Prisão de cantora popular na Turquia provoca debate sobre sistema judicial

Imagem de Dusan Jovic. Livre para uso sob Unsplash License.

A cantora pop Gülşen (nome completo Gülşen Colakoglu), de 46 anos, foi detida pela polícia turca e aguarda julgamento devido a um comentário que fez, meses atrás, sobre escolas religiosas em um de seus shows.

Em abril, durante um concerto em Istambul, Gülşen brincou sobre o passado “Imam Hatip” de um dos seus colegas. As escolas de ensino médio Imam Hatip são instituições de educação religiosa islâmica originalmente fundadas para treinar imãs, mas que se popularizaram com o governo do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) liderado pelo presidente Recep Tayyip Erdoğan.

A prisão da cantora em 25 de agosto levou fãs e ativistas de direitos humanos a acusarem o sistema de justiça do estado de exagerado, permitindo que agressores acusados de violência contra as mulheres sigam impunes enquanto Gülşen é presa por causa de um comentário inofensivo. Outros afirmaram que a Turquia está se tornando mais conservadora.

“Turkey has no religious police. But its public prosecutors are now fulfilling the roles they play in Iran and Saudi Arabia. Latest: Singer Gülşen is in detention for insulting the graduates of religious İmam-Hatip schools. Underlying agenda: Pleasing ultra-conservative voters”. https://t.co/mHFsivniml

— Timur Kuran (@timurkuran) August 26, 2022

Estrela pop turca #Gülşen é presa por comentários sobre escolas islâmicas Imam Hatip. Ela pediu desculpas depois.

Há meses a cantora é alvo devido aos seus figurinos e por apoiar abertamente direitos LGBTIAQ+🏳️‍🌈

Enquanto isso, homens que matam mulheres continuam livres.

O gabinete da Procuradoria Geral de Istambul iniciou uma investigação com base no que a cantora falou no palco e que a levou a ser presa. Os comentários de Gülşen supostamente “incentivam ódio e hostilidade” e, também “humilham”.

Em um tuíte publicado por Gülşen horas antes de ser enviada a uma prisão só para mulheres, a cantora disse:

A joke I made about a friend I have worked with for many years was published by those whose goal is to further polarize the society. I am sorry for letting these people use my words for ill intentions. As I thrive to protect the freedoms I believe in, I have been swept by the radicals I am critical of. I apologize to anyone who got offended watching the video. I should have found a different language; I will find it.

Uma piada que fiz sobre um amigo com quem trabalhei por muitos anos foi publicada por pessoas cujo objetivo é polarizar ainda mais a sociedade. Sinto muito por ter deixado essas pessoas usarem minhas palavras com más intenções. À medida que prospero na proteção das liberdades em que acredito, os radicais que critico tentam me remover. Peço desculpas a todos que se sentiram ofendidos assistindo ao vídeo. Eu deveria ter usado uma linguagem diferente; vou encontrar uma para usar.

Outra cantora, Hadise, escreveu em apoio a Gülşen:

I am really upset. We are all humans, we make mistakes, because we are humans. Saying sorry, being able to apologize is a virtue. And there was an apology. I am asking you this, if those men, who savagely kill women, and say they will get out of prison in a month, or men who beat their wives in front of their children, were arrested like Gülşen was arrested today, how many women would still be alive?

Estou muito triste. Somos todos humanos, cometemos erros, porque somos humanos. Pedir desculpas, ser capaz de se desculpar é uma virtude. E houve um pedido de desculpas. Tenho uma pergunta a fazer: Se os homens que cruelmente matam mulheres e dizem que vão sair da prisão em um mês, ou homens que batem em suas esposas na frente de seus filhos, fossem presos da mesma maneira que Gülşen foi presa hoje, quantas mulheres ainda estariam vivas?

Tarkan, cantor e compositor turco, também condenou em um tuíte a prisão e pediu a libertação imediata de Gülşen:

Those who prosecute culprits for sexually abusing children, killing and raping women, in the absence of arrest, and in some cases letting them walk free, are moving quickly when it is about Gülşen. The justice system that ignores those engaged in corruption, theft, slaughter the nature, break laws, kill animals, use religion for their own bigoted ideas and polarize the society, arrest Gülşen right away.

Os responsáveis por deixarem soltos culpados de abuso sexual de crianças, assassinato e estupro de mulheres, são as mesmas pessoas que estão agindo rapidamente no caso de Gülşen. O sistema de justiça que prendeu Gülşen prontamente, é o mesmo que ignora pessoas envolvidas em corrupção, roubo, destruição da natureza, descumprimento de leis, assassinato de animais, uso da religião para difusão de ideias intolerantes e fanáticas que polarizaram a sociedade.

O usuário do Twitter, Louis Fishman, comentou:

Sério? A popstar da Turquia, Gülşen, foi levada sob custódia policial para ser investigada por “incitar ódio+hostilidade ao público” por causa de uma piada feita por ela 4 meses atrás em que dizia que uma das perversões de um de seus músicos vem do fato de ele ter frequentado uma escola religiosa.

O advogado de Gülşen, Emek Emre, afirmou que vai apelar da decisão do tribunal baseado no fato de que nenhum crime foi cometido e que a decisão jurídica foi exagerada.

O prisma conservador

Há preocupações de que a prisão de Gülşen possa ser parte de um plano maior. O médico turco, Alp Sirman, escreveu que esta foi só uma pequena amostra do que a Turquia deve esperar nas próximas eleições gerais em junho: “Proibição de festivais, pressão contra a Universidade do Bósforo, prisão da jornalista Sedef Kabas e da cantora Gülşen. O AKP está mostrando o tipo de Turquia que planeja ter após a eleição. “Se é isso que você quer, vá e vote [neste partido]”.

Nos últimos quatro meses, autoridades municipais e estaduais emitiram proibições para cerca de 16 eventos pela Turquia, incluindo festivais de música e shows, sendo o mais recente o Milyon Fest na província turca de Fethiye.

Yektan Turkyilmaz, antropólogo do centro de estudos do Mediterrâneo Oriental, na Universidade da Europa Central em Viena, disse ao site de notícias Al-Monitor em uma entrevista em maio: “Esta proibição na Turquia não é realmente sobre música; é na verdade uma proibição visando reuniões de grupos. Existem espaços públicos com os quais o regime de Erdogan está preocupado — como por exemplo, bares.”

These are the cultural antithesis to what Erdogan stands for; places he knows people are mostly critical of him. Next, there is a social class aspect. These bans are applied to middle and upper-middle groups; they are the ones going to bars or concerts after midnight mostly. Music could generate potentially dangerous messages. Last, Erdogan must now be thinking the time is ripe to alter the cultural codes of Turkey.

Esta é a antítese cultural que Erdogan representa; lugares que ele sabe que a maioria das pessoas o criticam. Existe também o aspecto de classe social. Os alvos destas proibições são grupos de classe média e classe média alta e, são principalmente estes grupos que frequentam bares ou shows depois da meia-noite. Mensagens geradas pela música podem ser potencialmente perigosas. Por último, Erdogan deve estar pensando agora que o momento é propício para alterar o códigos culturais da Turquia.

A Associação de Advogados da Turquia (TBB), emitiu uma declaração após a prisão de Gülşen questionando a independência e imparcialidade do poder judiciário, descrevendo a decisão do tribunal “como meio de punição” e pedindo o fim imediato de tais práticas ilegais.

Underlining that the arbitrary and disproportionate detention measure, without complying with the conditions written in the law, means a violation of the right to personal security and freedom, this unlawful practice should be stopped immediately.

A medida de detenção arbitrária e desproporcional, que descumpre condições escritas na lei, significa uma violação do direito à segurança e liberdade pessoal, essa prática ilegal deve ser interrompida imediatamente.

Gülşen conhece bem as críticas dos conservadores. Aa escolhas dos figurinos usados em seus shows já fizeram manchete nos jornais locais, assim como seu apoio declarado a direitos LGBTQ +. Recentemente, em janeiro passado, a cantora foi criticada pelo estilo de se vestir que mostra muito o corpo. Em resposta, Gülşen tuitou: “Eu não sou escrava de ninguém. Eu não pertenço a ninguém. Eu sou eu. Eu pertenço a mim mesma”.

Yes, I am a daughter of a mother and father, yes, I am a wife to a man, and a mother to a baby. But more than a father's daughter, a man's wife, and a mother, I am a human of reason and thought. And I am more than these attributions.

Sim, sou filha de uma mãe e de um pai, sim, sou esposa de um homem e, mãe de um bebê. Só que mais do que a filha de um pai, do que a esposa de um homem e de ser mãe, eu sou um ser humano que raciocina e pensa. Eu sou mais do que essas atribuições.

De muitas formas, a cantora popular está quebrando tabus e estereótipos com tais declarações, o que os conservadores que apoiam o governo do Partido da Justiça e Desenvolvimento podem usar como oportunidade para promover sua própria pauta. O jornalista e acadêmico, Kenan Behzat Sharpe, falou recentemente em uma entrevista ao The Independent: “quanto mais a oposição protestar contra Gülşen, mais os segmentos conservadores da sociedade dirão que é isso que a Turquia vai ser se a oposição vencer: mulheres seminuas e bandeiras LGBT”.

Inicie uma conversa

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.