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As escolas esquecidas do Azerbaijão

Categorias: Ásia Central e Cáucaso, Azerbaijão, Educação, Governança, Juventude, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã

Imagem: Mwesigwa Joel [1]. Uso livre sob Unsplash License [2].

Leyla Nadjafkuliyeva é professora de uma escola provincial de Imishli, no Azerbaijão. Recentemente ela foi repreendida por ter compartilhado um vídeo em que reclamava sobre a falta de instalações sanitárias em uma escola.

No primeiro vídeo compartilhado [3]por Nadjafkuliyeva no Facebook, ela relata a história de um aluno que havia molhado suas calças porque não conseguiu ir ao banheiro, devido à falta de instalações. Ela o filma parado perto de um fogão, na sala de aula, tentando secar seu uniforme escolar sujo.

No vídeo, a professora pede, desesperadamente, para que os órgãos educacionais do país resolvam a falta de instalações sanitárias para os alunos da escola, que foi construída em 1969. Ela também pede por ajuda pública.

Mas o vídeo desencadeou uma campanha de perseguição online contra a professora. Nadjafkuliyeva disse que estava sofrendo diversas ameaças. ”Eu peço que parem a campanha. Eu não quero isso,” a professora apareceu chorando em outro vídeo [4]. Em vez de resolver o problema, a administração escolar repreendeu a professora. Em uma declaração, a escola alega que a professora não foi punida pelo vídeo, o que Nadjafkuliyeva nega.

Problemas orçamentais ou má gestão?

De acordo com dados disponíveis [5], há 4.427 escolas primárias e secundárias no Azerbaijão. Dessas escolas, 900 estão ”em estado de emergência” [6], necessitando reformas amplas ou reconstruções totais. Em uma entrevista para o Azadliq Radio, Transmissão Azerbaijana do Radio Liberty, o porta-voz do Comitê de Arquitetura e Planejamento Urbano do governo, Ramiz Idrisoglu, explicou [7] que os edifícios escolares devem durar aproximadamente 50 anos, passando por reformas e melhorias a cada dez anos. Infelizmente, essas reformas são geralmente negligenciadas.

Também não fica claro [8] a quantia do orçamento estatal destinada para reformas e manutenções escolares. Esse é caso do orçamento estatal de 2023, que indica que os gastos com a educação aumentaram [9] em 14% em relação ao ano anterior, chegando a 4.4 bilhões de manates azerbaijaneses (mais de 13 bilhões de reais)

Alguns especialistas na área da educação, como Elchin Efendi [7], dizem que as verbas orçamentárias estatais destinadas para reformas e construções de escolas são suficientes, no entanto, o problema está nas empresas que executam o serviço. Em uma entrevista [7] para o Azadliq Radio, Efendi disse que as empresas no comando desses serviços deveriam usar materiais de construção de qualidade e ser transparentes em relação aos seus gastos.”Se esse fosse o caso, nós iríamos parar de ouvir histórias sobre escolas que desabam logo após terem sido inauguradas,” disse Efendi.

O secretário-executivo do Partido Republicano Alternativo [10] e o economista Natig Jafarli também consideram um problema a falta de transparência ou fiscalização. Jafarli contou [11] em uma entrevista ao Azadliq Radio:

Lack of supervisory mechanism leaves decisions [for school construction/renovation] to government officials and their priorities. If someone has a personal interest in building a school then those projects do take place, but if not, then sometimes it may take years until someone pays attention.

A falta de supervisão (sobre a construção ou reforma das escolas) deixa as decisões nas mãos das autoridades do governo e conforme suas prioridades. Se alguém tiver interesse pessoal em construir uma escola, então o projeto é executado, mas se não, podem levar anos até que alguém preste atenção.

Instalações inadequadas

O Azadliq Radio aborda consistentemente [11] a questão [12] dos edifícios escolares decrépitos, onde alunos e suas famílias geralmente são deixados à própria sorte [7]. Em alguns casos, o Estado interfere e toma previdências para construir novas escolas ou fazer melhorias. A escola onde Nadjafkuliyeva é professora é uma delas. Seguindo o apelo da professora, o Departamento de Educação regional disse que a reforma da escola está prevista para 2023.

Essas declarações deram a Nadjafkuliyeva um pouco de esperança, apesar de a escola ter uma péssima condição há muitos anos [6].

Embora a escola tenha cerca de 500 alunos, há apenas dois banheiros, que ficam do lado de fora do edifício escolar. Mas este não é único problema. Não houve nenhum tipo de reforma desde a abertura da escola, cinco décadas atrás. Não há tampouco calefação. As salas de aulas são aquecidas por fogões a lenha, os quais geralmente não funcionam adequadamente, de acordo com os estudantes que conversaram [13] com a Meydan TV. O problema de aquecimento foi identificado em pelo menos 130 escolas, de acordo com um monitoramento [14] feito pelo Departamento de Educação da cidade de Baku, em 2022.

Em entrevista [13]para a Meydan TV, Nadjafkuliyeva disse que nos 16 anos em leciona nessa escola, ela tentou abordar a questão várias vezes, mas não teve sucesso.

I don't know how much longer can I be calling parents, telling them to bring fresh clothes for their children when such accidents occur. My students often say the line is too long and they often get bullied by the older students and return to class complaining to the teacher.

Eu não sei mais por quanto tempo aguentarei ligar para os pais para  dizer que tragam roupas limpas para seus filhos quando esses acidentes ocorrerem. Os meus alunos geralmente falam que a fila é muito longa e que os colegas mais velhos fazem bullying com eles, e retornam para a sala reclamando para a professora.

Alguns povoados carecem completamente de escolas, como em Unuz [15], onde a escola mais próxima fica a 27 km de distância. A maioria das crianças que vivem ali não têm educação formal e mal sabem ler, escrever ou fazer operações básicas de matemática. O Departamento de Educação regional relatou que como as famílias vivem em um território demarcado oficialmente dentro do parque nacional, não pode ser realizada nenhuma construção, de acordo [15]com informações do Azadliq Radio. Em outros locais, a ausência de escolas locais impulsionou os moradores a protestarem [16]. Apesar de haver mais de 250 crianças em idade escolar, os moradores de um povoado no distrito de Garadagh têm que mandar seus filhos para uma escola vizinha, que fica a quase 3 km de distância.

Uma solução para a ausência de escolas foi a adoção [17]de instituições de ensino modulares [18]. O Azerbaijão adotou esse tipo de ensino em 2016. Mas isso não solucionou as questões de acesso. Em uma entrevista à agência de notícias Turan, o Ministério da Ciência e Educação disse [19]que no final de 2022 havia planos de construir 61 novas escolas  no país, sendo 30 escolas modulares. Mas mesmo com a presença deste tipo de escola, a infraestrutura precária das estradas em algumas vilas distantes do país torna difícil o acesso a essas escolas.

Acesso desigual

A questão do sistema de educação no Azerbaijão também abrange as crianças portadoras de deficiências. Até o momento, o Azerbaijão não oferece instalações independentes de educação especial [20]para crianças com deficiências. As escolas primárias e secundárias existentes oferecem poucas salas de aulas para elas. Essa lacuna causa desamparo a muitas famílias com crianças que precisam de apoio extra.

Essa situação é ainda mais difícil para as famílias que vivem em vilas e povoados distantes. De acordo com um estudo publicado [21] em 2018 pela organização não governamental Instituto de Iniciativas Democráticas, devido à escassez de instalações, a proximidade geográfica, e a falta de profissionais treinados e qualificados dispostos a viajar [20]longas distâncias, ”77% das crianças com deficiências não têm acesso à educação inclusiva ou educação tradicional”.

Desde 2004, foram realizados diversos projetos internacionais experimentais e programas nacionais focados na educação inclusiva no Azerbaijão, no entanto, houve pouco progresso significativo. Os autores do relatório de 2018 concluem:

It is evident from repeated aims that, implementation of adopted State Programs is not carried out in a sufficient manner. Monitoring on achievement of aims is not carried out and most importantly the society is not informed about the results of the Program.

É evidente, pelos recorrentes projetos, que a implementação dos Programas de Governo adotados não é executada de maneira suficiente. Não há supervisão dos projetos realizados e o que é mais importante, a sociedade não é informada sobre os resultados do Programa.

O projeto aprovado [20]pelo ministro da Educação, Emin Amrullayev, para 2022 e 2023 prevê salas de aulas de educação inclusiva em diversas cidades do país. Em fevereiro de 2022, em uma entrevista para o Report.az, o representante da missão da UNICEF no Azerbaijão, Alex Heikens, disse [22]que ”há progresso na educação inclusiva, mas os números ainda são pequenos. Se você olhar para 2016, quando começamos a nos envolver, quatro escolas começaram a oferecer educação inclusiva. Em 2022, oito escolas foram incluídas na lista, o que é um ótimo progresso. O desafio agora é oferecer para muitas outras escolas do país”.

O Ministério da Ciência e Educação tem um longo caminho pela frente para melhorar a acessibilidade e a qualidade da educação no Azerbaijão. Apesar do alto índice de alfabetização, a educação no Azerbaijão é geralmente citada [23] como inadequada, ultrapassada e corrupta. O apelo de Leyla Nadjafkuliyev para ajudar sua escola é um de muitos exemplos comprovando essa triste realidade.