No dia 5 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno das eleições no Brasil, a Justiça eleitoral determinou a retirada de dois outdoors com a imagem do atual presidente Jair Bolsonaro (PL, Partido Liberal), em Passo Fundo, no estado do Rio Grande do Sul, região sul do Brasil.
A decisão, divulgada nas redes sociais, atendia a uma ação de duas candidatas a deputadas por um partido de oposição ao governo dele, o PSOL (Socialismo e Liberdade): a atual deputada estadual Luciana Genro e Ingra Costa, candidata a deputada federal.
De painéis gigantes em cidades a outros menores na beira de rodovias ou na capital federal, com mensagens de apoio ou críticas, alguns em tom cômico, outros com fake news, os outdoors com teor político se espalharam de Norte a Sul do Brasil nos últimos anos — aqueles com referência a Bolsonaro parecem ser o tipo mais comum.
Na região do caso denunciado pelas candidatas eles também não são novidade, como contou Ingra ao Global Voices. Em época de campanha, apesar de irregulares por lei, outdoors antigos em apoio ao atual presidente têm sido recuperados e outros novos foram colocados, segundo ela.
No ano passado, um painel similar em apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT, Partido dos Trabalhadores) foi derrubado também em Passo Fundo por um grupo, usando uma motosserra. Depois de ter ficado preso por 580 dias e ter os processos contra ele anulados, Lula tem aparecido à frente nas pesquisas para o primeiro turno das eleições, em 2 de outubro.
Com a retirada dos outdoors por ordem da Justiça, Ingra relatou ter virado alvo de ameaça. Em cerca de cinco mensagens de áudio, às quais o GV teve acesso, um homem (que se identifica, mas que é não é conhecido por Ingra) diz que irá “fazer uma oração para tirar os demônios da vida dela” e fala em “meter fogo no diabo”.
Ele chama a candidata, que defende pautas como o feminismo, direitos das pessoas LGBTQIA+ e das religiões de matriz africana, de “vergonha dos cristãos, dos evangélicos, dos crentes” e diz que também recorrerá à Justiça caso encontre outdoors dela e de Luciana na cidade.
Ingra fez um registro policial contra o autor:
O processo eleitoral tem diversas regras que mantêm a lisura do processo e elas devem ser respeitadas por todos os candidatos, independente de qual partido ou cargo no qual estejam.
As regras eleitorais servem para todos e toda publicidade eleitoral deve estar dentro da legislação. Eles não são o ‘alecrim dourado’ para fazer o que querem. Apesar de não estarem acostumados a agir dentro da lei, seguiremos cobrando e fazendo a nossa parte.
No ato de bolsonaristas pelos 200 anos de Independência do Brasil, em Passo Fundo, no dia 7 de setembro, o nome dela foi citado e vaiado por apoiadores do presidente. A cidade ficou conhecida ainda por uma estátua de Bolsonaro feita de sucata, que também teve a retirada ordenada pela Justiça eleitoral.
Onda pelo país
Em agosto, também no estado do Rio Grande do Sul, na capital Porto Alegre, apoiadores de Bolsonaro bancaram um outdoor que associava à esquerda ao narcotráfico e à censura. O painel gigante foi retirado seguindo ordem judicial.
Um levantamento do site de notícias G1 aponta que a Justiça eleitoral determinou a retirada de outdoors do tipo, associando a esquerda a crimes, em ao menos oito estados brasileiros no período eleitoral.
A lei federal proíbe o uso de outdoors para propaganda eleitoral no Brasil, podendo gerar multa entre R$5.000 e R$15.000 (algo em torno de US$ 980 e US$ 2,940). A vedação é para o período eleitoral e pré-eleitoral, porque condutas vedadas na campanha são proibidas também na pré-campanha, segundo especialista ouvido pelo GV.
Fora desses períodos, se outdoors com fins eleitorais forem construídos, a multa acontece se a finalidade eleitoral for comprovada.
Segundo a Lei nº 12.891, a norma diz:
É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
No dia 30 de agosto, o TSE multou em R$5.000 a Cooperativa dos Produtores Agropecuaristas de Paraíso (Copper), em Mato Grosso do Sul, pela veiculação de uma propaganda eleitoral antecipada em outdoor — essa e outras peças, colocadas no interior e em fazendas, já haviam sido identificadas pelo site UOL em janeiro, 10 meses antes das eleições.
Em fevereiro, um ministro do tribunal rejeitou a ação do PT de Lula por não considerar haver propaganda eleitoral nas mensagens. O partido entrou com recurso.
Seis meses depois, em agosto, outro ministro, Sérgio Banhos, considerou que os outdoors traziam mensagens elogiosas e exaltavam qualidades de Bolsonaro. Por cinco votos a dois, a maioria entendeu que eles configuravam propaganda eleitoral antecipada.
O pedido do PT foi contra a cooperativa e Bolsonaro, solicitando apuração quanto a um possível abuso de poder econômico (passível de cassação e inelegibilidade) por parte do presidente.
O TSE, contudo, negou o pedido contra Bolsonaro por entender que não foram apresentadas provas de que ele sabia da instalação da propaganda irregular.
O que diz a lei
Uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também feita pelo site G1, revelou que ao menos 25 denúncias de painéis eleitorais irregulares foram recebidas em 2022.
Dois dos outdoors comparavam os candidatos, exaltando Bolsonaro e tratando o ex-presidente de forma pejorativa.
Entre os que comparam os dois lados, elementos como a foice e o martelo socialista são utilizados do lado da esquerda e de Lula, enquanto a bandeira do Brasil fica com Bolsonaro e os conservadores de direita.
A advogada Tailaine Cristina Costa, especializada em Direito Eleitoral e Direito Administrativo e integrante do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (IPRADE), avaliou em conversa com o Global Voices:
A polêmica dos outdoors está vinculada a questão do custo dessa propaganda, porque tem visibilidade e se beneficia quem pode pagar mais. Lembrando que a proibição ocorreu faz tempo. Porém, antes da eleição, não é proibido, desde que a pessoa não mostre vínculo político-eleitoral no conteúdo. Há quem defenda que não deve haver proibição, mas sim limitação.
O que entra em discussão na questão da limitação, também, é o fato de que um indivíduo pode contratar um outdoor para veicular alguma comemoração ou agradecimento, o que gera visibilidade e não possui fim político-eleitoral declarado. O que é proibido é assinar como candidato ou pré-candidato.
Ela lembra que há um tamanho limite definido para propagandas em placas e painéis:
Antes podia ser até 4m², mas recentemente a limitação é 0,5m², com a exceção o comitê central [da campanha], que pode ter maior, mas que não exceda 4m². As razões da irregularidade estão diante justamente da proibição de outdoor, de modo que foi ocorrendo a construção desses limites.
Sobre os chamados “lambe-lambe” (cartaz de tamanho variado que é colado em locais públicos), a advogada esclareceu que eles devem ter no máximo 0,5m², sem justaposição.
Quanto ao cumprimento efetivo da lei, ela diz:
Qualquer pessoa pode denunciar a irregularidade. Se for gritante a medida, o juiz pode determinar a retirada imediata, mas se necessitar de diligência, vai ser verificado se realmente extrapola as medidas e é determinada retirada e aplicação de multa ao candidato.