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Discurso de ódio e desinformação ressurgem na Sérvia pouco antes da EuroPride de Belgrado 2022

Categorias: Europa Oriental e Central, Sérvia, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Direitos LGBT, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Política, Protesto
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A Parada do Orgulho de Belgrado é a continuação do evento de 2018, previamente realizado em Estocolmo. Foto [2] por Simon Legner via Wikipedia Commons.

Essa história é baseada na cobertura original [3] feita por Meta.mk como parte da iniciativa regional Western Balkans Anti-Disinformation Hub. Uma versão editada é republicada aqui sob um acordo de compartilhamento de conteúdo entre a Global Voices e a Fundação Metamorphosis. 

Na Sérvia, desinformação [4] e discurso de ódio [5] contra a comunidade LGBTQ+ e defensores dos direitos humanos têm aumentado notadamente enquanto a capital, Belgrado, está prestes a realizar a Parada do Orgulho da Europa de 2022 durante essa semana.

A EuroPride [6] é um evento pan-europeu e internacional realizado em uma diferente cidade europeia a cada ano. Em 2022, ela acontecerá em Belgrado, de 12 a 18 de setembro, e consiste em uma série de eventos incluindo festivais de filmes, conferências e uma marcha do orgulho.

Partidos da extrema direita sérvios e a Igreja Ortodoxa Sérvia condenaram o evento [7], pedindo banimento e realizando protestos que incluem a glorificação do presidente russo Vladimir Putin [3] como um modelo de “defensor dos valores tradicionais”.

O governo sérvio oficialmente anunciou [8] o “cancelamento” do evento enquanto organizadores da Parada divulgaram uma nota de negação [9] alegando que o evento de fato ocorrerá em 12 de setembro.

Aqueles que apoiam o evento têm enfrentado abusos e recebido ameaças nas redes sociais. O ativista Marko Mihajlović, um dos organizadores locais da Parada, compartilhou sua opinião no Twitter resumindo as experiências da comunidade mais ampla.

Desde quando eu era adolescente não passava por tanta dificuldade por ser gay. Tanto ódio, ameaças e negação ao meu direito de viver em dignidade e direitos iguais não tem sido parte do discurso público por um longo tempo. Não tenho vergonha de quem eu sou, mas depois de 15 anos, estou preocupado com minha vida nesse país…

Mihajlović também forneceu [11] um panorama conciso das narrativas que compõem a propaganda homofóbica nas redes sociais. 

“The negative comments are mainly about:
1. Negating that LGBTI+ people have any problems at all [in Serbia].
2. Demand that we hide behind 4 walls and stay silent.
3. Using our constitutionally guaranteed human rights is a provocation.
4. On the Pride we'll go naked and have sex in the streets.
5. Calls to violence.”

‘Os comentários negativos tratam principalmente sobre:
1. Negação de que pessoas LGBTI+ têm qualquer problema [na Sérvia].
2. Exigência de que nos escondamos dentro de 4 paredes e fiquemos calados.
3. Usar nossos direitos humanos garantidos constitucionalmente é uma provocação.
4. Nós iremos pelados para a Parada e faremos sexo nas ruas.
5. Chamados à violência.’

Um caso de desinformação que teve grande impacto nas redes sociais é um vídeo viral [12] de uma suposta mãe sérvia que alega ter saído da Alemanha para retornar ao seu país depois de ter sido pega por autoridades alemãs por se recusar a vestir seu filho com roupas femininas. A descrição do vídeo também contém discurso de ódio.

Testemunho de nossa irmã Milka que vive e trabalha na Alemanha. Ela quer voltar para uma Sérvia melhor e é por isso que expressou seu apoio a nós enquanto emitíamos uma petição para banir o [sic] evento de maricas. A chantagem que ela teve de suportar não aconteceria na Sérvia. Homens continuarão homens e mulheres, mulheres.

O vídeo foi produzido e disseminado por um ativista político local da extrema direita, membro de uma facção extremista que luta para substituir o atual Partido Progressista Sérvio (SNS), nacionalista e populista, que governa o país e assumir o governo. Em resposta, um membro proeminente do SNS tentou apresentá-los como agentes russos disseminando influência maligna estrangeira.

Dragan Šormaz, membro do Comitê Central da SNS atual, usou o Twitter para informar [15] que o vídeo trata de desinformação. Entretanto, ele também aumentou a confusão ao acrescentar alegações não comprovadas de que a mulher no vídeo não é sérvia, mas russa e funcionária do Centro Humanitário russo-sérvio [16] em Niš no sul do país e que ela já tinha fugido do país.

Essa “mãe sérvia” da Alemanha é, na verdade, russa e trabalha no centro humanitário em Niš! Ela já fugiu da Sérvia pois teme ser presa pela Alemanha por causa das mentiras que disse no vídeo que circula nas redes sociais!

Uma investigação do Daily Danas [18] não conseguiu confirmar essas alegações, mas o serviço de checagem de informações croata, Faktograf, desmascarou [19] as alegações do vídeo sobre a suposta intimidação de crianças a se tornarem LGBTQ+ na Alemanha como “absurdo, impossível e errado”.

Em sua edição de 1º de setembro, a Vreme semanal de Belgrado publicou os resultados de uma investigação sobre as supostas alegações pró e anti Rússia relacionadas ao caso. Eles entrevistaram a mulher [20] assim como o homem que fez o vídeo confirmando que ela é de fato sérvia, vive na Alemanha e é mãe solteira de uma criança com autismo. A análise forense jornalística concluiu que a suposta imposição de crianças em se tornarem transgêneros, um mal do oeste, não é verdadeira e que a mulher no vídeo não é uma agente russa.

A mulher, identificada apenas como Milka M., explicou que sua declaração no vídeo, dada durante uma visita a Niš, foi manipulada por um político local ultranacionalista. Ele deveria proteger a identidade dela, mas não escondeu seu rosto. Como ela explicou, as autoridades alemãs não forçaram seu filho a se vestir de maneira diferente, mas apenas convidou a família a participar de um evento promovendo tolerância chamado Troca de Papéis ou Dia das Meninas e Meninos [21]. Ela também esclareceu que a razão de ter sido chamada foi devido a uma violação específica do contrato dela com a escola, que fornece cuidado especial ao seu filho.

Ivica Božić, o político local que gravou e compartilhou o vídeo envolveu-se previamente com organizações de protestos contra vacina [22]. Em 2021 o Blic diário denunciou [23] que o tal chamado “defensor dos valores familiares” tem antecedentes criminais com julgamentos por violência doméstica e tráfico de drogas, o que foi confirmado pela Vreme.

Em declaração para a Vreme, apresentada como parte do artigo de análise no caso, Božić refutou as acusações dos usuários das redes sociais de que é um agente Kremlin, alegando que ele é “devotado à tradição e adepto da peregrinação à Jerusalém” e que ganha a vida como pintor de casas e cinegrafista em casamentos.

Apesar de discurso de ódio ser crime de acordo com o Código Penal Sérvio, aqueles que aplicam a lei e instituições judiciais raramente adotam ações para deter os perpetradores. Entretanto, relatórios de instituições nacionais [24] e internacionais [25] que monitoram o progresso em direção a democracia enfatizam que “mais precisa ser feito” pelo estado para abordar o uso do discurso de ódio para atender os critérios de ser membro da União Europeia.

Até então não há nenhum relatório de mídia de ações institucionais adotadas contra os perpetradores do discurso de ódio relacionado à Parada do Orgulho de 2022 em Belgrado.