritarismo digital. Esta newsletter e nossas histórias também têm como objetivo tornar nossas descobertas digeríveis, compreensíveis para o público geral.

Aberto para colaborações e palestras

O Observatório de Mídia Cívica iniciou várias colaborações com redações. Por exemplo, o Miami Herald criou o seu próprio observatório para analisar as narrativas referentes às próximas eleições na Flórida.

Nossos pesquisadores falam frequentemente em conferências e universidades internacionais, como o Colóquio M100 Sanssouci [15] em Potsdam, o Fórum sobre Liberdade na Internet na África [16], o CIPESA anual em Lusaka, Fórum de Lisboa [17] do Conselho da Europa, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa [18]no Uruguai, o Mozfest e o RightsCon.

A pesquisa do Observatório tem sido apoiada pela DW Akademie, BBC Media Action, Fundação MacArthur, NED e Meta, dentre outras. 

Saiba mais sobre o Observatório de Mídia Cívica