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Como jovens palestinos resistiram à ocupação israelense: com um corte de cabelo

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Israel, Palestina, Direitos Humanos, Guerra & Conflito, Indígenas, Juventude, Mídia Cidadã, Política, Protesto, Refugiados

Bem-vindos à juventude palestina, Cartoon de Mahmoud Abbas, [1] usado sob permissão

Nas últimas semanas, jovens homens palestinos do campo de refúgiados Shu'fat, ao norte da Jerusalém ocupada, têm raspado a cabeça para enganar as tropas de ocupação israelense, que buscam Uday Al-Tamimi, de 23 anos [2], suspeito de realizar um ataque a tiros a um posto de controle militar próximo ao acampamento, em 8 de outubro.

No que ficou conhecido como  “Operação Shu'fat”, o incidente provocou a morte de uma soldada israelenses e ferimentos em dois outros soldados, ocasionando um cerco das forças de ocupação israelenses ao redor do acampamento.

Depois que as forças armadas de Israel publicaram a descrição do agressor como sendo careca, muitos jovens palestinos postaram um vídeo on-line deles mesmos raspando a cabeça em uma barbearia do acampamento, sem fazer comentários.

Mal sabiam que seus atos pacíficos de resistência provocariam uma onde de apoio popular entre jovens dentro e fora do acampamento, e também de outros países [3], que passaram a raspar a cabeça como uma tática de resistência não violenta em solidariedade aos residentes do campo de refugiados.

As autoridades de ocupação israelenses anunciaram que o jovem que executou o ataque ao posto de controle do acampamento Shu'fat no sábado passado, matando uma soldada e ferindo outros três soldados israelenses, e que ainda está solto, é careca. Para confundir ainda mais os israelenses, todos os jovens do acampamento rasparam a cabeça.

A tática é remanescente das revoltas palestinas [7] entre 1936 e 1939, quando palestinos das zonas urbanas abandonaram seus “tarbooshes” e começaram a utilizaar o “kufiya [8]” – tradicional lenço xadrez usado pelos “fallaheen” (residentes rurais) – em um esforço para enganar colonos britânicos, [9] os quais identificavam os rebeldes palestinos originários principalmente de áreas rurais por seus kufiyas.

Esse método de protesto não violento rapidamente viralizou nas redes sociais, inspirando vários trabalhos artísticos a prestar solidariedade. Isso também provocou demandas por outros atos de desafio, como o uso deliberado do primeiro nome de Tamimi [10], Uday, em conversas telefônicas, WhatsApp e mensagens SMS, em um esforço para iludir o maquinário de vigilância israelense [11] em seus esforços para localizá-lo.

Do rio ao mar, rasparemos nossas cabeças.

Em uma homenagem ao cartunista palestino Naji Ali [16], este artista incorporou a figura Handala [17] – um símbolo icônico da identidade e rebeldia dos palestinos.

Os palestinos também se voltaram para o humor para lidar com as realidades sombrias da situação.

Punição coletiva

Infelizmente, as realidades na Palestina estão longe de ser cômicas. Em abril de 2021, a Human Rights Watch publicou um relatório significativo [28] acusando Israel de cometer crimes contra a humanidade na forma de apartheid por meio de sua discriminação institucional e opressão sistemática dos palestinos.

Os recentes atos de desafio não agradaram as autoridades israelenses, cujos ataques a todos os tipos de protestos pacíficos palestinos têm sido, desde há muito, motivo de preocupação [29] na comunidade de direitos humanos.

Em 8 de outubro, as autoridades israelenses impuseram um confinamento de seis dias ao acampamento Shu'fat. Lar de aproximadamente 100.000 refugiados palestinos que foram removidos à força [30] de suas casas e terras nativas em 1948, na histórica Palestina, para o estabelecimento de Israel, o acampamento desde então foi separado do resto de Jerusalém pelo muro israelense, tornando-se uma grande prisão, onde Israel controla todos os pontos de entrada e saída [31]. Durante o recente confinamento militar, os moradores do acampamento foram impedidos de sair [31], ir ao trabalho, ir ao médico ou ter acesso a suprimentos e serviços básicos.

Diante dessa punição coletiva imposta ao acampamento durante a caçada para capturar Tamimi, os moradores do acampamento lançaram uma campanha de desobediência civil.

Em uma obsessão coletiva por “punição” e vingança, a ocupação cercou 150.000 palestinos em busca do autor da operação Shu'fat. A Cisjordânia declarou uma greve geral para amanhã, e a população do acampamento Shu'fat declarou desobediência civil em decorrência dos confrontos em curso. A Cisjordânia é uma bomba-relógio que explodirá diante da ocupação e das forças de segurança que a habilitam.

Os protestos ganharam força tanto na Cisjordânia quanto na Jerusalém Oriental ocupada, onde ocorreu uma greve comercial geral. Isso ocorreu em resposta a um apelo à greve [35] emitido pelo Areen al-Usud (“a toca do leão”), um grupo rebelde armado [36] composto por jovens de diversas origens políticas, que foi recentemente criado na cidade de Nablus, após a morte de Ibrahim al-Nabulsi [37], de 19 anos, outro jovem considerado como um herói local. O grupo tem liderado a resistência [38] contra os ataques do exército israelense ao campo de refugiados Jenin e à cidade de Nablus.

Recentemente, Nablus tem sido um local de agressões violentas por colonos [39] protegidos pelo exército israelense e também submetida a um confinamento semelhante ao imposto a Shu'afat desde 11 de outubro. Enquanto as autoridades israelenses flexibilizaram as restrições no campo de refugiados Shu'fat em 13 de outubro, elas permanecem em vigor em Nablus.

Os jovens palestinos que raspam a cabeça estão agora sujeitos a multas de 500 shekels [40] e provocações contínuas dos militares israelenses. Pelo menos 15 jovens [41] perderam o emprego como resultado de seu novo penteado.

Enquanto isso, a caçada por Uday Tamimi chegou ao fim em 19 de outubro [42], depois de tentar outro ataque a tiros a guardas israelenses no assentamento ilegal de Ma'ale Adumim [43], ao leste da Jerusalém ocupada. Depois de saber de sua morte, centenas de moradores de Shu'fat se reuniram nas ruas para prestar-lhe homenagem e saudá-lo como herói.

Em frente à casa do mártir lutador Uday Tamimi no acampamento Shu'fat.

A nova onda de resistência palestina

Nos últimos meses, as tensões na Cisjordânia aumentaram devido a um ciclo de operações militares israelenses [48], colonos armados aterrorizando os palestinos nativos [49] com impunidade e um aumento da resistência armada palestina. Este ciclo de violência faz parte da campanha [50] de operação militar “Quebre a Onda” de Israel contra a resistência armada palestina, que testemunhou um renascimento na Cisjordânia após a reviravolta da mobilização palestina desde maio de 2021 [51].

Na época, os palestinos da Cisjordânia, de Gaza e de Israel se uniram para protestar contra o deslocamento de residentes do bairro Sheikh Jarrah, [52] em Jerusalém Oriental, e os ataques a devotos na Mesquita Al Aqsa. Isso rapidamente se transformou em um ataque israelense de 11 dias contra a Faixa de Gaza sitiada [53], matando mais de 260 palestinos, incluindo 66 crianças.

No entanto, a subsequente solidariedade unificada deu nova vida à resistência armada na Cisjordânia.

Desde o início de 2022, as forças israelenses mataram pelo menos 165 palestinos [54] na Cisjordânia e na Faixa de Gaza ocupadas, incluindo 51 habitantes de Gaza, em agosto, durante o ataque de três dias de Israel ao local, no que a UNICEF descreveu como o “ano mais mortal desde 2006 [55]“.

Uma nova geração que tem se tornado cada vez mais descrente em relação às realidades brutais do apartheid israelense agora lidera a luta. Enquanto os palestinos nos territórios ocupados continuam a expressar simpatia [56] e preocupação por esses jovens na linha de frente do movimento de resistência, essa crescente solidariedade [57] está ajudando a unir comunidades ideológica e fisicamente fragmentadas.