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Poeta ugandesa divulga mensagem apesar da nova lei para criminalizar a dissidência on-line

Categorias: África Subsaariana, Alemanha, Quênia, Uganda, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Política, Relações Internacionais, Tecnologia
Dr. Stella Nyanzi, at a Human Rights Convention in 2018 where she was a panelist. Photo Credit- Chapter Four Uganda. Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.0 Generic (CC BY-NC-ND 2.0)

Dra. Stella Nyanzi em Convenção de Direitos Humanos em 2018, onde foi palestrante. Crédito – Chapter Four Uganda [1]. Atribuição não comercial sem derivados 2.0 Genérica (CC BY-NC-ND 2.0).

Esta semana, o presidente da Uganda, Yoweri Museveni, sancionou [2] o controverso Projeto de Lei de Uso Indevido de Computador (emenda) um mês depois de ter sido aprovado no parlamento. A lei, que muitos defensores dos Direitos Humanos criticam [3] como um movimento para amordaçar a dissidência on-line, proíbe os ugandeses de escrever, enviar ou compartilhar informações suscetíveis de ridicularizar, degradar ou rebaixar outra pessoa, tribo, religião ou gênero.

O presidente Museveni sanciona o controverso Projeto de Lei de Uso Indevido de Computador (Emenda) 2022, apesar do apelo velado a ele para rejeitá-lo. A lei criminaliza a partilha de informações não solicitadas. Também criminaliza a gravação de voz ou vídeo de outra pessoa sem o seu consentimento.

Isso ocorre quase uma semana depois que seu filho, o general Muhoozi Kainerugaba, provocou uma crise diplomática [6] no Twitter com seu vizinho Quênia. No entanto, são os críticos mais proeminentes de Museveni e dissidentes on-line, como a poetisa, antropóloga médica e ativista de direitos humanos Dra. Stella Nyanzi [7], e o romancista e advogado Kakwenza [8] Rukirabashaija [8], que podem ser os mais afetados pela lei. 

A Dra. Nyanzi é indiscutivelmente uma das usuárias de rede social mais ativas e sinceras de Uganda, com seus mais de 300.000 fãs no Facebook [9].

Apesar da poesia sexualmente explícita [10] da Dra. Nyanzi ser criticada por puristas literários como não poética o suficiente, ela continuou a conquistar muita popularidade e seguidores para além de seu país, mesmo enquanto continua a provocar o presidente Museveni toda vez que escreve um poema em protesto contra sua liderança. Seu poema provocativo e explícito [11] publicado em sua página do Facebook um dia após o aniversário de 74 anos de Museveni fez com que ela fosse presa e acusada de “assédio cibernético e comunicação ofensiva”. O poema, que visava condenar o governo de 33 anos de Museveni, dizia em parte:

“Yoweri, they say it was your birthday yesterday!
How morbidly grave a day!
I wish that Esiteri's cursed genitals had pushed out a monstrously greenish-bluish still-birth.
You should have died at birth, you dirty delinquent dictator…
You should have died in birth, Yoweri Kaguta Museveni.”

‘Yoweri, dizem que foi seu aniversário ontem!
Que dia mórbido!
Gostaria que os genitais amaldiçoados de Esiteri tivessem dado à luz um natimorto monstruosamente azul-esverdeado.
Você deveria ter morrido ao nascer, seu ditador delinquente e sujo…
Você deveria ter morrido ao nascer, Yoweri Kaguta Museveni.’

Ela foi condenada a uma pena de prisão de 18 meses [12], a sentença foi revogada posteriormente [13] e ela foi libertada [13] depois de passar mais de nove meses [14] na prisão em 2019 [15] por publicar esse poema.

No mesmo ano, a Dra. Nyanzi foi presa e acusada de assédio cibernético por insultar Museveni depois que ela escreveu e publicou um poema sobre a vagina da mãe do presidente em sua página do Facebook. Ela cumpriu uma pena de 18 meses.

Anteriormente, em 2017, ela passou 33 dias na prisão feminina de segurança máxima por seu post no Facebook que descrevia Museveni como “um par de nádegas”.

Ela pagou um preço alto [16] por sua poesia franca e sua recusa em se desculpar [17], incluindo a perda de seu emprego de professora, encarceramento, tortura, um aborto espontâneo, constante assédio policial e, finalmente, a privação de sua liberdade e direito de viver [18] em seu país de origem.

O estilo de protesto da Dra. Nyanzi tem sido criticado tanto por puristas literários como por grupos feministas pela sua vulgaridade. Quando foi suspensa do seu emprego de professora na Universidade Makerere em 2016 [7], ela protestou contra a decisão despindo-se e acorrentando-se em seu escritório. 

We talked about writing ourselves to freedom! We talked about being arrested and detained because our writing offends dictator Museveni. While Kakwenza says the dictator is a fool, I say the dictator is a pair of buttocks. Our freedom to write, is not for negotiation. part of the Facebook post read [19]

Nós falamos sobre nossa liberdade através da escrita! Falamos sobre sermos presos e detidos porque nossa escrita ofende o ditador Museveni. Enquanto Kakwenza diz que o ditador é um tolo, eu digo que o ditador é um par de nádegas. Nossa liberdade de escrever, não está aberta para negociação. Íntegra da leitura do post no Facebook. [19]

Um tuíte criminalizado, outro promovido

A Dra. Nyanzi estava vivendo no exílio em Nairóbi [20] até janeiro deste ano, quando se mudou para a Alemanha em um programa de escritores no exílio dirigido pela PEN Alemanha com seus três filhos. Ela fugiu de Uganda em fevereiro de 2021 após sofrer perseguição política pelo governo de Museveni. Em setembro, ela voltou ao Quênia para sua turnê de um mês pelas cidades de Nairóbi, Kisumu e Mombaça, promovendo seu último livro “No Roses From my Mouth”.

Semanas depois que a Dra. Nyanzi começou sua turnê no Quênia em Nairóbi [21], com leituras do livro e autógrafos de suas três coleções de poesia em setembro deste ano, o alvoroço no Twitter de Muhoozi [6] contendo ameaças de captura militar de Nairóbi resultou em uma crise diplomática entre o Quênia e Uganda [22].

Ao contrário dos tuítes de Muhoozi sobre Nairóbi [6], que atraíram a ira de quenianos furiosos on-line [6], a Dra. Nyanzi foi bem recebida pelos quenianos tanto on-line [23] quanto nos locais onde realizou leituras de livros e autógrafos.

“Em Uganda, não sou respeitada como poeta ou escritora. Não sou convidada para leituras de livros onde todos querem um autógrafo. Esse tipo de coisa nunca acontece no meu país”, explicou ela enquanto se desculpava pelo seu desabafo emocional.

Quando ela começou a chorar na livraria Cheche em Nairóbi à medida que a moderadora da sessão, Nanjala Nyabola, a apresentava, ela explicou como ficou impressionada com o amor e admiração que os quenianos tinham por ela e seu trabalho.

No Quênia, as pessoas dizem: ‘Wewe ni Mshairi wetu!’ Isso se traduz de Kiswahili como ‘Você é nossa poeta!’. Em Uganda, o idiota no poder me aprisionou por causa dos meus poemas. No Quênia, os jornalistas reconhecem que sou uma poeta que usa as palavras como armas. Sou a poeta que luta com palavras pungentes.

As postagens anteriores da Dra. Nyanzi no Facebook renderam a ela acusações de assédio cibernético e até oito meses de prisão. No entanto, o recente escândalo ‘Twiplomático” de Muhoozi lhe rendeu uma promoção [6] de tenente-general a general, o mais alto posto militar.

Agora a Uganda criminalizou o uso de redes sociais com a aprovação do Projeto de Lei de Uso Indevido de Computador (emenda) de 2022 [26], que os defensores dos direitos digitais condenaram por ser retrógrado. Assim, a ironia na dualidade de como Museveni lidou decisivamente com o uso do Twitter de Muhoozi em comparação com o da Dra. Nyanzi não passou despercebida para muitos ugandeses.

Ao falar com a mídia queniana [27] após o movimento para promover seu filho, o presidente Museveni disse;

This is because this mistake is one aspect where he has acted negatively as a Public officer.

There are, however, many other positive contributions the General has made and can still make.

This is a time-tested formula – discourage the negative and encourage the positive.

Esse equívoco é um aspecto em que ele agiu negativamente como funcionário público.

Há, no entanto, muitas outras contribuições positivas que o general fez e ainda pode fazer.

Esta é uma fórmula testada pelo tempo, desencoraje o negativo e encoraje o positivo.

Uganda eleito o pior violador de direitos digitais

Dr Nyanzi on a panel at Human Rights Convention, 2018. Photo credits- Chapter Four Uganda. Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.0 Generic (CC BY-NC-ND 2.0)

Dra. Nyanzi em um painel na Convenção de Direitos Humanos, 2018. Crédito – Chapter Four Uganda. Atribuição não comercial sem derivados 2.0 genérica (CC BY-NC-ND 2.0).

Durante um recente fórum da liberdade na internet na Zâmbia, vários palestrantes criticaram Uganda por suas violações, considerando-o um exemplo global [28] do pior violador de direitos digitais.

O país tem um histórico sombrio sobre os direitos digitais, segundo um relatório de 2020 da Paradigm Initiative [29].

Desde 2017, bloqueios da internet estão [30] em ascensão. Em 2018, o país introduziu um imposto de rede social [31] que foi abandonado três anos depois. O país então introduziu uma nova taxa sobre os dados da internet [32].

Em 2021, antes das eleições de janeiro, o governo bloqueou o Facebook. [33]Uma semana depois, o acesso a toda a internet foi bloqueado por quase uma semana, enquanto o acesso a outras plataformas de rede social foi restaurado após um mês.

O governo continua a exercer a alterada Lei de Uso Indevido de Computadores de 2021 para prender, deter e até torturar dissidentes, muitos deles figuras semelhantes a Dra. Nyanzi.

Em fevereiro deste ano, o autor ugandês Kakwenza Rukirabashaija fugiu do país [34] depois de passar quase um mês na prisão [35]. Kakwenza foi acusado de comunicação ofensiva [35] por uma série de tuítes que ele postou criticando o filho do presidente Museveni, general Muhoozi.

À medida que o projeto de lei aprovado se torna lei, Bwambale Asiimwe Micheal, advogado de direitos humanos do Centro de Projeto de Lei de Refugiados para Migrantes Involuntários da Faculdade de Direito da Universidade Makerere, vê isso como um movimento [36] do estado para armar ainda mais a lei, a fim de silenciar a dissidência.

 It is clear that the Ugandan state is weaponizing the law to pave the way for an even more repressive and coercive environment under the guise of ‘preventing misuse of online platforms.’ Laws like this must not be passed at the price of curtailing the public’s bedrock rights to free expression and association. Any such initiatives should be developed in close harmony with prevailing international human rights standards relating to freedom of expression, not used to merely entrench an abusive regime that now seems intent on consolidating its political power at all costs.

É evidente que o estado da Uganda está armando a lei para abrir caminho para um ambiente ainda mais repressivo e coercitivo sob o pretexto de ‘impedir o uso indevido de plataformas on-line’. Leis como essa não devem ser aprovadas às custas de restringir os direitos fundamentais do povo à liberdade de expressão e associação. Quaisquer iniciativas desse tipo devem ser desenvolvidas em estreita harmonia com os padrões internacionais de direitos humanos vigentes, relacionados à liberdade de expressão, e não usadas apenas para entrincheirar um regime abusivo que agora parece empenhado em consolidar seu poder político a todo custo.

Ainda ativa em sua página no Facebook, apesar da nova lei, a Dra. Nyanzi recentemente se juntou a outros poetas ugandeses e fãs de poesia on-line [37] para a inauguração da antologia poética intitulada “Ebyoya by'enswa: 60 poemas para 60 anos da Independência da Uganda”, que ela editou em conjunto com Obed Obedgiu Kwokuboth Jalmeo.