Geórgia vai quebrar o ciclo da vigilância para ser membro da UE?

Imagem por Christian Lue. Uso livre sob a Licença Unsplash.

A Comissão de Veneza do Conselho da Europa publicou um parecer urgente sobre as reformas recentes da Geórgia na chamada lei do grampeamento, em 26 de agosto.

A VeniceComm publicou um parecer urgente sobre o projeto de lei de vigilância da Geórgia adotado pelo Parlamento em 7 de junho de 2022 e vetado pela presidente. O projeto de lei foi adotado muito rápido e precisa ser revisado. Texto do parecer urgente em https://t.co/DG9ol3KdEt

A comissão disse que “o projeto de lei reformando o procedimento da Geórgia para o uso de medidas secretas de investigação foi adotado em um processo muito rápido e necessita de uma análise de impactos e justificativa mais detalhada”.

A Comissão se referia a uma lista de mudanças na lei sobre escutas no Código de Procedimento Criminal que foi adotado pelo parlamento em junho de 2022. As reformas foram adotadas apesar do veto da presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili, contra as mudanças. No mês seguinte, em julho, o país foi afetado por outro caso de vigilância estatal. Oficiais do governo haviam obtido de forma ilegal e editado intencionalmente gravações de áudio de um veículo de mídia da oposição e colocado o material no ar em um canal de televisão do partido pró-governo.

A Comissão de Veneza revisou as reformas e emitiu um parecer urgente depois do pedido da presidente Zourabichvili. O parecer, publicado em agosto, reforçou que “medidas de vigilância secreta deveriam ser cautelosamente formuladas e estritamente interpretadas pelas agências do estado e cortes” como tal, de acordo com a Comissão de Veneza, “a estrutura legal geral de supervisão da vigilância secreta” deve ser revisada “antes de iniciar discussões sobre propostas específicas contidas no projeto de lei”.

A aprovação final do parecer deve acontecer na próxima sessão plenária da Comissão de Veneza marcada para 21 e 22 de outubro.

Na Geórgia, os legisladores do país desdenharam do parecer urgente. De acordo com uma reportagem do Agenda.ge, os legisladores georgianos apoiaram a lei dizendo que era “absolutamente compatível” com os padrões europeus de proteção de direitos humanos.

Em seu discurso em 29 de agosto, o presidente do Comitê de Direitos Humanos do Parlamento georgiano, Mikheil Sarjveladze, disse que, diferentemente do que a Comissão de Veneza afirma, a lei não foi adotada às pressas. Em vez disso, Sarjveladze acusou a oposição de ter falhado em apresentar argumentos contra as reformas.

“Portanto, eu não sei de onde veio a ideia de que o procedimento foi apressado e que ninguém teve a oportunidade de apresentar completamente suas opiniões e se envolver em um debate”.

Antes de adotar a lei, foi pedido à presidente Zourabichvili que vetasse as reformas em um comunicado publicado por grupos da sociedade civil georgianos:

The legislative amendments have a number of shortcomings, but the most disturbing among them are the new rules of setting timeframes for covert investigative actions and notifying an individual of a covert investigative action: in particular, covert eavesdropping may be conducted for an indefinite time for investigating 77 types of crime, and in case of several types of crime, an individual may not be notified of being wiretapped for 30 years. Consequently, such [an] individual will not be able to ever use the right of appeal, to exercise the right to fair trial and to defend his/her right to privacy.

According to the legislative amendments, the maximum term of covert investigative action has increased from six to nine months while the list of crimes for which covert eavesdropping and surveillance may be conducted has extended to include additional 27 less serious crimes.

The adopted bill renders those positive legislative changes useless, which were implemented in 2014 with the active involvement of civil society and experts from the Council of Europe.

As reformas legislativas têm vários defeitos, mas o mais desconcertante são as novas regras para definir prazos para ações de investigação secreta e notificação de uma ação investigativa secreta individual: em particular, escuta secreta pode ser conduzida em um número indefinido de vezes para investigar 77 tipos de crime, e no caso de vários tipos de crime, um indivíduo pode não ser notificado de ter sido espionado por 30 anos. Consequentemente, tal indivíduo não poderá defender seu direito à privacidade. De acordo com reformas legislativas, o tempo máximo de ação investigativa secreta foi aumentado de seis para nove meses enquanto a lista de crimes para os quais a escuta secreta e vigilância podem ser aplicados foi estendida para mais 27 crimes menos graves. A lei adotada torna inúteis as mudanças legislativas positivas, implementadas em 2014 com o envolvimento ativo da sociedade civil e especialistas do Conselho da Europa.

Em um comunicado de 2 de setembro, a presidente Zourabichvili disse que a Geórgia estava enfrentando uma escolha, “ou ainda estamos na União Soviética ou mudamos para um sistema europeu de verdade”. A forma como foi adotada as mudanças na lei, em junho, sinalizou uma consolidação do poder que não se alinha com a UE e sua decisão de vetar as mudanças foi apenas isso, uma decisão sobre se a Geórgia deveria continuar avançando, explicou a presidente.

Vigilância estatal na Geórgia não é algo novo. Em 2021, uma série de vazamentos expuseram a extensão da vigilância estatal contra sociedade civil assim como missões estatais e diplomáticas.

Em setembro de 2021, o Projeto de Denúncia do Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, na sigla em inglês) publicou uma história sobre o Serviço de Segurança Estatal da Geórgia recorrendo a “vigilância generalizada e escutas, provocando a mídia e a internet na Geórgia, com detalhes sobre a vida pessoal de jornalistas, ativistas civis, políticos e clérigos”.

O Serviço de Segurança Estatal negou a alegação, chamando os documentos vazados de desinformação. O partido governante, Georgian Dream, denunciou os vazamentos, enquanto o primeiro-ministro, Irakli Gharibashvili, menosprezou as revelações. “Quanto à vigilância, acontece em qualquer país, e nosso país não é exceção. Sim, temos esquemas de vigilância, mas de acordo com a lei e dentro dos limites da lei”, disse o primeiro-ministro, de acordo com reportagem da Radio Liberty no momento.

Em agosto de 2021, jornalistas revelaram como o Serviço de Segurança Estatal da Geórgia (SSG, na sigla em inglês) estava espionando jornalistas, políticos da oposição e aliados, ativistas, padres, empresários e outras figuras públicas.

Em março de 2021, o vice-ministro do Interior da Geórgia, Kakhaber Sabanadze, renunciou ao cargo após outra leva de vazamentos que indicavam que “ele provocou a interferência em uma reunião de grupos da oposição e usou meios ilegais de vigilância para espionar alguns políticos”. O Serviço de Segurança Estatal também é acusado de interferência.

A vigilância ilegal foi uma das preocupações destacadas pela Comissão Europeia como um assunto-chave de direitos fundamentais impedindo que o país se torne membro da União Europeia (UE). A Geórgia fez o pedido formal para ser membro em 3 de março de 2022. Em 2023, o país obteve uma extensão de prazo, para atender aos requisitos estabelecidos pela Comissão, de acordo com reportagem da Radio Liberty.

Em 6 de setembro, legisladores na Geórgia retomaram discussões parlamentares após um recesso de verão. A programação se concentra em atender aos 12 requisitos para os planos da Geórgia de acesso à UE. O partido no governo Georgia Dream prometeu atender a todos os requisitos até outubro, e estar pronto para adotar as mudanças legislativas mais importantes em novembro ou dezembro desse ano.

Mas uma questão maior ainda assombra: o que vai acontecer com a vigilância patrocinada pelo estado? Em um comunicado em 2 de setembro, a presidente Zurabishvili disse, se a Geórgia quer um modo de vida europeu, então o país deve se livrar dos atuais hábitos de vigilância e desrespeito aos direitos humanos.

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