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A crise climática é uma crise de água no Himalaia

Categorias: Sul da Ásia, Nepal, Desastre, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Viagem, Green Voices
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Nos últimos 30 anos, a geleira Imja em Khumbu, no Nepal, transformou-se em um lago de 2 km de comprimento à medida que o permafrost e o gelo derretem. Foto: Kiril Rusev via Nepali Times. Usado com permissão.

Este artigo de Sonia Awale foi originalmente publicado no Nepali Times [1] e uma versão editada foi republicada na Global Voices como parte de um acordo de compartilhamento de conteúdo.

Os Himalaias [2] são o maior depósito de água na forma de gelo depois das regiões polares, e é por isso que são chamados de Terceiro Polo. A cordilheira mais alta do mundo também é conhecida como a Torre de Água da Ásia, mas o teto do mundo está ficando sem água.

Os rios do céu [3] trazem a umidade do oceano e a precipitam como chuva ou neve nas montanhas. Grande parte se infiltra no solo, com as montanhas agindo como esponjas gigantescas. O restante é armazenado como gelo e derrete lentamente no verão, quando as geleiras reduzem o gelo.

Mas a mudança climática está aquecendo o Himalaia [4] mais rápido do que a média global, interrompendo esse ciclo da água. A chuva está se tornando mais errática, vindo em torrentes ou não, as águas subterrâneas estão se esgotando e as geleiras encolheram.

Os rios que nascem no Himalaia e no planalto tibetano [5] sustentam os habitantes das montanhas, bem como 1 bilhão de asiáticos rio abaixo, que terão menos água durante a estação seca nas próximas décadas.

Se as emissões de gases do efeito estufa não forem reduzidas, os cientistas preveem que dois terços das geleiras do Himalaia desaparecerão [6] neste século. Já existe um rio que atravessa o Acampamento Base do Everest, e os córregos na cascata de gelo Khumbu podem transformá-la em uma cachoeira em um futuro não muito distante.

Khim Lal Gautam, que fez parte da equipe que mediu [7] a altura do Monte Everest com maior precisão em 2020, escalou a montanha mais alta do mundo duas vezes e percebeu as mudanças.

“A morena [8] e o permafrost aqui no acampamento base do Everest estão derretendo perigosamente. A geleira está desmoronando, cada vez que venho aqui, há cada vez menos gelo”, diz Gautam.

Ele acrescenta: “O derretimento acelerado significa que este grande rio agora está passando pelo acampamento base. A temperatura média aqui aumentou [9] nos últimos seis anos”.

The South Face of Mt Saipal (7,031m) in October 2008, 2018 and in October 2020. Photos: Wanda Vivequin and Basanta Pratap Singh via Nepali Times. Used with permission. [1]

A face sul do Monte Saipal (7.031m) em outubro de 2008, 2018 e outubro de 2020. Fotos: Wanda Vivequin e Basanta Pratap Singh, via Nepali Times. Usadas com permissão.

Do outro lado do Himalaia, picos gelados icônicos como o Monte Machapuchare [10] se transformaram em rocha nua durante algumas estações. Entre outubro de 2008 a outubro de 2020, o Monte Saipal, a 7.031 m no extremo oeste do Nepal, perdeu a maior parte de seu gelo, chocando montanhistas, cientistas e moradores locais.

Em 2006, o serac [11] abaixo do cume de Ama Dablam ,que deu nome à montanha, quebrou [12], matando seis alpinistas. “Ama Dablam significa colar da mãe, e um pedaço desse grande bloco de gelo desmoronou e caiu”, diz o ambientalista e empresário Dawa Steven Sherpa. “Não estamos apenas perdendo nossas montanhas, mas uma grande parte de nossa identidade e o que elas significam para nós”.

Pesquisadores fizeram observações semelhantes no Karakoram, no Paquistão, no planalto tibetano, no Butão e na Índia, onde o permafrost está derretendo [13] e as geleiras recuando.

“No passado, as geleiras no Karakoram eram mais estáveis ​​do que em outras partes do Himalaia [14]… mas agora até essas geleiras começaram a derreter”, diz o especialista em sensoriamento remoto paquistanês, Sher Muhannad, que trabalha com a organização baseada em Katmandu, International Centre for Integrated Mountain Development [14] (ICIMOD).

O derretimento acelerado também significou que o número de lagos glaciais está aumentando [15]. A maior geleira do Nepal, Ngozumpa [16], abaixo do Monte Cho Oyu, agora se assemelha a um queijo suíço, crivada de poças de derretimento e detritos. A geleira Imja [17] se transformou em um lago glacial em apenas 30 anos.

“Imja não era um lago antes, costumava ser uma geleira sólida”, acrescenta Dawa Sherpa. “Meu pai acampou na geleira há 60 anos com uma expedição japonesa. Hoje, precisamos de um barco de borracha para estar onde ele estava naquela época”.

Imja Tsho Lake in Khumjung, Nepal. Image by Joachim Götz. CC BY-NC-ND 2.0. [18]

Lago Imja Tsho em Khumjung, no Nepal. Imagem de Joachim Götz [18]. CC BY-NC-ND 2.0 [19].

Existem 3.252 lagos glaciais [20] no Nepal, e eles estão encolhendo três vezes mais rápido do que em 1998. Muitos deles estão se enchendo de água derretida e correm o risco de estourar. As Inundações de explosão de Lagos Glaciais (Glacial Lake Outburst Floods [21], GLOFs) são uma ameaça não apenas para assentamentos humanos, mas também para projetos de infraestrutura, muitos deles usinas hidrelétricas construídas ao longo dos rios a jusante.

O enorme fluxo de detritos [22] no rio Melamchi em junho de 2021, que matou pelo menos 30 pessoas, submergiu assentamentos e quase destruiu o maior projeto de infraestrutura do Nepal para fornecer água a Katmandu, foi causado por uma forte chuva de monções que derrubou sedimentos glaciais não mais cimentados pelo permafrost.

Embora o derretimento das montanhas seja mais visível, muito mais pessoas são afetadas no Himalaia por nascentes que secam e pela redução do fluxo dos rios. As pessoas estão abandonando aldeias e propriedades rurais [23] por causa de secas prolongadas e fontes secas.

As mulheres que ficaram para trás estão tendo que arcar com o fardo [24] das tarefas domésticas, incluindo buscar água mais longe, mesmo que haja menos água para irrigar as plantações. Em partes do Nepal, isso levou a um aumento no casamento infantil e na taxa de evasão escolar de meninas, prejudicando os ganhos anteriores do país.

O tema do Dia Internacional da Montanha [25] deste ano, em 11 de dezembro, é ‘Mulheres movem montanhas’. A mudança climática nas montanhas não é apenas uma crise, mas também uma oportunidade para capacitar as mulheres e as comunidades locais. Desde a coleta de água da chuva, revitalização de lagoas e irrigação por gotejamento até o plantio de cana-de-açúcar e grama Napier nas margens dos rios para reduzir os riscos de inundação, há muitos exemplos bem-sucedidos de adaptação local no Nepal. Mas, muito parecido com a poluição do ar, lidar com o impacto da mudança climática no Himalaia necessita de uma colaboração internacional e regional. De fato, o agravamento da poluição do ar regional está levando a uma aceleração do derretimento [26]. Carbono negro e partículas de fuligem de emissões veiculares, indústrias e incêndios estão atingindo altitudes mais altas e aumentando a taxa de derretimento de geleiras que já estão descongelando devido ao aquecimento global.

Photo: Gudmundur Pall Ólafsson via Nepali Times. Used with permission. [1]

Foto: Gudmundur Pall Ólafsson, via Nepali Times. Usado com permissão.

O diretor-geral do ICIMOD, Pema Gyamtsho, [27] do Butão, disse: “Precisamos colocar mais foco na construção da cooperação transfronteiriça. Esse sempre foi o nosso mandato, mas acho que agora precisamos avançar rapidamente com essas iniciativas”.

O Himalaia tem mais biodiversidade do que qualquer outro lugar na Terra por causa de sua elevação e faixa de umidade. Os pesquisadores dizem que isso os torna um lugar extraordinário [28] para as espécies florescerem. Mas a mudança climática está afetando a diversidade da vida vegetal e animal que evoluiu no sensível ecossistema montanhoso. Muitos nunca foram estudados e poderiam ter imenso valor medicinal e utilitário.

A recém-concluída Cúpula do Clima COP27 [29] no Egito concordou com um mecanismo para compensar os países mais pobres por perdas e danos causados [30] ​​pelas mudanças climáticas, mas ficou aquém das metas de descarbonização exigidas. Agora há sérias dúvidas se a temperatura média global pode ser limitada a 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais.

Na segunda semana de dezembro, cientistas e governos se reuniram em Montreal [31] para encontrar maneiras de evitar o que chamam de ‘sexta extinção [32]‘ – a maior perda de biodiversidade do planeta desde a queda do meteorito que fez desaparecer os dinossauros há 65 milhões de anos. Parte disso se deve à crise climática, mas os assentamentos humanos e o consumo também estão destruindo habitats. Assim como a COP27 no Egito, a Conferência de Biodiversidade da ONU (COP15) [33] em Montreal também estabelecerá metas para o quadro de biodiversidade global.

O geógrafo do Himalaia Alton C. Byers [34] , que vem estudando o impacto das mudanças climáticas no ecossistema da região de Kangchenjunga adverte: “As pessoas pensam que as montanhas são invulneráveis, invencíveis. Elas não são, elas são alguns dos ecossistemas mais frágeis do mundo, e é por isso que precisamos dar a elas consideração e proteção especiais”.