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Lula é eleito presidente pela terceira vez e terá um Brasil dividido para governar

Categorias: América Latina, Brasil, Eleições, Governança, Indígenas, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Política, Brazil election 2022

Lula e o vice Geraldo Alckmin durante o primeiro discurso após o resultado da eleição ser confirmado | Imagem. Captura de tela/YouTube PT [1]

Com uma pequena diferença de 2.139.645 votos, 50,9% do eleitorado brasileiro [2]deu a Luiz Inácio Lula da Silva o terceiro mandato e fez dele o presidente mais votado [3] na jovem história democrática do país.

O atual presidente Jair Bolsonaro, de extrema-direita, é o primeiro presidente a não conquistar um segundo mandato [4] desde que a reeleição foi aprovada em 1997, teve sua primeira derrota política. Por sua vez, Lula é o primeiro ex-presidente a conquistar um terceiro mandato desde a redemocratização.

Em 30 de outubro, no segundo turno, Lula derrotou Bolsonaro com um recorde de mais de 60 milhões de votos, contra os 58 milhões do atual presidente. Quase 4 milhões de eleitores anularam o voto, o que é visto como voto de protesto [5] no Brasil, e 1,7 milhão de pessoas votaram em branco.

O tuíte publicado pela conta oficial de Lula para celebrar sua vitória foi o mais curtido [6] da história do Twitter Brasil, com mais de 1,4 milhão de curtidas e apenas uma palavra:

De um lado, esta eleição confrontou a história dos avanços  dos programas sociais [9] do Partido dos Trabalhadores de Lula, que foram prejudicados por escândalos de corrupção [10] no passado, e por outro lado, as taxas recordes de desmatamento de Bolsonaro [11], a negação da pandemia de COVID-19, o adiamento da compra de vacinas, as alegações de corrupção [12], o aumento dos índices de fome e   pobreza [13], a própria retórica do presidente e os ataques ao Supremo Tribunal Federal e aos críticos de seu governo.

Em uma campanha marcada por denúncias de desinformação, Bolsonaro tentou obter apoio do Congresso com pagamentos de “orçamento secreto” [14] e apostou na ampliação das despesas federais para diversos programas com a esperança de ganhar votos entre os mais pobres. Enquanto Bolsonaro criticava duramente a ajuda social do Bolsa Família [15] do PT quando estava no Congresso, durante esta campanha ele divulgou publicamente o quanto paga com seu próprio Auxilio Brasil.

Conforme a BBC informou [16]:

The impact of the measures launched by the government to increase social expenditure during the electoral period surpasses BRL 68 millions BRL (around USD 13 million) only in 2022, according to Valor Economico newspaper, based on data from constitutional amendments and the Economy Minister.

O impacto das medidas lançadas pelo governo para aumentar as despesas sociais durante o período eleitoral supera os R$ 68 bilhões somente em 2022, segundo estimativa do jornal Valor Econômico, a partir de dados das emendas constitucionais e do Ministério da Economia.

A campanha também foi marcada por casos de assédio. Em igrejas evangélicas [17], pastores teriam pressionado e ameaçado seus fiéis a votar em Bolsonaro, fazendo com que muitos deixassem de frequentar [18] cultos e missas.

Os trabalhadores também relataram assédio no local de trabalho [19], pois alguns chefes os pressionaram a votar em seu candidato preferido, e um houve o aumento de 3.000% nas denúncias [20] entre o primeiro e o segundo turno. Muitos empregadores ameaçaram demitir seus trabalhadores [21] se Lula fosse eleito.

No dia de votação do segundo turno, houve relatos [22] de que a Polícia Rodoviária Federal estava causando atrasos e engarrafamentos ao parar e revistar veículos, contrariando uma ordem do Tribunal Eleitoral [23] (TSE). Os relatos ocorreram principalmente na região Nordeste, [24] onde Lula era o favorito.

Derrota

Bolsonaro também demorou mais do que qualquer outro candidato em 20 anos para admitir a derrota [25]. No dia 1º de novembro, fez uma declaração pública [26] de cerca de dois minutos, mas não mencionou Lula em nenhum momento ou sequer admitiu sua vitória. No discurso, limitou-se a agradecer os votos que recebeu, enaltecendo como legítimos os protestos que obstruíram as rodovias [27] por não aceitarem o resultado, mas pediu a seus apoiadores que garantissem aos demais o direito de ir e vir.

Segundo relatos da imprensa brasileira, após a confirmação da eleição de Lula, Bolsonaro apagou as luzes [28] do Palácio da Alvorada — residência presidencial — e recusou-se a falar com os aliados.  O atual vice-presidente Hamilton Mourão, que foi eleito senador, telefonou [29] para o vice-presidente eleito Alckmin no dia seguinte.

Stephen Bannon, o conselheiro de Trump que foi condenado [30] e é próximo da família Bolsonaro [31], disse ao jornal Folha de S. Paulo [32] que Bolsonaro deveria pedir a recontagem de votos e se recusar a ceder a presidência até que isso tenha sido feito.

Bolsonaro, que contestou o sistema de votação [33] mais de um ano antes das eleições, apesar de  ter sido eleito com voto eletrônico em cinco outras ocasiões, pediu às Forças Armadas que fizessem uma contagem paralela [34] de votos e emitissem um relatório desde o primeiro turno. Tal relatório ainda não foi divulgado, mesmo com os pedidos recorrentes [35] da Justiça Eleitoral.

Enquanto isso, alguns dos apoiadores mais próximos de Bolsonaro começaram a reconhecer a derrota, como o ex-ministro do Meio Ambiente e deputado federal eleito de São Paulo, Ricardo Salles [36]:

Carla Zambelli, deputada federal bolsonarista reeleita, que vergonhosamente perseguiu e apontou uma arma [38] para um homem negro, [39]partidário de Lula, com quem teve uma discussão política com ela e sua equipe na véspera do segundo turno, também reconheceu os resultados publicamente:

Posteriormente, com os relatos de que os bolsonaristas bloquearam rodovias em protesto pelo resultado e que alguns pediram intervenção militar, Zambelli tuitou:

Na noite de 31 de outubro, sem qualquer ação do governo Bolsonaro a respeito dos bloqueios, Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superios Eleitoral, ordenou [42] que as estradas fossem liberadas. O chefe da Polícia Rodoviária Federal poderia ser preso [43] caso não cumprisse a ordem.

Depois da vitória

Na noite de 30 de outubro, milhões de pessoas saíram às ruas para celebrar a eleição de Lula em todo o país. Um desses locais foi a Avenida Paulista, em São Paulo, uma região famosa para protestos políticos.  Em um dos discursos após sua confirmação eleitoral, Lula disse [44]:

This is not my or the Workers’ Party win, neither from the parties that supported me in this campaign. It’s a victory of an immense democratic movement that was formed, above political parties, personal interests and ideology, so democracy could be the winner.

Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora.

Em seu discurso, o presidente eleito reforçou [44] seu compromisso com programas sociais, a luta contra  os índices de fome e desmatamento, e a proteção dos indígenas, enquanto trabalhará pelo  desenvolvimento econômico.

Durante seus discursos, Lula foi acompanhado pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin [45], seu adversário em 2006, quando foi reeleito para um segundo mandato. Alckmin, ex-governador de São Paulo, foi filiado por anos ao PSDB, partido com perfil de centro-direita que apoiou o impeachment de Dilma Rousseff, [46] e que era o tradicional rival do PT.

Outra figura proeminente ao lado de Lula foi a senadora Simone Tebet [47], que ficou em terceiro lugar no primeiro turno e que fez campanha para Lula no segundo turno. Tebet é do MDB [48], partido que liderou o processo e assumiu a presidência após o impeachment de Dilma, no qual a senadora votou a favor [49].

Durante a campanha, Lula também teve o apoio de outras figuras mais alinhadas ao liberalismo econômico, como o ex-ministro da Economia Henrique Meirelles [50] e João Amoedo [51], milionário [52] que concorreu à presidência em 2018 e que agora foi suspenso [53] do próprio partido por declarar publicamente que votaria em Lula.

Embora a eleição de Lula seja um retorno da esquerda na América Latina [54], ainda não se sabe o quanto seu governo será progressista. Com mais de 15 partidos [55] apoiando sua candidatura, é possível que seu governo tenha que que fazer concessões e acordos com uma variedade de agendas políticas.

Além disso, ele também terá que negociar com um Congresso conservador pró-Bolsonaro. Entre os eleitos deste ano está Sergio Moro [56], o juiz que condenou Lula por acusações de corrupção em um processo posteriormente anulado pelo STF,  que o considerou parcial [57]. Moro então se tornou ministro de Bolsonaro e será senador federal a partir de 2023.