WhatsApp adia lançamento de atualização no Brasil até o fim das eleições

Imagem cedida pelo Palacio de Planalto no Flickr. Usada sob a licença CC BY-NC-SA 2.0.

O WhatsApp teve papel fundamental na condução do presidente de direita Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto nas eleições gerais de 2018. Um ano depois, a empresa admitiu que seu principal produto foi utilizado em um sistema de mensagens em massa para divulgar notícias falsas sobre o adversário de Bolsonaro, o esquerdista Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores.

Tentando repetir a fórmula bem-sucedida em sua campanha de reeleição em 2022, Bolsonaro realizou uma reunião — solicitada por ele — com executivos do WhatsApp no Palácio do Planalto em 27 de abril. A pauta da reunião foi curta, mas conteve um item importante: a decisão do WhatsApp de suspender o lançamento do recurso “comunidades” no Brasil.

Alguns dias antes, o WhatsApp anunciou uma grande atualização em seu serviço de mensagens. Com o recurso “comunidades”, os usuários podem organizar vários grupos dentro de um mesmo grupo maior e os administradores têm acesso a ferramentas mais detalhadas, incluindo listas de divulgação. Na prática, o novo recurso amplia o limite de membros nos grupos e dá aos administradores poder para enviar mensagens simultaneamente a milhares de usuários.

Mas havia uma questão: embora o recurso estivesse previsto para ser lançado globalmente em setembro, um mês antes das eleições no Brasil, o lançamento no maior país da América do Sul só começaria após a conclusão do processo de votação, com a liberação gradual  a partir de novembro.

Bolsonaro não ficou feliz. Fazer esta exceção para o Brasil era “inadmissível”, ele disse. Somaram-se a sua insatisfação os relatos iniciais da mídia sugerindo que a decisão do WhatsApp de segurar o lançamento fazia parte de um acordo com o Tribunal Eleitoral (TSE), com quem Bolsonaro tem enfrentado desacordos devido a seus comentários infundados sobre fraude no sistema eleitoral. Posteriormente, o TSE negou ter feito tal pedido e o WhatsApp confirmou que a medida foi apenas uma decisão empresarial.

“Se eles [WhatsApp] podem fazer um acordo como este com o TSE, eles podem fazer um comigo também, por que não? Eles podem fazer um com você, com qualquer um”, disse Bolsonaro alguns dias antes, em 16 de abril. Segundo uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, durante a reunião de 27 de abril, Bolsonaro pressionou o WhatsApp para que a ferramenta fosse lançada antes das eleições e assim pudesse utilizá-la em sua campanha de reeleição.

O resultado da reunião não foi favorável a Bolsonaro. Os executivos do WhatsApp deixaram o Palácio do Planalto — onde está localizado o gabinete presidencial — informando o presidente de que não havia espaço para negociação; a ferramenta só seria lançada após o segundo turno das eleições, marcado para 30 de outubro.

Segundo a Folha de S. Paulo, Bolsonaro teria sido supostamente convencido pelas pessoas presentes na sala, como o ministro das Comunicações Fábio Faria, a não pressionar para que o lançamento ocorresse em uma data anterior.

Mesmo sem sucesso, a reunião e as observações de Bolsonaro transmitem uma mensagem clara: o presidente acha perfeitamente aceitável interferir nas decisões de uma empresa privada para promover seus interesses pessoais.

Esta não foi a primeira vez que Bolsonaro fez algo desta natureza. Ao longo de seu mandato como presidente, o líder de extrema-direita tentou interferir na forma como as plataformas funcionam no país para seu próprio benefício. Em fevereiro de 2020, Bolsonaro sugeriu aumentar os impostos pagos pelas grandes empresas de tecnologia, “quem pagavam muito pouco para operar no Brasil” com o objetivo de proteger a “liberdade de expressão.” A sugestão ocorreu em meio a restrições e outras medidas de moderação contra Bolsonaro e seus aliados devido à desinformação sanitária  durante a pandemia.

Mas talvez o exemplo mais claro tenha ocorrido há pouco mais de um ano, quando Bolsonaro tentou editar uma medida provisória que modificaria no Brasil o Código Civil da Internet (Marco Civil da Internet) e limitaria efetivamente a autonomia das plataformas no país.

A medida estabeleceu uma série de pré-requisitos segundo os quais as plataformas poderiam moderar o conteúdo, e qualquer tipo de moderação fora destas linhas implicaria em sanções para as empresas. Ironicamente, a lista de pré-requisitos não incluía desinformação, conteúdo odioso, discurso de ódio e ameaças, dificultando as respostas das plataformas a este tipo de conteúdos.

A medida, de acordo com uma reportagem da rede Núcleo Jornalismo, permitiria ao governo e seus aliados que continuassem a promover um discurso desinformativo e violento dirigido às instituições democráticas, sem que estivesse sujeito a moderação. O impacto seria tão extremo que Meta, Twitter e Google se pronunciaram publicamente para criticar a medida.

Os protestos públicos e os alertas de organizações da sociedade civil levaram o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a devolver a medida à presidência, sinalizando que uma tentativa tão autoritária não teria lugar na Câmara. Também serviu como mensagem a Bolsonaro de que, ao contrário das instituições governamentais, as empresas privadas não estão em jogo e não aceitarão interferências com intuito de satisfazer interesses particulares do presidente.

Desde então, Bolsonaro espalhou sua estratégia digital em muitas plataformas de mídias sociais. Seu canal no Telegram é o maior do Brasil e um dos maiores do mundo. A Gettr, fundada por um ex-assessor de Trump, tornou-se um porto seguro para os bolsonaristas devido a sua moderação mais branda.

Os executivos da plataforma também mostraram simpatia pela campanha de reeleição de Bolsonaro, inclusive participaram nas manifestações a favor de Bolsonaro e fizeram com que os perfis institucionais da plataforma reproduzissem conteúdos do governo para promover o presidente, o que é visto por alguns advogados como um potencial crime eleitoral.

No final de outubro, com uma margem apertada, o Brasil votou e elegeu Lula para presidente,  e Bolsonaro se tornou o primeiro presidente da história brasileira a perder a reeleição. A aposta do WhatsApp de adiar o lançamento dos megagrupos provou ser uma sábia decisão. Depois de estar no centro das atenções em 2018 devido ao seu papel na disseminação de desinformação, o WhatsApp foi ignorado, enquanto todos os olhos estavam voltados para o Telegram, que foi amplamente utilizado nos dias após a votação para organizar manifestações antidemocráticas, e onde as acusações de fraude e ataques ao processo eleitoral foram maciçamente difundidas.

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