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O mundo deve ouvir as vozes das mulheres iranianas

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Irã, Ativismo Digital, Censorship, Direitos Humanos, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Mulheres e Gênero, Política, Protesto, Tecnologia, The Bridge, GV Advocacy, "Women, life, freedom" Iran revolts

Mulheres tirando seus hijabs e agitando-os durante o funeral de Mahsa Amini. Saqqez, Curdistão, 17 de setembro. Imagem da Reportagem da BBC News [1]. Utilização livre.

O nome Mahsa (Jina) Amini tornou-se um grito de guerra para que milhões de pessoas no mundo protestem contra a opressão do governo iraniano contra seus próprios cidadãos. A hashtag #MahsaAmini bateu [2] recordes nas redes sociais pelo número de vezes que foi compartilhada, e a morte de Amini gerou um movimento dentro do Irã liderado por mulheres e uma jovem geração de iranianos criado nas redes sociais e na internet.

Esse protesto é único porque é a primeira vez que iranianos, de diferentes origens socioeconômicas e idades, tomaram as ruas em torno de uma exigência primária de justiça para uma mulher e para os direitos das mulheres. O slogan do protesto — “Mulher, Vida, Liberdade!” — originalmente um lema curdo, que foi traduzido para o persa e repetido em todo o Irã e no mundo — é uma prova da natureza feminina e feminista desses protestos.

Mahsa, uma mulher curda iraniana de 22 anos que visitava Teerã com sua família, foi hospitalizada e entrou em coma, depois de ser presa pela polícia da “moralidade” pelo “uso inadequado do hijab”. [3] A prisão de Mahsa e, em seguida, sua morte em 16 de setembro desencadeou uma indignação generalizada no Irã, com muitas mulheres iranianas identificando-se com sua situação.

A jornalista iraniana Niloofar Hamedi foi uma das primeiras a contar a história [4]. Ela publicou uma foto de Mahsa na cama do hospital, conectada a aparelhos e tubos que tentam salvar sua vida, e uma foto de sua família se abraçando no corredor vazio do hospital depois de ouvir a notícia de que ela estava em coma. Ambas as fotos se tornaram virais. Desde então, Hamedi foi presa [5] e permanece sob custódia.

A morte de Mahsa repercutiu principalmente entre as iranianas, que compartilharam experiências semelhantes ou temores de serem arbitrariamente presas pela polícia da “moralidade”. Mahsa foi presa quando saía da estação de metrô em Teerã com seu irmão. De acordo com relatos, Mahsa e seu irmão foram espancados no momento de sua prisão [6].

Mahsa não parava de implorar à polícia para não a prender porque ela não era do local e não conhecia a cidade grande. Este ponto, bem como a inocência de Mahsa, comoveu os iranianos, especialmente aqueles nas províncias, que podem se imaginar, e a seus entes queridos, em uma assustadora situação semelhante. Essa identificação contribuiu para a explosão de indignação pela morte de Mahsa com a impunidade da polícia da “moralidade”.

Os protestos pela morte de Mahsa, e a recusa dos oficiais em prestarem conta e assumirem a responsabilidade por esta morte sem sentido contribuíram para a indignação, o desencadeamento de queixas sobre o status quo político e a demanda por democracia.

A família de Mahsa resistiu às pressões das forças de segurança para enterrá-la silenciosamente e à noite. Em vez disso, ela foi enterrada em sua cidade natal, Saqez, na província do Curdistão. O enterro atraiu multidões, incluindo mulheres que removeram seus véus e gritaram contra a violência com a qual o uso obrigatório do hijab foi aplicada.  Essas cenas foram exibidas em todo o país e se tornaram virais no Irã e no mundo.

Mulheres protestam em Teerã enquanto agitam seus véus.

Os protestos continuam no Irã, apesar de uma violenta repressão estatal e severas restrições à internet.

Estudantes universitários e grupos de mulheres também convocaram protestos, que persistiram apesar de graves repressões e violência com a intenção de reprimi-los. As mulheres confrontaram as forças de segurança sem seus hijabs e, em alguns casos, queimaram seus véus. Os protestos se espalharam [10] por pelo menos 85 cidades do país, com mulheres e jovens à frente.

Táticas repressivas da cartilha do regime

Enquanto isso, as autoridades iranianas têm usado suas táticas repressivas habituais para responder aos protestos em todo o país. Vídeos nas redes sociais mostram as forças de segurança atacando manifestantes com munição real e de chumbo, gás lacrimogêneo e cassetetes. Um grande número de defensores dos direitos humanos, advogados, jornalistas e ativistas estudantis foram presos [11]. Esse número de defensores de direitos e ativistas estudantis presos está crescendo, o que dificulta a documentação.

Dada a natureza centrada nas mulheres desses protestos, as defensoras dos direitos humanos das mulheres [12], feministas [13] e ativistas estudantis têm sido os alvos principais. Pelo menos [14] 50 [14] mulheres defensoras dos direitos humanos e mais de 25 ativistas estudantis foram presas [15]. Desde 12 de outubro, cerca de 200 pessoas foram mortas [16] pelas forças de segurança desde a eclosão dos protestos mais recentes.

Para evitar que os manifestantes organizassem e compartilhassem vídeos de protestos, o acesso à internet foi interrompido [17] e as plataformas, aplicativos on-line como WhatsApp e Instagram, e até videogames que envolvem comunicações on-line foram bloqueados.

Os protestos persistiram apesar da brutal repressão do governo. O slogan do protesto, o grande número de mulheres que estão nas ruas e as demandas dos manifestantes, que se concentram nos direitos corporais, bem como na mudança política e na liberdade, chamaram a atenção do mundo, especialmente das mulheres que se identificam com a luta das iranianas contra o patriarcado e a demanda por autonomia corporal.

Mulheres no Irã assumem o comando na luta contra o patriarcado

Durante décadas, as mulheres iranianas vêm defendendo a igualdade de gênero, e têm usado as redes sociais [18] para garantir que seus atos de resistência sejam refletidos para um público mais amplo. A manifestante Vida Movahed [19] subiu em uma plataforma na rua Enghelab (Revolução), amarrou seu véu a um bastão e o balançou diante de uma multidão em 2017. Seu ato de protesto, que foi filmado em vídeo e viralizou nas redes sociais, tornou-se uma inspiração para que inúmeras outras mulheres no país fizessem o mesmo. Essas mulheres são conhecidas como “As Meninas de Enghealb ou da Rua da Revolução”.

“É preciso muita coragem (ou bravura) para fazer isso (ou agir) novamente”.

Sepiedeh Rashnoo [23] foi muito elogiada em julho de 2022 por enfrentar bravamente um agente da lei do hijab dentro de um ônibus. As imagens dela sendo assediada no ônibus viralizaram e ela foi presa logo depois. A televisão estatal, então, exibiu de forma vergonhosa, um vídeo de sua “confissão” no qual seus olhos pareciam machucados.

A morte de Mahsa é apenas a mais recente de uma longa linha de abusos cometidos pela República Islâmica contra as mulheres. É claro que grupos de mulheres se organizam on-line há mais de uma década para aumentar a conscientização sobre a discriminação contra elas e prevenir a violência de gênero. Sua base na internet e nas mídias sociais [24], com a intenção de construir apoio e impulso político para a igualdade de gênero no país, tem aumentado continuamente à medida que o espaço civil se tornou cada vez mais restrito e fechado.

O Instagram, que não foi bloqueado no país antes desta rodada de protestos, tem sido uma plataforma vital para ativistas feministas. O aplicativo tem sido usado para aumentar [25] a conscientização pública sobre assédio [26] sexual e discriminação [27] de gênero, bem como defender [28] a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Não é surpresa que o ativismo on-line não é tolerado pelo governo iraniano [29], que trabalha incansavelmente há décadas para fechar e restringir todos os tipos de espaços civis. Como resultado, muitos defensores dos direitos humanos, que usam as redes sociais para defender suas causas ou expressar suas ideias têm enfrentado repercussões.

Nesta atual conjuntura, o governo iraniano está tentando silenciar as vozes de mulheres tanto on-line como off-line, além de todos os dissidentes através de uma repressão brutal e contínua.

Apoio essencial das Big Techs

Felizmente, a comunidade global pode ajudar o povo iraniano em sua luta por uma mudança democrática pacífica. Em primeiro lugar, é preciso convocar as empresas tecnológicas para disponibilizar suas ferramentas e serviços aos iranianos. Essas plataformas e serviços foram bloqueados [30] nos últimos anos por sanções dos EUA, o que ironicamente facilitou censura on-line do governo iraniano, pressionando os iranianos a usarem plataformas nacionais inseguras.

Contudo, uma nova licença emitida pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos [31] esclarecendo as isenções de sanções existentes, colocou a bola no campo de empresas como Google, Meta e Apple, permitindo que elas forneçam suas ferramentas de comunicação aos iranianos.

A resposta de algumas empresas de tecnologia tem sido lenta. Por exemplo, iranianos com iPhones ainda são incapazes de baixar VPNs tão necessários da Apple Store, o que permitiria o acesso à internet durante tempos críticos. Embora o governo e o tesouro dos EUA sejam responsáveis por garantir que as empresas de tecnologia entendam as licenças que permitam a elas fornecer tecnologia de internet aos iranianos, as empresas de tecnologia também devem desempenhar um papel proativo nesse sentido.

Os que buscam liberdade em todo o mundo também devem informar aos iranianos que eles não estão sozinhos. A solidariedade, seja na forma de declarações da ONU ou de outros órgãos internacionais e organizações não governamentais [32], seria muito bem-recebida por ativistas que enfrentam a repressão da República Islâmica. Em última análise, a mudança no Irã só pode vir de movimentos sustentados e liderados pela população, mas a comunidade internacional pode ajudar a garantir que as autoridades iranianas sejam responsabilizadas por suas ações e violações de direitos.