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Em carta a novo governo do Brasil, mulheres Yanomami pedem retirada de garimpeiros de seu território

Categorias: América Latina, Brasil, Governança, Indígenas, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Política, Brazil election 2022

Mulheres acompanhando roda de conversa durante o XIII Encontro de Mulheres Yanomami | Foto: Darisa Yanomami/Juruna Yanomami / HAY/Usada com permissão

Essa reportagem, escrita por Elaíze Farias, foi publicada no site da Amazônia Real [1] em 12 de dezembro de 2022. Ela é republicada pelo Global Voices em um acordo de parceria, com atualizações e edições ao texto original.

Desnutrição, mortes de crianças, contaminação dos rios, doenças, aliciamento de jovens e estupros são algumas das graves violações causadas pelo garimpo ilegal que mulheres Yanomami relatam em uma carta [2] ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva [3], no dia da diplomação [4] deste, em 12 de dezembro.

As mulheres Yanomami esperam que Lula cumpra a promessa de combater o garimpo ilegal em terras indígenas.

A carta foi escrita durante o 13º Encontro de Mulheres Yanomami, realizado entre os dias 22 e 26 de novembro, na região da Missão Catrimani, na Terra Indígena Yanomami [5], localizada nos estados de Roraima e Amazonas, região Norte do Brasil, com a presença de 49 mulheres de 15 comunidades.

O documento foi enviado a veículos de imprensa pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), entre eles a Amazônia Real. Uma cópia também foi enviada ao Grupo de Trabalho (GT) dos Povos Originários [6], do governo eleito.

A carta [2] abre dizendo:

Lula, nós mulheres Yanomami queremos enviar nossa palavra até você. Você está muito longe da Terra Indígena Yanomami, mas sabemos que você vai receber nossas palavras e que quer nos ouvir. Queremos que você saiba que estamos com medo e muito preocupados. Hoje a floresta está doente. Quando nossa floresta está doente, todos nós ficamos doentes.

As mulheres Yanomami descrevem que a floresta “está cheia de buracos” e que há muitos garimpeiros no território. Antes da chegada dos invasores, a água era limpa, mas hoje ela está “suja e os rios amarelos”, dizem:

Nossas crianças já estão sofrendo os efeitos do que está acontecendo agora. Lula, os olhos dos peixes estão mudando. Parece que os olhos estão soltos e até os animais são diferentes, parecem magros e doentes. Estamos com medo de comer peixes doentes.

Luiz Inácio Lula da Silva assumiu [7] pela terceira vez a Presidência em 1º de janeiro de 2023, com a promessa de combater o garimpo em terras indígenas e  retomar demarcações de terras.

Em visita realizada a Manaus, capital do estado do Amazonas, durante a campanha eleitoral, em agosto, ele declarou que “não haverá mais garimpo ilegal [8] ” e nem mercúrio nas terras indígenas.

À época, Lula disse [8] :

“Tenho dito que não haverá mais garimpo ilegal. Não haverá mais mercúrio. Conheço bem o rio Tapajós [no estado do Pará], está banhado de mercúrio. A gente não pode acreditar que o ser humano seja tão insensível, que não percebeu o mal que está causando para o mundo (…)

Hoje sabemos da importância de cuidarmos da nossa floresta, da nossa água e do nosso meio ambiente. Mas vocês sabem que precisamos cuidar sobretudo do nosso povo. O nosso povo está passando por necessidades e nós não podemos permitir que não viva dignamente”.

Em outro evento [9], ocorrido em junho, ele já havia destacado que iria combater o garimpo, afirmando que era preciso coragem para dizer não à atividade dentro de terras indígenas no Brasil, sem concessão.

É preciso ter a pressão da sociedade para que a gente possa ter coragem de enfrentar nossos algozes e fazer o que tem que ser feito. Nesse negócio não tem meio termo. Tem que ter coragem de dizer que não haverá garimpo em terra indígena nesse país. As terras que foram demarcadas como área de proteção ambiental terão que ser respeitadas, não haverá concessão.

Depois de eleito, Lula não fez comentários de como será a política indigenista de seu governo. Sua equipe de governo, no entanto, criou um grupo para discutir a agenda dos povos indígenas, onde um dos temas centrais é justamente essa questão. Um dos integrantes é Davi Kopenawa Yanomami, presidente da Hutukara.

No dia 29 de dezembro, Lula anunciou a indígena Sônia Guajajara, eleita deputada federal, como ministra dos Povos Indígenas [10], uma criação histórica.

A deputada federal eleita Juliana Cardoso, do mesmo partido de Lula, indígena do povo Terena e que integrou o grupo de trabalho, disse à Amazônia Real [12] que o garimpo é considerado um dos assuntos mais urgentes.

Os indígenas são brutalmente atacados por garimpos. Há uma violência imensa a mulheres e meninas, que sofrem violações constantes, principalmente as Yanomami. Os povos isolados e de contato recente são cada vez mais ameaçados. Houve desestruturação do Estado, de tudo o que se tinha para a proteção das florestas e das pessoas.

A carta das mulheres Yanomami foi encaminhada a Lula dias após a divulgação de uma fotografia de uma mulher idosa [13] extremamente desnutrida, numa imagem representativa da gravidade da situação atual dessa população. 

A foto mostra uma mulher da aldeia Kataroa, da região de Surucucu, em Roraima, uma das mais afetadas pelo garimpo. Ela foi registrada no mês de novembro, por funcionários de saúde, e divulgada pela Urihi Associação Yanomami.

Junior Hekurari Yanomami, presidente da Urihi, diz que existem 113 comunidades próximas à atividade de garimpo que estão com os problemas mais sérios.

Segundo ele, na Terra Indígena Yanomami, a maior terra indígena demarcada do Brasil [14], doenças como, malária, febre e diarreias infecciosas estão fora de controle:

Contaminaram a água, derrubaram a floresta, fizeram muitos buracos ao redor da comunidade. Principalmente na região da Serra, em Sururucu.

Estamos sofrendo muito, cansados ​​de chorar, cansados ​​de ser maltratados. Queremos viver em paz. Reorganizar nossas comunidades. Esses traumas que tivemos… Perdemos muitas crianças, mulheres, com malária, por falta de socorro. A gente quer que o presidente Lula faça o seu papel, o seu dever de cuidar dos povos indígenas. Isso que a gente quer para viver e cuidar de nossos filhos, garantir o futuro das crianças.

Não é pela primeira vez que as mulheres Yanomami se pronunciam e denunciam os danos provocados pela injustiça ambiental e social agravada pelo garimpo. Durante o 2º Fórum de Lideranças Yanomami e Ye'kwana [15] , realizado em 2021, em Roraima, os indígenas afirmaram que muitos deles estavam “morrendo de doenças simples”, por falta de atendimento, e crianças nascendo com má formação.

“Eu só quero que olhem para a gente como ser humano, como mulheres que não merecem todo dia estar enterrando seus filhos”, disse Neila Paliwithele [16] , mulher Yanomami, da comunidade Palimiu, da Terra Indígena Yanomami, na ocasião.

Garimpo e serviços deficientes

Conforme o documento das mulheres Yanomami, a presença de garimpeiros está atrelada ao aumento de casos de malária, desnutrição, pneumonia e infestação de vermes.

O texto diz:

Quando o garimpo está próximo, nós mulheres ficamos muito preocupadas e andamos com muito medo. Os garimpeiros nos ameaçam e nós não queremos viver assim, queremos viver em paz. Garimpeiros assediam as meninas e outros querem pagar serviços maritais. Eles querem fazer assim, mas nós mulheres não queremos que nossas filhas e netas sejam entregues e abusadas por essas pessoas.

O documento afirma ainda que o atendimento à saúde não funciona, porque a presença de garimpeiros também levou ao afastamento das equipes responsáveis ​​pelo serviço do território:

Há hoje muitos postos de saúde na Terra Indígena Yanomami que estão fechados. Há milhares de Yanomami que estão sem nenhum atendimento à saúde. Estamos vivendo um verdadeiro caos sanitário.

As mulheres Yanomami afirmam que esperam que Lula ouça seus pedidos, e seguem:

Queremos viver na floresta viva e bonita. Nós Yanomami queremos viver novamente na terra sadia, que é a verdadeira terra-floresta Yanomami. Nós queremos que nossas crianças continuem nascendo bem e fortes. Precisamos de sua ajuda para curar a floresta e também os animais que lá vivem. Queremos continuar vivendo na nossa terra, comendo alimentação saudável e bebendo água limpa.

O garimpo ilegal afeta há décadas a Terra Indígena Yanomami, mas nos últimos anos houve um recrudescimento sem precedentes nas comunidades, ameaçando a saúde e a sobrevivência dos indígenas.

O governo de Jair Bolsonaro permitiu o avanço da atividade, com agravante da chegada de facções criminosas [17] ao território.

Em maio deste ano, os Yanomami divulgaram um relatório alarmante [18] da situação causada pelo aumento do garimpo, ameaçada contaminação do solo e dos rios, aumento de casos de malária, assédio e violência.