- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

“Good Night Imperial Pride”: Como ativistas em Berlim arrecadam fundos para o exército ucraniano

Categorias: Alemanha, Rússia, Ucrânia, Ativismo Digital, Esforços Humanitários, Guerra & Conflito, Ideias, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Política, Protesto, Russia invades Ukraine: One year later

Foto de uma das campanhas da iniciativa, retirada da página do GNIP no Facebook [1] com permissão.

Um ano após o início da invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, grupos da sociedade civil dos dois países vêm promovendo diversas formas de auxiliar o país atacado. Esta é a primeira de duas entrevistas que a Global Voices realizou com duas diferentes iniciativas populares. Uma delas, sediada na Alemanha, apoia soldados do exército ucraniano e instrui a esquerda europeia sobre o imperialismo russo. A outra, sediada em São Petesburgo, ajuda refugiados ucranianos na Rússia a chegar à Europa.

Devido aos riscos enfrentados pelos ativistas, as entrevistas serão publicadas garantindo o seu anonimato. Nesta primeira parte, falamos com membros da iniciativa Good Night Imperial Pride (Boa Noite, Orgulho Imperial).

Global Voices (GV): Como surgiu a ideia de criar uma iniciativa com um nome tão inusitado? Por que vocês o escolheram?

Good Night Imperial Pride (GNIP): Our initiative started with a campaign to buy night vision devices for the Ukrainian army. The name was born from ideas to reflect the purpose of the campaign and the essence of this war.  Thus, two associations: night and imperialism united in “Good Night Imperial Pride,”  referring [2] to the classic anti-fascist slogan “Good Night White Pride,” which is against white supremacists. 
From German comrades, we heard that the name is unusual. It turned out that in the European left environment, the word “imperial” is perceived as unambiguously referring to the USA. Indeed, criticism of American imperialism is a big topic for the European Left. The idea that the concept of imperialism can be applied to Russia seems strange here. So we realized that we still have a lot of work to do.

Good Night Imperial Pride (GNIP): Nossa iniciativa começou com uma campanha para comprar equipamentos de visão noturna para o exército ucraniano. O nome nasceu de ideias que expressassem o propósito da campanha e a essência desta guerra. Assim, fizemos duas associações: noite e imperialismo, unidos em “Good Night Imperial Pride”, fazendo referência [2] ao clássico slogan antifascista “Good Night White Pride” (Boa Noite, Orgulho Branco), contra os supremacistas brancos.

Camaradas alemães nos disseram que o nome era estranho. Acontece que, para a esquerda europeia, a palavra “imperial” é associada inequivocamente aos EUA, até porque, de fato, a crítica ao imperialismo americano é um tópico importante para ela. A noção de que o conceito de imperialismo também pode ser aplicado à Rússia parece estranho por aqui. Foi aí que percebemos quanto trabalho ainda temos a fazer.

GV: Quais são suas principais iniciativas?

GNIP: We provide equipment for anti-authoritarian activists on the front in Ukraine  [Ukrainian, Russian, Belarusian unit of anarchists serving in the Ukrainian army in various regiments now]. We collect money, we buy and ship equipment with the help of friendly initiatives to Ukraine. In the first months of a full-scale war, we still worked separately. One of us bought equipment: body armor, helmets, pouches, silencers. Others bought tourniquets to stop bleeding, contact lenses and other things of personal necessity.

In April, the need for financial independence arose, and we organized ourselves into a group. Since then, we independently organize fundraising campaigns and continue to buy equipment. We campaigned to buy night vision devices, cars, drones, winter clothes.

For fundraising, we use social media, organize events, and sell merch. We have two formats of events: public lectures [and] parties. We are in Berlin and here, rave[s] [are] the most effective way to raise money, but also very labor intensive. 

One of our additional important task is information and educational activities. We write posts and hold lectures: we tell how Russian imperialism works, we debunk the myths about Ukrainian nationalism [the alleged by Russian propaganda persecution of Russian-speakers/nazism] . In autumn, we invited a friend, an anarcho-feminist from Kherson, to give a lecture on the Makhnovshchina [3] and the history of the anarchist movement in Ukraine.

GNIP: Nós fornecemos equipamentos para ativistas antiautoritários que lutam pela Ucrânia no front de batalha (unidades de anarquistas ucranianos, russos e bielorrussos que agora servem em diversos regimentos do exército). Coletamos dinheiro, compramos e enviamos equipamentos para o país com o auxílio de iniciativas parceiras. Nos primeiros meses da guerra, ainda trabalhávamos separadamente. Um de nós comprou equipamentos, como coletes balísticos, capacetes, bolsas e silenciadores. Outros compraram torniquetes para impedir sangramentos, lentes de contato e outros itens de uso pessoal.

Em abril, surgiu a necessidade de independência financeira, e formamos um grupo. Desde então, organizamos, de forma independente, campanhas de financiamento e continuamos a adquirir equipamentos. Já fizemos campanhas para conseguir dispositivos de visão noturna, carros, drones e roupas de inverno.

Para arrecadar fundos, nós usamos as redes sociais, promovemos eventos e vendemos produtos. Temos dois formatos de eventos: palestras públicas e festas. Nós estamos em Berlim e, aqui, as raves são a forma mais eficaz de coletar dinheiro, mas também dão muito trabalho.

Uma importante tarefa adicional nossa são as atividades informativas e educacionais. Nós escrevemos posts e realizamos palestras: contamos como o imperialismo russo funciona, desmascaramos os mitos do nacionalismo ucraniano (a suposta perseguição, segundo a propaganda russa, a falantes do russo/o nazismo). No outono, convidamos uma amiga, uma anarcofeminista de Kherson, para palestrar a respeito da Makhnovtchina [4] e da história do movimento anarquista na Ucrânia.

GV: Quem são seus apoiadores?

GNIP: It's hard to say how many people support us now. Many we do not know personally; we get donations, and we do not know who does it. They are mostly European and American leftists who want to support anarchists and leftists at the frontline in Ukraine.  

A certain backbone of support at the start played a key role — these are friends in the anarchist communities that helped spread the word about GNIP and garner support from a wider audience. Switzerland, Finland, Germany — thank you, all.

Sometimes support comes unexpectedly. Recently, we have been able to raise money at a birthday party. A guy we met at our lecture on Russian imperialism invited us to tell his friends about GNIP and asked them to donate money to us instead of giving him birthday gifts.

GNIP: É difícil dizer quantas pessoas nos apoiam agora. Não conhecemos a maioria pessoalmente; nós recebemos doações, mas não sabemos quem as faz. A maioria são europeus e americanos de esquerda que querem apoiar anarquistas e esquerdistas que estão na linha de frente na Ucrânia.

Um pilar de apoio decisivo no início foram amigos, nas comunidades anarquistas, que nos ajudaram a divulgar o GNIP e a conseguir o apoio de um público mais amplo. Suíça, Finlândia, Alemanha — agradecemos a todos.

Às vezes o apoio vem de forma inesperada. Há pouco tempo, arrecadamos dinheiro em uma festa de aniversário. Um cara que conhecemos em nossa palestra sobre imperialismo russo nos convidou para falar aos seus amigos sobre o GNIP e pedir a eles que doassem dinheiro para nós, em vez de dar-lhe presentes de aniversário.

GV: Quem são as pessoas que vocês ajudam?

GNIP: In the first months of a full-scale war, we helped an anti-authoritarian platoon — it was a unit in the Kyiv region for 50+ people […] of different left anti-authoritarian views. At this link [5] you can find an interview with it.

When Ukraine [resisted] the attack on Kyiv, the platoon disbanded, and the people dispersed along different departments [6]. Now, we support people from the anti-authoritarian platoon and other leftists.

In the summer, we raised money for a drone for the aerial reconnaissance unit, where two anarchists from Kharkiv serve. One of them is a feminist; before the war, she made a socio-cultural center in Kharkiv.

In autumn, EUR 7,800 were collected for a car for a group of Belarusian anti-authoritarians [7], political emigrants who now fight on Ukrainian soil.

In December, we campaigned for the purchase of an evacuation rover for a paramedic. Before the war, he was a union activist.

GNIP: Nos primeiros meses da guerra, nós ajudamos um pelotão antiautoritário [8] — era uma unidade, na região de Kiev, com mais de 50 pessoas de esquerda (…) de diferentes visões antiautoritárias. Neste link [5], você encontra uma entrevista com eles.

Quando a Ucrânia rechaçou o ataque a Kiev, o pelotão se desmembrou e seus membros foram para departamentos distintos [6]. Agora, nós apoiamos pessoas do pelotão antiautoritário e outras pessoas da esquerda.

No verão, nós juntamos dinheiro para um drone que seria usado pela unidade de reconhecimento aéreo, na qual servem dois anarquistas de Kharkiv. Uma delas é uma feminista e, antes da guerra, ela havia montado um centro sociocultural na cidade.

No outono, coletamos 7.800 euros para que um carro fosse comprado para soldados bielorrussos antiautoritários [9], emigrantes políticos que agora lutam em solo ucraniano.

Em dezembro, fizemos uma campanha com o propósito de adquirir um veículo de evacuação para um paramédico. Antes da guerra, ele era ativista sindical.

GV: O que vocês gostariam de alcançar?

GNIP: The immediate task is to expand the support base and increase donations by 1.5–2 times. Our political goals are the victory of Ukraine, the complete de-occupation of its [eastern] regions and the restoration of infrastructure. And of course,  fighting against Russia's imperial policies — otherwise there will be no rest for the neighboring countries.

As for our information activities, we want the support of Ukraine to become an unconditional consensus among the European Left.

GNIP: A tarefa mais urgente é expandir nossa base de apoio e aumentar as doações em 1,5 a 2 vezes. Nossos objetivos políticos são a vitória da Ucrânia, a completa desocupação de suas regiões orientais e a restauração da infraestrutura; sem falar, é claro, do enfrentamento às políticas imperiais da Rússia — sem isso, os países vizinhos nunca ficarão em paz.

Quanto às nossas atividades informativas, nós queremos que o apoio à Ucrânia se torne um consenso incondicional entre a esquerda europeia.

GV: O que vocês dizem a pessoas que pensam que ajudar o exército (da Ucrânia ou de qualquer país) é imoral?

GNIP: Usually we hear this from people with pacifist ideas from Western countries where there is no war. We explain that pacifism is a perspective of the privileged. Oppressed peoples have to defend themselves in order to survive. This is self-defense.

But in the leftist scene this is not a general problem; after all, there is an understanding that violence can be justified when it is a liberation struggle against oppression.

In addition, we came across a position about the immorality of supporting any army, oddly enough, among Russians we know. And it is precisely [coming] from them that it is difficult to perceive [as any other way] than as cynicism and hypocrisy. Russia is waging an aggressive colonial war against Ukraine and carrying out genocide. How to stop it, if not with a weapon in hand?

GNIP: É comum ouvirmos isso de pacifistas oriundos de países ocidentais onde não há guerra. Nós explicamos que o pacifismo é uma perspectiva de privilegiados. Os povos oprimidos têm que se defender para sobreviverem. É uma questão de autodefesa.

Mas no meio da esquerda esse não é um problema geral, afinal de contas, entende-se que a violência pode ser justificada, quando representa um esforço de libertar-se da opressão.

Além disso, nós nos deparamos com a visão de que é imoral apoiar qualquer exército, estranhamente, entre russos que conhecemos. E é justamente vindo deles que é mais difícil de percebê-la de outra forma senão como cinismo e hipocrisia. A Rússia está empreendendo uma guerra colonial agressiva contra a Ucrânia e levando a cabo um genocídio. Como pará-la, se não for com armas em mão?

GV: Há resultados dos quais vocês se orgulham? Houve algum fracasso?

GNIP: There [don't] seem to be any failures so far.  Each fundraising goal achieved is a reason to be proud.

GNIP: Até agora, não nos parece que fracassamos em nada. Cada meta de financiamento atingida é um motivo de orgulho.

GV: Como vocês fazem para conciliar o ativismo com outras responsabilidades?

GNIP: We have a small team, [which] helps [to make] decisions quickly. We try to prioritize and distribute areas of responsibility. Some may devote more time to GNIP, others less.

For one of us, prioritizing activism after Russia's full-scale invasion of Ukraine meant postponing school for a semester and taking a long vacation from work. 

For another [member], balancing activism with work and other commitments is a challenge, but activism is a pressing need. How else to deal with the continuous horror, grief and hatred? Only to act, to contribute to the end of the war and the victory of Ukraine. 

Fortunately, we have met many wonderful people and teams who support us, run campaigns together with us, help us with contacts and ideas. We are part of a small but vibrant solidarity network that keeps us going.

GNIP: Nós temos um time pequeno, o que ajuda na tomada rápida de decisões. Nós tentamos priorizar e distribuir áreas de responsabilidade. Alguns podem dedicar mais tempo ao GNIP, outros menos.

Para um de nós, dar prioridade ao ativismo, após a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, significou adiar a faculdade por um semestre e tirar longas férias do trabalho.

Para outro membro, conciliar o ativismo com o trabalho e com outros compromissos é um desafio, mas é uma necessidade que não pode ser ignorada. Como lidar com o horror, o desgosto e o ódio contínuos? Apenas agindo, contribuindo para o fim da guerra e a vitória da Ucrânia.

Por sorte, nós conhecemos muitas pessoas e grupos maravilhosos que nos apoiam, promovem campanhas conosco e nos auxiliam com contatos e ideias. Nós fazemos parte de uma pequena mas vibrante rede de solidariedade que nos faz seguir em frente.