O que pode explicar ataques em escolas brasileiras, segundo um especialista

Nas escolas brasileiras, aconteceram ao menos 5 ataques com tiros desde 2019. Em novembro de 2022, no município de Aracruz, três professoras e uma aluna foram assassinadas | Imagem: Luís Gustavo Moreira Carmo / Global Voices

Nas escolas brasileiras, aconteceram ao menos 5 ataques com tiros desde 2019. Em novembro de 2022, no município de Aracruz, três professoras e uma aluna foram assassinadas | Imagem: Luís Gustavo Moreira Carmo / Global Voices

Um atentado a duas escolas no município de Aracruz, no estado do Espírito Santo, região Sudeste do Brasil, deixou quatro mortos e mais de dez feridos no dia 25 de novembro.

Segundo a Polícia Civil, o ataque foi planejado durante dois anos por um adolescente de 16 anos, ex-aluno de uma das instituições. Uma pesquisa do Instituto Sou da Paz mostra que dos 12 ataques em escolas com armas de fogo e mortes registrados nos últimos 20 anos, três aconteceram em 2022.

O Sou da Paz é referência em pesquisas e estudos de violência armada no Brasil, contribuindo “para a efetivação de políticas públicas de segurança e prevenção da violência”.

O atirador de Aracruz, que é filho de um policial militar, aparece nas imagens de câmeras de segurança usando a imagem de uma suástica nazista no braço. Segundo o site G1, ele usou duas armas do pai no ataque.

No mesmo dia e também no estado do Espírito Santo, na cidade de Colatina, outro adolescente foi apreendido depois de ferir ao menos quatro pessoas utilizando um estilete.

O que pode explicar ataques

Em entrevista ao Global Voices, Bruno Langeani, gerente do Sou da Paz e autor do livro “Arma de Fogo no Brasil: Gatilho da violência“, afirmou que a frequência dos massacres está relacionada a muitos aspectos, entre eles a flexibilização nos decretos armamentistas brasileiros durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022):

Na maior parte dos casos essa arma foi obtida dentro da residência, e é por isso que a gente [do Instituto Sou da Paz] tem, também, falado sobre isso: nos últimos quatro anos houve uma flexibilização, um afrouxamento muito grande no acesso à arma de fogo, a armas mais potentes. Então ter mais residentes com arma de fogo é um fator de risco para esse tipo de atentado.

Durante o governo Bolsonaro, o número de armas registradas nas mãos de civis saltou: passou de cerca de 695.000 em 2018 para quase 2 milhões em 2022.

A gestão bolsonarista flexibilizou leis armamentistas, autorizando que alguém com licença CAC (caçadores, atiradores esportivos e colecionadores) possa ter até 60 armas, desde revólveres até fuzis, e comprar 180 mil munições ao ano — antes eram 16 armas e 40 mil projéteis. Além disso, cresceu o número de clubes de tiro espalhados pelo país: um levantamento do site UOL aponta a abertura de uma unidade por dia no governo Bolsonaro.

Langeani, mestre em políticas públicas, diz que há dois aspectos a se destacar em meio aos episódios recentes de violência nas escolas: o discurso violento que costuma ser usado pelo próprio Bolsonaro, que “trata o diferente como inimigo”, e as mudanças na legislação brasileira.

Mesmo nos casos em que essa arma não é obtida dentro de casa, na maior parte dos casos a gente consegue rastrear que ela é uma arma que veio do mercado legal […] Nossos massacres são massacres feitos com armas e munições 100% nacionais. Revólveres da Taurus (fabricante de armas de fogo brasileira sediada na cidade de em São Leopoldo, no estado do Rio Grande do Sul), munições da CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos), esse é o cenário mais comum. Então, mesmo nos casos em que essa arma não foi obtida dentro de casa, esse mercado legal impacta na arma usada em massacre.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que assume o cargo em janeiro de 2023, disse em seu discurso após vitória que é “hora de baixar as armas que jamais deveriam ter sido empunhadas”.

Ele e a equipe de transição já discutem planos de revogação de decretos que facilitaram o acesso às armas nos últimos anos.

Langeani destaca outros dados dos ataques analisados pelo Sou da Paz: em todos episódios com arma de fogo e mortes, os assassinos eram do gênero masculino e alunos ou ex-alunos das instituições.

O levantamento só considera eventos que envolveram armas de fogo e onde os perpetuadores não foram diagnosticados com problemas mentais. Isso deixou de fora, por exemplo, o ataque à uma creche em Saudades, no estado de Santa Catarina, que deixou cinco mortos em maio de 2021.

Questões de saúde mental podem ser vistas como influentes em ataques e massacres, mas “não explicam todos os casos” e não podem ser analisadas de forma isolada, defende o especialista. Langeani ressalta:

A gente tem escolas públicas e privadas despreparadas para lidar com saúde mental […] Mas a gente tem que tomar cuidado de não colocar tudo na conta da saúde mental, porque vários desses agressores não eram pessoas que tinham diagnósticos de doença mental […] Senão parece que é algo que não tem outros responsáveis, não tem outros fatores causais.

Influências

Entre outros fatores causais, ele destaca ainda a influência de referências neonazistas, algo que vem crescendo no Brasil, segundo estudiosos, e o “efeito contágio/cópia” diante de ataques ocorridos nos Estados Unidos. Em 2022, o número de tiroteios em escolas dos EUA foi o maior em 10 anos: 193 episódios com armas de fogo.

Quanto mais casos ganham notoriedade, (esses casos) vão sendo louvados e aplaudidos nessas plataformas de extrema-direita (…) Tanto nos massacres do Realengo quanto no massacre do Suzano que, por conta do número de vítimas, foram muito estudados, você tem os policiais (do Brasil) encontrando conteúdo de massacres dos Estados Unidos nesses autores brasileiros. Existe sim uma idealização/uma cópia/uma adoração desses autores olhando para outros tipos de massacres querendo repetir, querendo eventualmente superar o número de vítimas (…) Essa parte — das piores — da cultura americana acaba sendo importada para o Brasil.

Sobre o caso de Aracruz, Langeani observa ainda a questão da evasão escolar do assassino (uma decisão que teria sido dos pais), o fácil acesso à armas em casa e o fato de o assassino saber dirigir, além da influência do próprio pai que, segundo reportagens, foi quem presenteou o filho com a autobiografia de Adolf Hitler.

Ele destaca o fato de que as quatro pessoas mortas eram do gênero feminino, o que se repete em outros massacres, segundo ele — a Polícia Civil do Espírito Santo afirma que o adolescente atirou nas vítimas aleatoriamente:

Em muitos outros casos, fica claro que os autores buscavam as meninas, tinham ódio às mulheres, e aí faziam ataques direcionados — então não foi na coincidência […] Esses jovens radicalizados e influenciados por um discurso de ódio às mulheres, ao feminino, e muitas vezes dentro dessa lógica de se sentirem injustiçados, não aceitos.

Entre as quatro pessoas mortas nos ataques em Aracruz estão três professoras e uma aluna de 12 anos.

Dias após os ataques em Aracruz, uma escola na cidade de Contagem, em Minas Gerais, estado vizinho ao do Espírito Santo, foi vandalizada com pichações de suásticas nazistas:

O jornal Estado de São Paulo listou ao menos dez ataques neonazistas em instituições de ensino, ocorridos entre a última semana de outubro e 1° de dezembro, em quatro estados brasileiros.

A Lei do Racismo brasileira determina que apologia ao nazismo é crime, prevendo reclusão de um a três anos e multa. Lia Vainer Schucman, Doutora em Psicologia Social e entrevistada pelo mesmo jornal, afirma que a escola é uma “disputa cultural de ideologias” e, por esse motivo, é escolhida nos ataques.

Como é menor de idade pela lei brasileira, o autor dos ataques em Aracruz foi sentenciado a três anos de internação, tempo máximo estabelecido como medida socioeducativa para adolescentes que infringem a lei, poucos dias depois.

Na cidade de Ubá, em Minas Gerais, outro adolescente teria se inspirado no caso e planejou um massacre em sua escola no dia 30 de novembro. Uma denúncia anônima evitou uma tragédia que, segundo relatos do próprio estudante, aconteceria por conta de sua “insatisfação” com a escola e com a vida.

Em artigo no The Intercept Brasil, a jornalista Fabiana Moraes lembrou que cerca de um mês antes do caso de Aracruz, outro ataque foi registrado em uma escola de Sobral, no Ceará, com uma morte.

Estes ataques deveriam nos fazer estancar imediatamente o passo. Deveriam nos fazer olhar para a gente, para fora, para o que nos importa e para nossas prioridades como sociedade. Quando nos tornamos um país no qual são escolas e universidades, professoras, professores e estudantes os grandes alvos do ódio extremo e ao mesmo tempo da displicência coletiva, deveríamos, imediatamente, nos levantar.

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