Este artigo foi escrito por Shristi Karki e publicado pela primeira vez no Nepali Times. Uma versão editada foi republicada na Global Voices como parte do acordo de compartilhamento de conteúdo.
Em 17 de setembro de 2022, mais de 9.000 pessoas (em sua maioria do Nepal, Índia e Bangladesh) participaram do Otaku Jatra Fall 2022, um festival nepalês de animê e cosplay realizado em Catmandu, no Nepal.
Suki Manandhar cresceu no Nepal assistindo animês, desenhos e lendo mangás sempre que possível. Pokemon, Digimon, Dragon Ball Z e Haibane Renmei eram alguns de seus favoritos.
Naquela época, Manandhar queria se vestir como os personagens que via nas telas. Às vezes, ela praticava closet cosplay (o ato de usar seus próprios itens para recriar roupas), fazendo fantasias, se vestindo como personagens de animê e compartilhando com outros fãs nos fóruns on-line.
“Eu não fazia ideia do que eles significavam quando eu era criança, mas hoje eu os admiro mais quando os vejo”, disse Manandhar.
Cosplay (formada pelas palavras costume e play) é uma forma de arte na qual artistas se vestem e usam acessórios como personagens da cultura pop (animê, desenhos, HQs, videogames e outras fontes da TV e filmes).
Embora bailes de máscaras, carnavais e concursos onde pessoas se fantasiam sejam comuns desde o século 15, o cosplay na grande mídia e na arte surgiu a partir da cultura de fãs por meio de convenções de ficção científica no século 20.
O San Diego Comic-Con (SDCC) teve início nos EUA em 1970. Cinco anos depois, o Japão inaugurou sua própria convenção, a Comiket, porém essa subcultura só chegaria ao Nepal décadas mais tarde.
Rohit Shrestha começou a assistir animê quando estava no 8.º ano. Ele começou a fazer cosplay em 2014 e está entre os cosplayers mais antigos do Nepal. Hoje é um dos organizadores do Otaku Jatra, a maior convenção de cultura pop do Nepal.
Ao perceberem que havia uma comunidade crescente de fãs da cultura pop no Nepal, a associação Otaku Club se juntou a Otaku Next (que costumava publicar revista de mangá nepalês) para sediar eventos de cultura pop de pequeno porte e que, mais tarde, se tornaram exposições pop-up, competições de fanart e cosplay, e exibições.
Quando soube do Otaku em 2014, Suki Manandhar criou sua própria fantasia, muitas vezes costurando até escondida de seus professores, durante as aulas da faculdade. Um dia antes da convenção, Manandhar passou a noite acordada para terminar sua fantasia.
Manandhar foi ao seu primeiro evento de cosplay como Taiga, do animê Toradora. Desde então, ela já participou de muitas convenções, mas se recorda como sendo um de seus cosplays mais memoráveis, a personagem Mikasa Ackerman, de Attack on Titan . A depender do personagem, Manandhar pode levar até cinco meses para criar fantasias elaboradas.
A diretora de comunicações de 26 anos, que também ilustrou e escreveu um mangá de quatro capítulos, The Birdsong, se preparou durante um ano trabalhando em sua fantasia sempre que possível para participar do Otaku Jatra Fall 2022, realizado em 17 de setembro de 2022, em Catmandu.
Kriti Chamling Rai começou a fazer cosplay em 2016 depois que ela e seus amigos visitaram a Otaku Store, onde conheceram organizadores e souberam de uma convenção que estava para acontecer.
“Ficamos tão surpresos de que havia até uma loja que vendia mangás e acessórios de animes, quanto mais que realizava convenções”, recorda Rai, que cresceu assistindo a animê e desenhos com sua tia. “Não tínhamos internet, a gente ia até a loja de DVD para comprar os CDs”.
Rai começou por personagens que não exigiam fantasias de acessórios complexos e detalhados, por isso decidiu ir como Tenten de Naruto.
“Vi muitas pessoas vestidas de personagens que cresci assistindo nas telas e amei. Foi maravilhoso vê-los na vida real”, refletiu. “Desde então já estive em muitas convenções, mas a primeira sempre será especial”.
O cosplay de Rai como Saber da visual novel japonesa Fate/stay night, a qual preparou durante três meses, renderia a ela o segundo lugar na Comic Con Nepal 2017 e a levaria até Nova Deli para representar seu país.
De volta ao Nepal, o Otaku Jatra finalmente sediou uma convenção de grande porte (uma Jatra) em 2017. Em 2020, eles cresceram o suficiente a ponto de se tornarem um evento especial no Visit Nepal 2020, mas esses planos foram descartados devido à pandemia da Covid-19.
“Meu hobby se transformou em paixão, e a paixão se transformou em negócio”, disse Rohit Shrestha para o Nepali Times, sobre o Otaku Jatra antes da convenção que exibirá cosplay, animação, concursos de K-pop, competições de e-sports, jogos de fliperama e muito mais.
Shrestha lembra de um homem na faixa dos 60 anos que participava de uma convenção usando um chapéu de caubói e uma arma de brinquedo. “Ele estava feliz por finalmente encontrar um local no Nepal onde pudesse realizar seu sonho de infância de se tornar um caubói. Também recebemos muitos expatriados, criancinhas vestidas como personagens de Naruto ou Dragon Ball Z acompanhadas dos pais”, acrescenta Shrestha.
O Otaku Jatra se expandiu para a Índia e abordou criadores de conteúdo por todo o sul da Ásia para participarem de eventos no Nepal, tendo como objetivo transformar o país em uma referência para os fãs da cultura pop no subcontinente.
“Temos turismo de montanhismo e aventura. Por que não turismo de cultura pop?”, disse Shrestha. “Vai levar um tempo até chegar lá, mas é uma meta“.
A associação também procura por formas de expandir sua plataforma digital com o intuito de ajudar artistas e criadores de conteúdo a transformarem seus hobbies em lucro. Convenções como o Otaku Jatra também forneceram um espaço para que esses artistas possam expor seus trabalhos (sejam cosplay, animação ou outras formas de arte).
“As convenções são também oportunidades para conexões profissionais de artistas e corporações”, complementa Shrestha. “Esperamos que criadores de conteúdo possam expandir seus trabalhos para além do hobby, para algo mais lucrativo”.
Além disso, a associação espera expandir a própria cultura pop nepalesa. Um de seus empreendimentos mais recentes é o Jatraverse, um universo digital pelo qual planejam introduzir e incorporar, em forma de arte, personagens do folclore e da mitologia nepalesa (Iéti, Pisach e Kichkandi).
A comunidade de cosplay ao redor do mundo precisa enfrentar o racismo, misoginia, assédio e homofobia. No Nepal, cosplayers relataram passar por sexismo e body shaming, assim como algum grau de ignorância e constante reações negativas quando artistas tentaram se manifestar. Na verdade, o body shaming e o bullying on-line impediram que muitas pessoas fizessem parte da comunidade.
Por sua vez, os organizadores dizem que vão garantir que o evento seja um espaço seguro para os artistas se expressarem. “Cosplay não é consentimento”, diz Shrestha.
Suki Manandhar acrescentou: “Essa é uma comunidade onde você pode ser o que quiser, independentemente de quem você seja. Conheci muitas pessoas que escolheram ser gentis, entender o consentimento e defender umas às outras”.