- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Explicando o 20º Congresso do Partido Comunista Chinês: combater e lutar

Categorias: Leste da Ásia, China, História, Língua, Mídia Cidadã, Política
[1]

Poster da Revolução Cultural convocando as pessoas a se erguerem e lutarem contra os revisionistas do partido. Domínio público, imagem via libcom.org [1]

O 20º Congresso do Partido Comunista Chinês [2] (PCC) encerrou-se em 22 de outubro. Como esperado, o secretário-geral do partido e presidente chinês Xi Jinping garantiu seu terceiro mandato como principal líder do partido por mais cinco anos. A Global Voices está publicando uma série que explora a linguagem utilizada durante o 20º Congresso e analisa suas implicações para a China, PCC e para a livre expressão na nação. Encontre aqui o primeiro artigo [3].

De forma bastante chocante, tanto os colegas quanto altos funcionários experientes, incluindo Li Keqiang [4], primeiro-ministro cessante, Wang Yang [5], presidente cessante do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, and Li Zhanshu [6], presidente cessante do Congresso Nacional do Povo, deixaram de fazer parte da lista de 204 membros do Comitê Central. Os seis, que entraram no novo Comitê Permanente do Birô Político são leais a Xi [7]. Tal fato implica que o topo do corpo do partido será formado exclusivamente por vozes que concordam com Xi Jinping.

Esta nova composição de poder se reflete no uso frequente da palavra douzheng por Xi, 鬥爭 em chinês e traduzida como “combate” ou “luta”, em seu relatório no 20º Congresso do PCC.

Ousar combater

A palavra chinesa, douzheng, foi usada no discurso de abertura do Xi Jinping 22 vezes. O espírito de luta é mesmo poderoso se levarmos em conta outro termo afiliado, fendou (奮鬥), que significa ” se esforçar” ou “lutar” e também apareceu 28 vezes no mesmo discurso.

No parágrafo introdutório, Xi salientou que o partido deve ter a coragem de combater e ser hábil na luta (务必敢于斗争、 善于斗争). Com efeito, uma Resolução foi aprovada na sessão de encerramento do Congresso para codificar este espírito de luta na Constituição do PCC. A Resolução do partido [8]estabelece que:

敢於鬥爭、敢於勝利,是黨和人民不可戰勝的強大精神力量。黨和人民取得的一切成就,都是通過鬥爭取得的。大會同意把發揚鬥爭精神、增強鬥爭本領的內容寫入黨章。充實這些內容,對激勵全黨堅定歷史自信 […] 把握新的偉大鬥爭的歷史特點,團結帶領全國各族人民奪取中國特色社會主義新勝利…

‘Ousar lutar e ousar vencer’ é o poder espiritual invencível do partido do povo. O partido e o povo ganharam todas as conquistas por meio do combate e da luta. O Congresso, portanto, concordou em incluir ‘a promoção do espírito de luta e da capacidade de lutar’ na Constituição do partido. Este conteúdo adicional aumentaria a confiança do partido na história… compreender e dominar as novas características da grande luta histórica, unir e levar as pessoas de todos os grupos étnicos a ganhar a realização do socialismo com características chinesas na nova era…

Para desgosto de Pequim, a composição notória do Comitê Permanente do Birô Político do PCC, juntamente com a ênfase no combate e na luta, levou muitos dissidentes chineses no exterior a acreditarem que o episódio inesperado do ex-líder Hu Jintao sendo escoltado para fora da sala do Congresso durante a sessão de encerramento foi resultado da disputa interna do partido:

Novo ângulo de peso pesado! Hu jintao e Xi Jinping lutam pelo poder. Hu Jintao saiu com relutância. Xi Jinping o obrigou a partir.

Mas alguns críticos da China, como Han Lianchao, advertiram contra [11]o exagero na interpretação do drama de encerramento.

Da luta de classe de Mao à luta existencial de Xi

O uso político do termo chinês douzheng teve origem na tradução do conceito marxista de luta de classes, que descreve um processo político da luta do proletariado contra a exploração dos capitalistas. Desde a criação da República Popular da China, o PCC, sob a liderança de Mao Tsé-Tung, tem utilizado a ideia de “luta de classes” para lançar suas campanhas políticas, incluindo o Movimento de Reforma Agrária [12](1948–1950), e a Campanha Antidireitista [13](1957–1959). Sob a teoria da “luta de classes contínua sob o socialismo”, Mao mobilizou as bases para lutarem contra os “revisionistas” do PCC, o que acabou por levar à Revolução Cultural [14] (1966–1976), um turbilhão político de dez anos em que dezenas de milhões de intelectuais e oficiais foram perseguidos e eliminados.

Após a morte de Mao, em setembro de 1976, Deng Xiaoping, o arquiteto da Reforma da Política de Portas Abertas [15]da China, substituiu a teoria da luta de classes de Mao pelo pragmatismo orientado para a economia. Hu Jintao seguiu o pragmatismo de Deng defendendo princípios como a “Visão científica do desenvolvimento [16]”, “Sociedade harmoniosa [17]” e “No Z-turn”(不折騰). 

Contudo, as ideologias de Mao têm proliferado desde 2012, quando Xi Jinping reavivou o termo “luta”, por meio de suas campanhas ideológicas [18] para silenciar os críticos on-line, controlar todos os meios de comunicação e lançar campanhas anticorrupção de âmbito nacional, que resultaram na punição de mais de 4,5 milhões [19] de oficiais do partido e do governo nos últimos dez anos. 

No último relatório do Congresso de Xi, o termo douzheng foi estendido a todas as áreas políticas, incluindo as lutas contra separatistas, extremistas religiosos, terroristas, contenção e interferência estrangeira, corrupção, burocracia, a luta para reforçar o poder militar, entre outras. Xi concluiu a sua missão política como “uma união de luta para reanimar a nação chinesa e construir um país socialista moderno em todos os aspectos” no discurso dele.

Muitos dissidentes chineses no exterior anteciparam uma luta interminável dirigida a diferentes grupos sociais, aqui está uma conversa amplamente compartilhada entre dois usuários chineses do Twitter, @laoyang e @winston:

@laoyang: Xi Jinping é bom em derrubar a população de alto nível (os ricos e os poderosos), Li Qiang é bom em derrubar a classe média, Cai Qi é bom em derrubar a população de classe baixa (de base e marginalizados), eles formam o combo dos sonhos.

@winston: Mao Tsé-Tung: ‘Que grande alegria lutar contra o céu, a terra e o povo’. Foi por isso que ele torturou o povo chinês durante 30 anos (colocando a população da classe alta em estábulos e enviando a população de classe baixa para as aldeias rurais). Agora Xi Jinping incorporou a tática de luta na Constituição do partido. Os chineses subordinados do continente devem estar preparados para experimentar a tortura que a geração de seus pais sofreu.

Li Qiang [21]é o chefe do PCC em Xangai. Muitos acreditam que ele conseguiu seu ingresso no Comitê Permanente do Birô Político por apoiar a estratégia de zero COVID de Xi. Já Cai Qi [22] lançou uma campanha para expulsar a população de baixa renda de Pequim em 2017 [23]quando era o chefe do partido na cidade. Depois disso, ascendeu rapidamente a escada política dentro do PCC. Os outros quatro membros, Zhao Leji, Wang Huning, Ding Xuexiang e Li Xi também são leais à Xi. [24]

Como o poder de Xi Jinping dentro do PCC está totalmente consolidado, a essência da próxima “luta” soa cada vez mais como uma tentativa de controle social total, como alguns analistas políticos sugeriram: 

‘Todos acreditam que a China, com seus vastos sistemas de vigilância e controle social repressivo, agora se assemelha à União Soviética de Stalin e à China de Mao Tsé-Tung. Na opinião deles, até mesmo a Rússia e o Irã têm mais espaço para divergências.’