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‘A arte pública gera senso de pertencimento': Conversando com as escultoras Sherlann Peters e Maria Diaz

Categorias: Caribe, Trindade e Tobago, Arte e Cultura, Etnia e Raça, História, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero

As escultoras trinitárias-tobagenses, Maria Diaz (E) e Sherlann Peters (D), em frente ao Monumento Vila Iorubá, criado por elas, no local de exposição permanente na Praça Iorubá ao leste de Porto da Espanha. Imagem cortesia das artistas, utilizada com permissão.

Sherlann Peters e Maria Diaz, de Trinidade e Tobago, não são apenas amigas, são parceiras na arte da escultura. Trabalhando juntas, elas criaram o Monumento Vila Iorubá, que foi revelado [1] durante o Festival dos Tambores Iorubá, no dia 18 de junho. Comissionada pelo Comitê de Apoio à Emancipação de Trindade e Tobago [2] (CSETT), com um pouco mais de 6 metros de altura, é a maior escultura pública do leste de Porto da Espanha e a única concebida e executada em conjunto por duas mulheres. O monumento, que se eleva sobre a Praça Iorubá, foi criado em um tributo às contribuições da comunidade da Vila Iorubá para a cultura e a sociedade do país. A escultura retrata um homem e uma mulher, com escarificações tradicionais [3] no rosto.

Embora seja impressionante, esse não é o primeiro projeto dessas artistas na arte pública. Elas se conheceram ao cursarem artes visuais na Universidade das Índias Ocidentais, e frequentaram a Universidade de Calgary como alunas de intercâmbio durante o último ano do curso. Receberem seus diplomas, o que aconteceu tardiamente em suas carreiras, pois eram em grande parte autodidatas.

Originária da comunidade de Laventille [4], no leste de Porto da Espanha, Peters produziu uma interpretação artística da cantora pioneira de calipso Calypso Rose [5], que foi exibida no Instituto Commonwealth [6] em Londres, em 2011. Também produziu imagens de diversas personalidades proeminentes locais, incluindo o primeiro primeiro-ministro Eric Williams [7] e as lendas do calipso The Mighty Sparrow [8] e Lord Kitchener [9]. Seu design do selo de 2004, comemorando a abolição da escravidão, também foi muito bem-recebido. Diaz, por sua vez, concentrou-se em técnicas de escultura inovadoras durante o tempo em que cursou a Universidade de Calgary; desde então, seu trabalho centrou-se na forma humana.

Com as comemorações do 60º aniversário da independência [10] de Trindade e Tobago da Grã-Bretanha, por telefone, WhatsApp e e-mail, eu entrevistei Peters e Diaz sobre a sua arte e o impacto que as esculturas públicas podem ter em uma nação tão jovem.

Tabatha Auguste (TA): Parabéns por sua nova obra! Falem um pouco mais sobre como o Monumento da Vila Iorubá surgiu e como vocês começaram a trabalhar juntas.

Sherlann Peters (SP): I was recommended to the ESCTT by Professor Ken Critchlow [11], a longtime advocate of my work, who always expressed the desire to see my work on a monumental scale. After being briefed on the project, I went ahead to design two marquettes; the committee choose the one they felt most represented what they were aiming for. Excited to meet the challenge, I contacted Maria, a fellow sculptor and friend of eight years, to collaborate on the project with me.

Sherlann Peters (SP): Eu fui recomendada ao CSETT pelo professor Ken Critchlow [11], um apoiador de longa data do meu trabalho, que sempre expressou o desejo de ver meu trabalho em uma escala monumental. Depois que eu recebi o resumo do projeto, elaborei duas maquetes; o comitê escolheu a que consideraram mais representativa. Animada pelo desafio, contatei Maria, uma colega escultora e amiga há oito anos, para colaborar no projeto comigo.

A artista visual Maria Diaz. Foto coresia de Diaz, usada com permissão.

TA: É muito significativo que duas artistas mulheres tenham recebido essa tarefa, já que a escultura, ao menos localmente, tem sido por tradição uma área dominada por homens. Falem um pouco sobre essa experiência.

SP: It was quite challenging at times; it involved a lot of heavy lifting, working with power tools, and just physically strenuous work altogether.

Maria Diaz (MD): In Trinidad, sculpture on the whole isn't a vastly popular field, so we had to figure out some of the technical aspects of building this sculpture on our own.

SP: Foi bastante desafiadora em alguns momentos; envolveu muito trabalho braçal, trabalhar com ferramentas pesadas, muito trabalho físico desgastante no geral.

Maria Diaz (MD): Em Trindade, a escultura de modo geral não é uma área muito popular, portanto tivemos que aprender sozinhas alguns aspectos técnicos da construção.

TA: É um feito enorme, e não apenas em termos de escala. O que significa para vocês serem responsáveis por uma instalação tão grande?

SP and MD: As sculptors we always visualised ourselves creating a monument someday and leaving a permanent mark on national soil. It's even more meaningful, knowing what the sculpture means to the area and the country. This is just the start of our legacy as female artists.

SP e MD: Como escultoras, nós sempre nos imaginamos criando um monumento algum dia e deixando uma marca permanente em solo nacional. É até mais significativo, sabendo o que a escultura significa para a área e para o país. Esse é apenas o início de nosso legado como artistas mulheres.

TA: Contem mais sobre o propósito da escultura e a importância do espaço no qual ela está instalada.

SP: According to books written by Eintou Pearl Springer [12], Rosanne Adderley [13], and Sylvia Frey [14], in the 19th century, a part of east Port of Spain was settled by many free Yoruba people, who arrived in Trinidad post-Emancipation and were able to hold on to their traditions, culture and customs — even their language. The area was known as Yoruba/Yarraba Village, and it reflected the strong influence of their West African heritage. We still have many of those influences today, including drumming, which experts say has left its mark on some of Trinidad and Tobago's Carnival traditions, as well as the practice of the Orisha religion.

SP: De acordo com livros escritos por Eintou Pearl Springer [12], Rosanne Adderley [13] e Sylvia Frey [14], no século XIX, uma parte de Porto da Espanha do leste foi ocupada por diversos povos iorubá livres, que chegaram em Trindade após a emancipação e puderam manter suas tradições, cultura e costumes, até mesmo sua língua. A área era conhecida como Vila Iorubá/Yarraba e refletia a forte influência da herança da África Ocidental. Nós ainda temos muitas dessas influências, incluindo a percussão, que, segundo especialistas, deixou sua marca em algumas das tradições do carnaval de Trindade e Tobago, assim como a prática da religião orisha.

TA: Que mensagem vocês acham que a obra traz para a comunidade em volta dela, e por que a arte urbana, especialmente em áreas urbanas, é importante?

SP: Public art such as this […] provides a sense of belonging, and opens dialogue to and [promotes] awareness of African history.

MD: Representation of this magnitude gives a person a sense of identity within the space.

SP: A arte pública como tal […] gera senso de pertencimento e abre o diálogo e a consciência para a história africana.

MD: Uma representação dessa magnitude confere um senso de identidade em um espaço.

Foto do monumento da Vila Iorubá por Curtis Bachan, cortesia de Maria Diaz, usada com permissão.

TA: Alguns dos detalhes na escultura, as referências à cabaça e ao tambor de aço, são belamente simbólicos e bem pensados. Como foi o processo criativo? Como vocês decidiram quem cuidava do quê?

SP: The details on the sculpture such as steel pan [in the collar and earrings on the figure of the woman] and calabash of peas [representing new growth and African heritage], with one sprouting the anchor and sankofa [15] symbols [in the man's pendant], the talking drum [banned during slavery and from which came the birth of Trinidad and Tobago's national instrument, the steelpan [16]], the cowrie shells [17] were all symbols given in the conceptual phase by the ESCTT to be incorporated in the design, and because the design has two figures, we decided we'd each work on one.

[Peters was responsible for the male figure, Diaz for the female.]

MD: The monument was designed by Sherlann; using [her] marquette, we both worked separately and then brought the two figures together for finishing touches and installation.

SP: Os detalhes na escultura como o tambor de aço [no colar e nos brincos da figura feminina] e as cabaças [representando crescimento e a herança africana], de uma delas brotando os símbolos da âncora e da sankofa [18] [no pingente do homem], o tambor falante [banido durante a escravidão e do qual se originou o instrumento nacional de Trindade e Tobago, o tambor de aço [19]], os búzios [20] são todos símbolos dados pelo CSETT, durante a fase conceitual, para serem incorporados ao design, e já que o design tem duas figuras, nós decidimos que cada uma trabalharia em uma.

[Peters foi responsável pela figura masculina, Diaz, pela feminina.]

MD: O monumento foi desenhado por Sherlann; usando sua maquete, nós duas trabalhamos separadamente e, então, combinamos as duas figuras para os toques finais e a instalação.

TA: Como é trabalhar com uma amiga, especialmente quando há uma expectativa tão alta? O processo criativo contribuiu para aproximar ainda mais vocês?

SP: Even though our approach to sculpting is vastly different, we share a lot of commonalities. For example, our materials and subjects are often very similar, and we're both self-taught, so as friends, sharing studio practices has become natural to us over the years. Working on this project was at times very intimidating; the idea of public perception and our own self-doubt was at times nerve wracking, but we cancel out each other's shortcomings and as a team, I think we're a force.

MD: Working on a piece of this magnitude was daunting. Neither of us had ever done a piece at this scale, but knowing that we would [be] working on it together, we welcomed the challenge. Apart from us both being sculptors and being really great friends, we also have different strengths and weaknesses that complimented the other person's. Sherlann was stronger in some areas where I wasn't, so she took the lead, and then there were areas where I was stronger and took the lead. Thankfully, we trusted each other […] I think what made this dynamic work was that there [weren't] any egos involved and we both shared [the] same goal of wanting to see this monument erected.

SP: Apesar de nossas abordagens em relação à escultura serem muito diferentes, nós temos muito em comum. Por exemplo, os materiais e temas são frequentemente semelhantes, e nós duas somos autodidatas, então, como amigas, dividir práticas de estúdio se tornou natural para nós ao longo dos anos. Às vezes, trabalhar nesse projeto foi bastante intimidador; a ideia da percepção do público e nossas próprias inseguranças foram por vezes muito estressantes, mas nós compensamos as limitações uma da outra e, como equipe, acho que temos força.

MD: Trabalhar em uma peça dessa magnitude foi assustador. Nenhuma de nós havia feito uma peça nessa escala, mas sabendo que trabalharíamos juntas, aceitamos o desafio. Além de sermos escultoras e grandes amigas, nós duas também temos qualidades e defeitos que complementam uma à outra. Sherlann era melhor em algumas áreas nas quais eu não era, então ela tomava a liderança, e também havia áreas em que eu era melhor e tomava a liderança. Felizmente, confiamos uma na outra […] Acho que o que fez essa dinâmica funcionar foi que não havia ego envolvido e tínhamos o mesmo objetivo de querer ver o monumento erguido.

TA: Há alguma mensagem subjacente, em termos de equidade e relações de gênero, no fato de que há uma figura masculina e uma feminina?

SP: The Yoruba culture functions under a system of gender balance; women attain power and influence through economic and religious roles. The sculpture features a Baba (male) — the protector — and Iya (female), seen as a nurturer. Although their roles differ, they are both equally necessary. It was important that both male and female viewers can see themselves represented in this monument.

SP: A cultura iorubá funciona sob um sistema de equilíbrio de gênero; a mulher ganha poder e influência por meio de papéis econômicos e religiosos. Há na escultura um “baba” (homem), o protetor e uma “iya” (mulher), vista como aquela que nutre e cuida. Apesar da diferença nos papéis, ambos são igualmente necessários. Era importante que tanto homens quanto mulheres pudessem se ver representados no monumento.

TA: O que vocês gostariam que os espectadores vissem na escultura?

SP and MD: The Monument speaks of the rich history and culture of the soil once known as Yoruba Land and the importance of its preservation. Through this piece we hope to invoke a sense of pride, affinity, and restoration of harmony in the existing communities [which have been victim to increasing levels [21] of gun violence [22]].

SP e MD: O monumento expressa a riqueza histórica e a cultura de uma terra que um dia foi conhecida como Terra Iorubá e, também, a importância de sua preservação. Por meio dessa obra, esperamos estimular o orgulho, a afinidade e a restauração da harmonia nas comunidades existentes [que são vítimas de um crescente nível [21] de violência armada [22]].

TA: No contexto de uma maior sensibilidade em relação à contextualização histórica [23] da arte pública, por que esculturas assim são importantes, em termos de consciência pública do legado africano?

SP: Their presence in our landscape acts as a medium that allows future generations to pursue conversations and the history of our ancestors not taught at schools.

MD: To have a monument of something or someone gives the subject an elevated form of reverence to it, it acts as a public acknowledgment of its subject as being important to the people and space it is in. This is why the Yoruba monument is necessary in the Yoruba Square. Our African heritage plays an important part of our history, and not enough emphasis is placed on their contributions to the development of the country. The monument will act as a permanent reminder and pubic acknowledgment of the African legacy in Trinidad and Tobago.

SP: Sua presença em nossa paisagem age como um meio que permite que futuras gerações debatam e entrem em contato com a história de nossos ancestrais que não é ensinada nas escolas.

MD: Ter um monumento de algo ou alguém oferece uma forma elevada de reverência ao assunto, isso age como reconhecimento público do assunto como sendo importante para as pessoas e o espaço no qual se encontra. É por isso que o monumento iorubá é necessário na Praça Iorubá. Nossa herança africana é uma parte importante da nossa história, e pouca ênfase é dada a suas contribuições para o desenvolvimento do país. O monumento agirá como um lembrete permanente e reconhecimento público do legado africano em Trindade e Tobago.

TA: Como vocês esperam desenvolver sua arte, e consideram Trindade e Tobago um solo fértil para o desenvolvimento de artistas como vocês?

SP: Trinidad and Tobago is a great starting point to find your artistic voice. The art community is very open to young artists finding their style. However, once you have reached a certain point in your career you may run the risk of outgrowing the space and may have to seek international opportunities to advance your career.

There has been a resurgence of support for creatives in the past few years. The government developed a national registry [for] professional artists and cultural workers, [which] offers tax break incentives to companies that buy their art. It also offers a number of grants, mentorship programmes, and funding for creative projects.

MD: In the private sector, art galleries are opening their doors to emerging artists, allowing them to show their work in a gallery setting. Communal art workshops have also began popping up, and there is now a larger public interest in art and creative activities.

SP: Trindade e Tobago é um ótimo ponto de partida para encontrar sua voz artística. A comunidade artística é bastante aberta para jovens artistas acharem seus estilos. No entanto, assim que você chega a determinado ponto na carreira, pode correr o risco de se ver limitado e ter que procurar oportunidades internacionais para avançar.

Houve um aumento no apoio aos criadores nos últimos anos. O governo desenvolveu um registro nacional para artistas profissionais e trabalhadores da cultura, que oferece incentivos fiscais para empresas que comprem arte. Também são oferecidas subvenções, programas de mentoria e financiamento para projetos criativos.

MD: No setor privado, galerias de arte têm aberto as portas para artistas emergentes, permitindo que exibam seus trabalhos em um ambiente de galeria. Ateliês comunitários também começaram a surgir, e agora há um maior interesse público na arte e em atividades criativas.

TA: Qual conselho vocês dariam para artistas jovens, especialmente para artistas mulheres?

SP: Make art that makes you happy. Mistakes and failures are your greatest teachers [so] allow yourself to learn and improve from them rather than be despondent, and compete only with yourself.

SP: Faça a arte que te faz feliz. Erros e fracassos são seus melhores professores, então se permita aprender e melhorar a partir deles em vez de se abater, e competir somente consigo mesma.

Você pode seguir Sherlann Peters no Instagram [24] e no Facebook [25]. O perfil de Maria Diaz no IG está aqui [26], sua página no Facebook está aqui [27], ou você pode visitar seu site [28].