- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Lula volta a um país dividido em retorno histórico como presidente do Brasil

Categorias: América Latina, Brasil, Eleições, Governança, Indígenas, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Política, Relações Internacionais, Brazil's fight for democracy

Lula sobe a rampa do Palácio do Planalto acompanhado de grupo que representa a diversidade do povo brasileiro | Fotografia: Ricardo Stuckert [1]/Usada sob permissão

No dia 1º de janeiro de 2023, Luiz Inácio Lula [2] da Silva subiu pela terceira vez na vida a rampa branca do Palácio do Planalto [3], gabinete oficial da presidência em Brasília, ladeado por um grupo [4] que representava a diversidade do povo brasileiro — do Cacique Raoni [5], um histórico líder indígena Caiapó, de 90 anos de idade, a Francisco [6], jovem atleta negro da periferia de São Paulo, de 10 anos de idade.

Na ausência [7] do ex-presidente Jair Bolsonaro [8], que deixou o país [9], a faixa [10] foi passada de mão em mão entre o grupo, chegando a ser entregue a Lula por uma mulher afrodescendente, Aline Sousa, 33 anos, da terceira geração [4] de uma família de catadores.

Em uma imagem para os livros de história, também estiveram presentes [4] o ativista, portador de deficiência e anticapacitista Ivan Baron, o metalúrgico Weslley Viesba Rodrigues Rocha, a cozinheira Jucimara Fausto dos Santos, o professor Murilo de Quadros Jesus e o artesão Flávio Pereira. Resistência [11], o cão de rua resgatado pela esposa de Lula, Janja [12], depois de aparecer nas vigílias [13] realizadas em frente ao prédio onde Lula estava preso, também foi incluído.

Esta terceira vez [14] de Lula marcou um retorno histórico para o homem de 77 anos. Ele foi de 580 dias na prisão [15], após ser condenado por acusações de corrupção [16], até a anulação [17] de sua sentença, para garantir uma vitória apertada [18] sobre um presidente de extrema-direita [19] em uma eleição profundamente polarizada, apenas 12 anos [20] depois de deixar a presidência.

A campanha de Lula reuniu partidos de diferentes espectros políticos [21], que agora precisam ser acomodados no novo governo, o que já vem apresentando [22] desafios e críticas.

Nos dois discursos [23] proferidos durante sua posse, com a presença de mais de 100 [24] representantes de países estrangeiros, Lula destacou a importância da democracia e do combate à fome e ao desmatamento, e prometeu responsabilizar as pessoas por seus atos seguindo os trâmites legais e o direito de defesa.

Condenação e retorno

No espaço de seis anos, Lula passou de um político em desgraça vendo sua aliada, Dilma Rousseff [25], sofrer um impeachment, perder sua esposa com quem esteve casado por mais de 40 anos [26] e enfrentar a prisão, para conquistar um terceiro mandato presidencial [27].

Nascido [28] em uma região pobre do estado de Pernambuco, Lula migrou [29] para São Paulo com sua família, junto com milhares de outros brasileiros conhecidos como “retirantes” [30] na década de 1950. Ainda jovem metalúrgico, no final da década de 1960 [31], filiou-se ao sindicato e iniciou sua vida política, participando de greves e movimentos enquanto o país ainda estava sob a ditadura militar (1964-1985).

Em 1980, com o Brasil se abrindo politicamente [32], ele foi preso [33] pela ditadura, após greves massivas [34] na região industrial do ABC paulista. Quase uma década depois, em 1989 [35], na primeira eleição realizada após o golpe militar de 1964, Lula foi ao segundo turno contra Fernando Collor de Mello, que acabou vencendo, aproveitando o fato de a filha de Lula ter nascido fora do casamento [36] para desacreditá-lo. Collor de Mello renunciou ao enfrentar o impeachment [37] três anos depois.

Em 1994 e 1998, Lula perdeu outras duas eleições para o presidente de dois mandatos, Fernando Henrique Cardoso, um sociólogo que ajudou a implementar o real [38] e a reeleição [39], que antes era proibida [40] para mandatos executivos consecutivos.

Em 2002, concorrendo pela quarta vez, Lula tentou mudar sua imagem [41] de um líder sindicalista de esquerda radical para um político mais conciliador. Ele ganhou seu primeiro mandato, apesar da campanha de “medo [42]” de seu oponente José Serra. Quatro anos depois, foi reeleito com 58 milhões de votos [43] e, em 2010, ajudou a eleger sua ex-ministra, Dilma Rousseff, como a primeira mulher presidente [44] do Brasil.

Em 2014, com Dilma concorrendo à reeleição, uma operação batizada de Lava Jato [45] foi lançada para investigar propinas, lavagem de dinheiro e corrupção envolvendo os principais partidos políticos, gigantes do setor privado e a estatal de petróleo Petrobras.

Lula virou alvo de investigações [46] em 2016 e foi condenado pela primeira vez [47] no ano seguinte. As principais acusações [48] contra ele foram baseadas em propriedades imobiliárias [49] que os promotores acreditavam ser produto de suborno.

Em maio de 2018, ele foi preso [50], sob a interpretação de que pessoas condenadas após duas sentenças poderiam ser presas mesmo em apelação. Pela primeira vez, uma decisão da Suprema Corte mudou a interpretação de “prisão em segunda instância [51]“. No entanto, Lula foi solto [52] em novembro de 2019.

No ano seguinte, o Supremo Tribunal Federal votou pela anulação [53] das sentenças que condenavam o ex-presidente, afirmando que os processos não deveriam ter sido julgados no Paraná e considerando parcial [54] o juiz Sergio Moro. Conversas no Telegram entre Moro e o Ministério Público, vazadas por um hacker [55], foram publicadas em uma série de reportagens do The Intercept Brasil [56] e veículos parceiros.

Moro se tornou Ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e foi eleito senador [57] em 2022; Deltan Dallagnol, promotor da Operação Lava Jato, foi eleito deputado federal [58]. A anulação permitiu que Lula concorresse à presidência nas eleições brasileiras de 2022, seguindo a Lei da Ficha Limpa [59].

Ainda assim, embora seja considerado o presidente mais popular da história do Brasil [60], obtendo uma taxa de aprovação de 87% [61] no final de seu segundo mandato, uma parcela significativa dos brasileiros o considera populista e corrupto.

O Partido dos Trabalhadores

Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores [62], Lula nunca mudou sua linha política. Em contrapartida, Bolsonaro passou por nove partidos [63] ao longo de mais de três décadas de carreira política.

O PT, como é conhecido o Partido dos Trabalhadores, é o segundo maior [64] e principal partido de esquerda [65] do Brasil, reunindo [66] militantes contrários à ditadura militar, católicos ligados à Teologia da Libertação [67], sindicalistas, intelectuais e artistas. Nos governos Lula e Dilma, no entanto, foi maculado por escândalos de corrupção, ainda que os casos também envolvessem outros partidos [68], de diferentes espectros políticos.

No final de 2021, uma pesquisa do Instituto Datafolha [69] mostrava que o Partido dos Trabalhadores era o favorito de 28% dos brasileiros, seu melhor desempenho desde 2013.

Em 2006, ano em que foi eleito para um segundo mandato, Lula afirmou que seu governo não era de esquerda [70], embora se considerasse assim. Em 2022, antes de ser eleito pela terceira vez, definia-se [71] como um “socialista refinado, que acredita na propriedade privada, na liberdade de organização e no direito de greve”.

Desafios à frente

O novo governo de Lula deve agora encontrar espaço para os partidos que o apoiaram ao longo de sua campanha, bem como para outros que ajudaram a aprovar um projeto de lei para ampliar os gastos públicos [72] durante transição de governos, uma realidade repleta de desafios e polêmicas.

O jornal Folha de S. Paulo [73] vem noticiando supostas ligações entre a nova ministra do Turismo, Daniela Carneiro, e milícias [74] (grupos paramilitares formados por policiais) que atuam no estado do Rio de Janeiro.

Enquanto alguns bolsonaristas protestavam em frente a unidades militares, acreditando que a posse era uma fraude, as opiniões do ministro da Justiça, Flávio Dino, sobre como desmantelar o movimento seriam conflitantes [22] com as do ministro da Defesa, José Múcio, que chamou os protestos de “democráticos [75]“.

No dia 8 de janeiro, uma semana após a posse, bolsonaristas invadiram e destruíram [76] prédios públicos de Brasília, como o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto, sede do presidente.

Lula divulgou nota conjunta com os presidentes do Senado, da Câmara e do STF chamando os atos de “terrorismo, vandalismo, criminoso e golpista” e dizendo que estão unidos para tomar as providências.

Após a inauguração, Celso Rocha de Barros, sociólogo e autor de “PT, uma história”, que enfatizou [80] em outubro que o PT agora teria que dividir o poder mais do que nas gestões anteriores, escreveu [81]:

Ainda não sabemos se, no governo, Lula saberá equilibrar, como fez nos discursos da posse, as políticas que a frente ampla pede e o que Lula prometeu a seus apoiadores mais fiéis. O combate à miséria, principal tema dos discursos da posse, pode ser um programa unificador para uma “frente ampla contra a desigualdade”.