A COVID-19 piorou ou melhorou a dinâmica familiar Jamaicana?

Uma mãe jamaicana alimenta seu bebê. Foto por Carlotta Tofani no Flickr, CC BY-ND 2.0.

Mundialmente, a pandemia da COVID-19 resultou em uma desaceleração da atividade econômica. Na Jamaica, a indústria do turismo, pilar de sua economia, foi duramente afetada e o setor deve perder bilhões de dólares. A agricultura sofreu devido às interrupções nos sistemas alimentares, e outras empresas sofreram cortes salariais e demissões.

O Programa de Avanço Através da Saúde e Educação (PATH) da Jamaica – um programa de transferência monetária condicional (CCT) – atua como uma reserva para muitas famílias de baixa renda, que são particularmente vulneráveis às consequências econômicas da pandemia. Mas, apesar de o governo desenvolver vários programas de assistência durante a COVID-19 para atuar como um amortecedor, muitos pais estão sentindo os efeitos de seu poder econômico reduzido.

Além de serem responsáveis por cobrir as despesas domésticas, a maioria também está sendo encarregada de educar seus filhos (homeschooling) enquanto trabalham de casa. Para descobrir como diferentes famílias têm lidado com este novo normal, entrevistei uma conselheira matrimonial e familiar treinada, Marcia Hamilton, na Jamaica, e lhe perguntei sobre os efeitos da pandemia nas relações entre pais e filhos:

While the pandemic provides opportunities for bonding, many parents — especially mothers — are currently overwhelmed by the added responsibility of homeschooling while working from home.

Enquanto a pandemia oferece oportunidades para criar vínculos, muitos pais – especialmente as mães – estão atualmente sobrecarregados com a responsabilidade adicional do ensino doméstico enquanto trabalham de casa.

Hamilton observou que a posição socioeconômica da família desempenha um papel fundamental: algumas famílias na Jamaica rural não têm eletricidade, outras não têm acesso à internet. A demanda de que os pais garantam esses recursos para que seus filhos possam continuar a ter uma educação pode deixar tais famílias frustradas, interferindo em algum grau na união entre pais e filhos.

O tipo de estrutura familiar também é um contribuinte-chave, na medida em que os núcleos familiares podem se sair melhor do que as famílias monoparentais, já que as responsabilidades adicionais podem ser compartilhadas. De fato, os méritos das famílias extensas têm se destacado durante a pandemia.

Lares monoparentais

Um estudo recente, que pesquisou 223 indivíduos, constatou que as famílias com pais solteiros representam 41% das famílias jamaicanas. Um número expressivo de filhos nascidos de casais não casados vive em lares monoparentais, normalmente com a mãe. Isto acontece frequentemente como resultado de gestações não planejadas que ocorrem antes dos pais serem autossuficientes. Assim, tais estruturas familiares tendem a ser de baixa renda.

Dr. Ralph Thompson, um educador jamaicano altamente respeitado, observou que a socialização efetiva é muitas vezes comprometida em lares monoparentais. Além disso, o crescimento e o desenvolvimento das crianças são muitas vezes prejudicados, devido à carência das necessidades nutricionais.

Um professor que pediu anonimato para proteger a identidade de sua escola e de seus alunos disse que a pressão sobre tais famílias é enorme:

A working-class single parent just requested [that] we speak, because she cannot cope with the demands of working while trying to properly homeschool one of her children, and that at this rate she is tempted to leave the child on the street.

Uma mãe solteira da classe trabalhadora acabou de pedir que falássemos, porque ela não consegue lidar com as exigências de trabalhar enquanto tenta educar adequadamente um de seus filhos, e que neste ritmo ela é tentada a deixar a criança na rua.

Este tutor em particular, explicou o professor, tem um trabalho de salário-mínimo e mais de três bocas para alimentar, provando que estruturas familiares e condições socioeconômicas pré-existentes influenciam se a pandemia da COVID-19 está promovendo ou prejudicando a vida familiar.

Em um artigo de 2006, a professora Maureen Samms-Vaughan da Universidade das Índias Ocidentais em Mona, na Jamaica, observou: “Os pais que vivem em circunstâncias mais pobres têm níveis mais altos de estresse parental e cotidiano”. Ela fez menção ao trabalho realizado por sociólogos jamaicanos, mostrando que “pais jamaicanos altamente estressados não passam tanto tempo interagindo com seu[s] filho[s] e grande parte da interação é inadequada, com altos níveis de disciplina severa”.

Embora isto não signifique que a pandemia tenha prejudicado as relações pais e filhos em todas as famílias de baixa renda e monoparentais, ela aponta para a realidade da dinâmica nas famílias que enfrentam dificuldades econômicas.

Núcleos familiares

Há famílias de classe trabalhadora e média na Jamaica, com pais que participam ativamente do desenvolvimento de seus filhos. A maioria dessas famílias segue o cristianismo, uma religião que coloca uma forte ênfase no casamento ao centro de seu sistema de valores. Influência religiosa à parte, porém, é mais provável que núcleos familiares lidem melhor com o aumento das exigências parentais, pois a carga de trabalho pode ser compartilhada.

Os pais que entrevistei, que preferiram permanecer anônimos por conta de suas famílias e das escolas que seus filhos frequentam, reconheceram que as restrições exigiram algum ajuste. Uma das mães disse que a pandemia a deixou sobrecarregada, mesmo que seu marido compartilhe das responsabilidades adicionais:

My experience has been one of exhaustion and frustration. I have to monitor three children to ensure that they are completing their schoolwork; the younger ones require closer supervision. I also study online, and I go into work a few days a week. When I do go into work, however, my husband stays home with the children. We have always been a tight-knit family, so nothing has really changed. We usually speak with [the children] about what is happening, and they ask questions.

Minha experiência tem sido de exaustão e frustração. Tenho que monitorar três crianças para garantir que elas estejam cumprindo seus deveres escolares; os mais novos requerem uma supervisão mais próxima. Eu também estudo on-line, e saio para trabalhar alguns dias da semana. Quando vou ao trabalho, no entanto, meu marido fica em casa com as crianças. Sempre fomos uma família unida, portanto nada realmente mudou. Normalmente falamos com as crianças sobre o que está acontecendo, e elas fazem perguntas.

Outra mãe que faz parte de uma família com ambos os pais acrescentou:

I am a teacher and have to maintain a normal teaching schedule while parenting my two children who are at home. In the first few weeks we were happy to be together at home; we would go on morning walks and watch movies together. Now, we are also able to attend online church meetings together. Before the pandemic, Sundays and Saturdays were usually very busy […] but now, we are more relaxed; in this forum we [are] bonding as a family.

Sou professora e tenho que manter um horário normal de ensino enquanto cuido dos meus dois filhos que estão em casa. Nas primeiras semanas estávamos felizes por estarmos juntos em casa; fazíamos caminhadas matinais e assistíamos filmes juntos. Agora, também podemos participar juntos de reuniões on-line da igreja. Antes da pandemia, os domingos e os sábados eram normalmente muito ocupados […] mas agora estamos mais relaxados; nesta situação, estamos nos aproximando como família.

Ela enfatizou, no entanto, a importância tanto da segurança do emprego quanto do apoio:

There are many positives of being home. This COVID-19 pandemic has helped me to give my family my best self. I must thank God that we are managing, [that] we also have job security. For the most part, we are getting our full salaries, so at least we don’t have that financial burden to think about.

My husband has been an exceptional support system, I could not do this quarantine without him. When he goes to the supermarket, I will clean and sanitise the items when he gets home. When I start my classes in the mornings, he feeds the kids. When he has early meetings, I take over. There are some hours of the day when I get my alone time. Sometimes my husband gets his alone time.

Há muitos aspectos positivos de estar em casa. Esta pandemia da COVID-19 me ajudou a dar à minha família a minha melhor versão. Devo agradecer a Deus por conseguir lidar com a situação, [que] também temos segurança no emprego. No geral, estamos recebendo nossos salários integralmente, então, pelo menos, não temos esse fardo financeiro para nos preocupar.

O meu marido tem sido um sistema de apoio excepcional, eu não poderia fazer esta quarentena sem ele. Quando ele vai ao supermercado, eu limpo e higienizo os produtos quando ele chega em casa. Quando começo as minhas aulas de manhã, ele alimenta as crianças. Quando ele tem reuniões cedo, eu assumo o comando. Há algumas horas do dia em que tenho o meu tempo sozinha. Por vezes, meu marido tem o tempo dele sozinho.

Famílias extensas

A conselheira Marcia Hamilton diz que as famílias extensas podem ser imensamente úteis em situações difíceis, especialmente nos casos em que pais solteiros podem ter um filho com necessidades especiais. Ter uma rede familiar ampla e confiável, que viva na mesma casa ou perto, permite aos pais deixar a criança sob o cuidado de membros dessa grande família enquanto trabalham ou fazem tarefas essenciais.

Um dos pais destacou os méritos de viver numa família extensa durante a pandemia:

Sometimes [my son] gets to do other activities with his aunty and grandparents, so I get time for myself; they also help to socialise him. I would say the pandemic has fostered bonding because [with reduced work hours] we spend more time together, which has helped me to know more about him. We also get to do more fun activities together.

Às vezes [meu filho] consegue fazer outras atividades com sua tia e avós, de modo que eu tenho tempo para mim; eles também ajudam a socializá-lo. Eu diria que a pandemia favoreceu a criação de laços porque [com a redução das horas de trabalho] passamos mais tempo juntos, o que me ajudou a conhecer mais sobre ele. Também conseguimos fazer mais atividades divertidas juntos.

Nas redes sociais, alguns pais compartilharam suas experiências e expressaram suas preocupações sobre a vida familiar durante a pandemia. Em resposta a um post no Facebook do Fundo das Nações Unidas para a Infância da Jamaica, que destacava a possibilidade de abuso infantil durante a pandemia, Janise Keene comentou:

In conversations with some of these young minds and their parents I have come to realize and have concluded that they are mentally and psychologically distraught and stressed. There is also going to be long term psychosocial ill effects on our children. Did you know many adults are also not managing? Some of you are behaving as though this pandemic is an easy walkover. How are we going to help our children?

Em conversas com algumas destas mentes jovens e seus pais, cheguei à conclusão de que eles estão mental e psicologicamente abalados e estressados. Haverá também efeitos psicossociais a longo prazo nos nossos filhos. Sabiam que muitos adultos também não estão conseguindo lidar com a situação? Alguns de vocês estão agindo como se esta pandemia fosse uma situação fácil de passar. Como vamos ajudar nossas crianças?

Vários internautas se solidarizaram com uma professora falando sobre sua agenda agitada, e um usuário do Facebook comentou:

I'm doing the very same thing but with a 7 yr. old in grade 1 and a 5 month old baby. All this while teaching my grade 3 classes online.  At nights I literally feel like crying. I wish schools could reopen tomorrow.

Eu estou fazendo a mesma coisa, mas com uma criança de 7 anos de idade na primeira série e um bebê de 5 meses. Tudo isso enquanto dou aulas on-line para a 3ª série.  À noite, literalmente, tenho vontade de chorar. Gostaria que as escolas pudessem reabrir amanhã.

Embora as atuais exigências de trabalho remoto da Jamaica expirem no final de maio, ainda não está claro quando as escolas serão reabertas fisicamente. Os cidadãos que não estão em grupos de alto risco (acima de 65 anos, imunocomprometidos etc.) também poderão retornar ao trabalho em 1º de junho.

Embora muitos jamaicanos fiquem entusiasmados com esta decisão, ela levanta outra questão: com as escolas ainda fechadas, quem irá ensinar as crianças em casa enquanto seus pais voltam ao trabalho? Um cidadão preocupado escreveu uma carta para o editor destacando o fato de que o cuidado das crianças deve ser considerado.

Como o governo ainda não delineou a estruturação que pretende aplicar a este respeito, o que quer que aconteça no dia 1º de junho pode ser mais uma nova experiência que as famílias de toda a ilha terão que se ajustar na era do coronavírus.

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