Este artigo, escrito por Lara Shaker, foi originalmente publicado no VOD News, um site de notícias independente no Camboja, e está sendo republicado aqui como parte de um acordo de compartilhamento de conteúdo.
Ao fundar a primeira academia de dança clássica voltada a homens gays no Camboja, o artista norte-americano Prumsodun Ok está, ao mesmo tempo, preservando a tradição e fortalecendo a diversidade.
Mesclando dois movimentos culturais – clássico e contemporâneo – vistos por muitos como incompatíveis, Ok apresenta um novo olhar sobre a cultura khmer. Em entrevista, Ok disse ao VOD News:
In the Khmer tradition, there is space for people who don’t fit into male or female. For example, in one of our most sacred classical dances, a Brahman who comes to act as a messenger between heaven and earth is depicted. And this Brahman is half male, half female. So in our culture we already have what people in the world today call ‘queer.’
Na tradição khmer, há espaço para quem não se identifica como homem ou mulher. Por exemplo, em uma de nossas mais sagradas danças clássicas, há um Bramã que atua como mensageiro entre o céu e a terra. Esse Bramã é metade homem e metade mulher. Então em nossa cultura já temos o que hoje as pessoas chamam de “queer“.
Filho de refugiados cambojanos nos EUA, Ok seguiu carreira na dança clássica khmer, na cinematografia experimental e na fotografia. Ao voltar para o Camboja em 2015, ele fundou a Natyarasa, a primeira academia de dança clássica khmer voltada para homens gays no Camboja, que agora consiste em 10 dançarinos profissionais.
Embora a combinação possa parecer contraditória, Ok diz que, na verdade, é fácil fazer acontecer:
In Khmer, when we use the word “perform,” we say “samdeng.” In America, when we use that word, it’s about being fake, putting on a role, but in Khmer, it means to make something real, to make it tangible … to embody it. There are women dancing as male gods, men dancing as female gods, people dancing as animals or demons. The act of performing is constantly crossing lines of gender, time, space and even species.
Na língua khmer, quando usamos a palavra “atuar”, dizemos “samdeng“. Nos EUA, quando usamos essa palavra, nos referimos a ser de mentira, a representar um papel, mas em khmer significa fazer algo real e tangível… incorporar algo. Há mulheres dançando como deuses, homens dançando como deusas, pessoas dançando como animais ou demônios. A atuação está sempre ultrapassando as barreiras de gênero, tempo, espaço e até espécies.
Fundar a academia de dança foi tão desafiador quanto recompensador, Ok diz. Ela consiste agora em duas gerações de dançarinos profissionais e aprendizes de 18 a 26 anos. Alguns deles dançam há anos, enquanto outros chegaram com pouca experiência.
I don’t “find” dancers that fit the company, I have to make them here. My role as a teacher is to awaken my students and to watch for that moment when they understand who they are, they have found their voice and they know what they’re doing.
Eu não “encontro” dançarinos que se encaixam na academia, tenho que criá-los aqui. Meu papel como professor é despertar meus alunos e observar o momento que eles entendem quem são, descobrem sua voz e sabem o que estão fazendo.
A academia de dança, além de ensinar aos aprendizes a dança clássica khmer, também apoia os jovens dançarinos cambojanos a se tornarem independentes. “Faço isso ao ensiná-los, ao dar-lhes um salário digno, passaportes, oportunidades de viajar e de serem notados pela mídia”, diz Ok. Alguns de seus alunos até vão ao exterior para fazer cursos de inglês e seguir outras paixões, como se tornarem cantores ou músicos.
Khuon Chay, um dos membros da Natyarasa, conta como era antes de entrar na academia.
Three years ago, I was in the provinces, and I saw this work with gay men. I immediately knew I wanted to be a part of this change, even if it’s just a small part. I didn’t get any support from my family before, but I still followed my dream to become a professional dancer. I can say now: I am successful, and I made it come true.
Três anos atrás, eu estava nas províncias e vi esse projeto com homens gays. Soube na hora que eu queria fazer parte dessa mudança, mesmo que fosse só uma pequena parte. Nunca tive qualquer apoio da minha família antes, mas segui meu sonho de me tornar um dançarino profissional. Agora posso dizer: tive sucesso e o tornei realidade.
Ao pensar na conexão entre o ativismo LGBTQ+ e a cultura tradicional khmer, Chay acha que é “importante fazer parte desse movimento que salva a arte khmer. Sinto como se estivesse fazendo um trabalho para meu país e comunidade com isso”.
Ele não só aprendeu sobre a rica cultura da dança clássica, como também aprendeu muito sobre si mesmo.
I changed a lot in these years. I feel like I’m an entirely new person now. I got so many opportunities through this work and got to know many cultures and places. I also learned: The artist’s life is never over. You have to learn and learn and learn all your life.
Mudei muito nesses anos. Sinto-me como uma pessoa nova agora. Tive tantas oportunidades por meio desse trabalho e conheci muitas culturas e lugares. Também aprendi: a vida do artista nunca acaba. É preciso aprender, aprender e aprender por toda a vida.
Seu professor, Ok, diz que não se importa com rótulos, contanto que as pessoas encontrem valor no que a academia faz.
I know that in many ways I’m seen as an activist, but to be honest I rarely use those words. I don’t care if people call me a traditional artist, a contemporary artist, a queer artist. … For me, I just care about: Is the work done? And is it done beautifully? That’s all that matters to me.
Sei que sou visto como um ativista, mas, para ser sincero, raramente uso essa palavra. Não me importo se as pessoas me chamam de artista clássico, artista contemporâneo ou artista queer. Minha única preocupação é: o trabalho está feito? E está bem-feito? É tudo o que importa para mim.
Ao pensar no sucesso da academia, Ok tem orgulho de dizer que os dançarinos alcançam todos os grupos demográficos do Camboja.
“Somos amados tanto pelos mais jovens quanto pelos mais velhos”, ele diz.
Mesmo que alguns professores mais velhos não concordem com sua abordagem, eles reconhecem seu valor como professor e artista.
“Eu não diria que de fato temos o apoio das gerações mais velhas de professores, mas talvez possamos dizer: somos reconhecidos como artistas.”
Como ele representa uma forma antiga de arte, Ok reflete sobre os pensamentos de seus ancestrais a respeito de seu trabalho. “Sinceramente, acho que meus ancestrais ficariam muito orgulhosos do que estou fazendo. Acho que eles gostariam de como cuido dos mais jovens e da comunidade, de como represento essa tradição e todo o Camboja”.
Atualmente, Natyarasa ensaia em seu estúdio, em Phnom Penh, para seu próximo projeto, que estreia nos EUA em abril de 2024. Prumsodun Ok pode ser encontrado no youtube e no seu website.