Protestos mais recentes no Irã são sem precedentes e eis o porquê

Manifestantes iranianos na Keshavarz Boulevard, setembro de 2022. Foto por Darafsh – Acervo próprio (CC BY-SA 4.0).

Os protestos inéditos que ocorreram esta semana no Irã, uma nação governada pela Teocracia há mais de 40 anos, inflamaram a população do país até o ponto da indignação.

Enquanto eu há muito defendo que os iranianos estão preparados para uma mudança fundamental, isto parece ser diferente. Não digo isso para insinuar que a população não buscou mudanças durante esse período. A fúria nas ruas do Irã foi provocada pela morte de Mahsa Jina Amini, mas a chama já está viva há mais de duas décadas. No entanto, os protestos atuais parecem ter um caráter diferente de tudo que alguma vez vimos e estão genuinamente subvertendo o regime no poder.

Usando imagens e vídeos do Irã, conseguimos claramente identificar três motivos pelos quais o que está acontecendo no Irã é único e o porquê de a nação estar chegando a um ponto de virada.

A população está indignada e é destemida

Duas das diferenças mais evidentes entre os protestos passados e a revolta atual são a coragem incrível demonstrada pelos manifestantes e a fúria que estão liberando contra o regime.

Muitos vídeos mostram como os manifestantes estão avançando à medida que as autoridades fogem aterrorizadas. A população jovem, formada de pessoas nascidas após a revolução de 1979, está exigindo os seus direitos e não tem medo da repressão do regime.

Os manifestantes do seguinte vídeo da cidade de Rasht estão sendo perseguidos pela equipe de segurança e sendo atingidos com tasers e cacetetes até um manifestante se virar para encarar o seu agressor. Outros manifestantes cercam e atacam membros da força de segurança.

Estes tipos de confrontos eram raros e pouco frequentes em anos anteriores, mas começam a aumentar como demonstração de apoio e autodefesa.

Terapia? Não, apenas vi a população de Rasht batendo em agentes de Khamenei.

O tuíte a seguir é da cidade de Amol. O jornalista Farzad Seifikaran se refere aos manifestantes que estão fazendo as forças de segurança recuarem, mas também nota que a fonte que compartilhou o vídeo, alegadamente, declarou que vários manifestantes foram atingidos por tiros, feridos ou mortos durante o confronto.

‘Acabei de receber este vídeo de #Amol, vejam como as pessoas fazem as forças de segurança recuar. Isso aconteceu no dia 22 de setembro.
Ontem à noite, não houve menção ao fato de Amol se juntar aos protestos contra a morte de #Mahsa_Amini nas notícias.
A fonte que enviou o vídeo diz que depois disso, pessoas foram atingidas por tiro e muitas foram feridas e mortas.’

Uma perspectiva diferente do confronto é mostrada neste vídeo, que o jornalista da Rudaw Fazel Hawram descreve como “imagens inacreditáveis”.  Após anos de repressão da parte do regime, estas cenas parecem ser inacreditáveis para os que têm feito a cobertura jornalística do Irã.

Imagens inacreditáveis de Amol no norte do Irã: centenas de pessoas fazendo recuar a polícia de intervenção e forças de segurança do estado.

Um vídeo da cidade nortenha de Babol mostra uma grande multidão reunida reprimindo as forças de segurança, que parecem disparar munições reais. A multidão não se dispersa; continua junta e segue em frente.

Na cidade nortenha de #Babol, na província de Mazandaran, manifestantes desarmados resistiram corajosamente sob tiros para fazer as forças de segurança recuarem no dia 22 de setembro.

Em outros clipes, manifestantes são vistos atirando pedras nas forças de segurança e em seus veículos.

A revolta importante mais recente no Irã ocorreu no final de 2019, e foi deflagrada pelo aumento dos preços dos combustíveis. Manifestações massivas surgiram em todo o país e, como resultado, relatórios afirmam que os manifestantes sofreram a “repressão mais sangrenta desde a Revolução Islâmica de 1979″. A Anistia Internacional relatou que a “política de atirar para matar” das forças de segurança resultaram na morte de milhares de pessoas.

Dado que esta repressão brutal aconteceu tão recentemente, deveríamos admirar os recentes atos de resistência no Irã.

Mulheres estão assumindo o comando

Mulheres iranianas, que assumiram papéis importantes nestas manifestações, estão na linha da frente das ações corajosas adotadas por iranianos comuns. Sem dúvida, as mulheres iranianas sempre tiveram um papel crucial no ativismo político, desde a revolução de 1979 até ativistas políticas mais recentes, como Nasrin Sotoudeh, que permanecem atualmente detidas por sua oposição ao regime.

As mulheres aproveitaram a oportunidade apresentada pelas manifestações atuais para tomar as rédeas do movimento de mudança e afirmarem o seu próprio poder. Desde a revolta estudantil de 1999, o Irã presenciou vários protestos, mas nunca as mulheres e sua flagrante rebeldia contra as leis do regime ao se recusarem a usar o hijab exigido tiveram um papel tão importante.

No vídeo a seguir, que poderá ficar na história como a representação definitiva destas demonstrações, uma mulher iraniana dança no meio da multidão antes de jogar seu véu em uma fogueira próxima.

Mulheres iranianas queimam seus véus em protesto contra a regra obrigatória do hijab da República Islâmica, esta noite em Sari, no Irã.

Em outra cena, uma mulher é vista em cima de um banco público enquanto é maltratada pelo que parecem ser agentes femininas de segurança. A irritação e resistência na sua voz são palpáveis, já que ela menciona Mahsa Amini como o motivo para estar ali.

‘Não me conseguem apanhar’
‘Não vou sair daqui’
‘Não me toquem’
[as agentes de segurança a derrubaram]
‘Não me toquem’
[Ela se levantou]
‘Não é apenas por causa do véu, estou aqui porque vocês mataram a Mahsa’

Hoje no norte do Irã.

Mulheres protestando enquanto seguram véus nas mãos podem ser vistas em vários vídeos e imagens.

Muito emocionante ver mulheres iranianas liderando protestos com um slogan poderoso: ‘mulheres, vida, liberdade’
Mulheres com ou sem o hijab, ou mesmo queimando-0, estão todas lado a lado contra a cooptação do estado do hijab que nos prejudica a todas e em vez disso exigem liberdade em todas as frentes.

Apesar de as mulheres iranianas terem sido ativas politicamente ao longo da história, esta é a primeira vez que elas representaram aberta e vigorosamente um movimento de mudança. Muitas pessoas veem a sua liderança como um sinal de um futuro contemporâneo e democrático e em claro contraste com o clero dominante do Irã. É possível agora que os eventos que se desenrolam no Irã possam levar à primeira revolução feminista moderna no Oriente Médio e talvez no mundo.

O regime é político e praticamente vulnerável

O ambiente político no Irã tem sido instável há algum tempo. A nação também ficou devastada pela eleição de Ebrahim Raisi como presidente, que pôs fim a todos os mitos de reforma e de moderação, juntamente com fortes dificuldades econômicas e inflação.

Muitos iranianos tinham a esperança de que os reformistas políticos moderados abrissem caminho para mais moderação social e liberdade individual no Irã. Dada a presidência ineficaz to anterior líder e reformista, Hassan Rouhani, cujo mandato terminou em 2021, e o completo apoio do Supremo Líder Khamenei ao atual presidente Raisi, parece que essa esperança se perdeu de modo permanente.

Enquanto as eleições presidenciais foram frequentemente usadas como uma forma de acalmar a tensão doméstica e dar aos cidadãos iranianos a aparência de liberdade, a decisão do Supremo Líder não eleito de apoiar um candidato tão inflexível pode ter sido motivada mais por desespero do que por astúcia.

Devido a rumores relativos aos problemas de saúde de Khamenei, a Assembleia dos Peritos está se empenhando para desenvolver um plano para a sua sucessão. Já na última semana, foi revelado que Khamenei foi submetido a uma operação de urgência.

A incerteza em torno do sucessor de Khamenei como supremo líder, juntamente com o fato de o Corpo dos Guardas da Revolução Islâmica ter se tornado uma força altamente faccionada, com vários graus de lealdade e rivalidade, pode ser a tempestade perfeita para uma mudança política radical.

Embora seja difícil prever exatamente o que irá acontecer no Irã nos próximos dias ou semanas, é seguro dizer que estamos vendo cenas nunca vistas antes no país.

Neste contexto, jovens podem ser vistos exigindo igualdade de gênero, direitos políticos e civís básicos e liberdade de expressão. Isso também envolve estar preparado para defender tais exigências e lutar por elas. Também pode ser um sinal de que novidades estão por vir para o Irã e para sua população.

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