O Caribe responde ao complicado legado da rainha Elizabeth II

Rainha Elizabeth II, durante a celebração dos seus 80 anos na Catedral de St. Paul, em Londres, Inglaterra. Foto por Michael Gwyther-Jones em Flickr, CC BY 2.0.

Depois de 70 anos, a ponte de Londres caiu: a rainha Elizabeth II, a monarca que ficou mais tempo no trono britânico, faleceu em 8 de setembro em seu amado Castelo Balmoral, na Escócia, não muito depois de seus médicos revelarem que estavam “preocupados” com sua saúde. Ela tinha 96 anos.

A rainha celebrou jubileu de platina no início deste ano. Como parte das celebrações, o duque e a duquesa de Cambridge, o príncipe William e sua esposa Catherine, embarcaram em uma turnê pelo Caribe e foram recebidos com alguma resistência sobre questões remanescentes relacionadas com a colonização. Em Belize, por exemplo, a comunidade maia q'eqchi organizou protestos sobre os direitos da terra indígena, enquanto na Jamaica, as pessoas apelavam por um pedido de desculpas da família real britânica por seu papel no comércio transatlântico de escravos.

A questão das reparações também era uma das principais. Em 2015, o ex-primeiro-ministro britânico David Cameron se recusou a realizar qualquer discussão sobre reparações, aconselhando os jamaicanos a “superar a escravidão”. Em vez disso, ele prometeu construir uma nova prisão na ilha, o que apenas juntou insulto à injúria. No entanto, durante a turnê do jubileu da rainha, o príncipe William parou pouco antes de um pedido de desculpas.

Uma história tão tensa deixou muitos na região tentando alcançar um bom equilíbrio entre reconhecer uma vida dedicada ao dever e ao serviço e lutar com um legado que infligiu sua cota de dor e luta.

Em uma troca de mensagens sobre história, do grupo Museu Virtual de Trinidade e Tobago no Facebook de Angelo Bissessarsingh, os membros lembraram Elizabeth II por seu comportamento com “dignidade e graça”, que fez “muito pelo país e pela Commonwealth”, e cumpriu seus deveres de rainha “até o fim”.

Apenas dois dias antes de morrer, a rainha cumpriu o que seria seu dever constitucional final, formalmente nomeando o 15º primeiro-ministro de seu longo reinado. O trinitário Mark Edghill prestou homenagem no Facebook:

May she Rest Peacefully now after honoring her vow to give her whole life to serving as the Queen of the United Kingdom and the Commonwealth. Committed to duty, tradition and protocols.
A symbol and pilar of strength and stability across the globe. Transcending decades of cultural changes, development and technological advancement.
Truly the end of an era!

Que ela descanse em paz agora, depois de honrar seu juramento de servir por toda a vida como a Rainha do Reino Unido e da Commonwealth. Comprometida com o dever, tradição e protocolos.
Um símbolo e pilar de força e estabilidade em todo o mundo. Transcendendo décadas de mudanças culturais, desenvolvimento e avanços tecnológicos.
O verdadeiro fim de uma era!

Os governos regionais reconheceram a morte da rainha de diversas maneiras:

Hoje, a presidente de Barbados, Sua Excelência a Honorável Dama Sandra Mason, apresentou condolências, em nome do governo e do povo de Barbados, a Sua Majestade o Rei Carlos III, pelo falecimento da Soberana, Sua Majestade, a rainha.

O Banco Central de Trinidade e Tobago examinou o “profundo legado da rainha através da história da moeda de Trinidade e Tobago”, enquanto na Jamaica — onde a rainha era chefe de estado — um dia nacional de luto foi declarado para 18 de setembro, com a advertência de que nenhum evento comemorativo deveria ocorrer.

Da Guiana, o autor Ruel Johnson disse claramente:

In 1954, two years after Queen Elizabeth II ascended to the throne, a young poet, himself just a year younger than the then 27-year-old monarch, was thrown into a jail for protesting the rule of the British Empire over the tiny South American colonial territory he was born into, British Guiana. The picture [accompanying Johnson's post] shows that poet, Martin Carter (glasses), being detained along with Cheddi Jagan who was at the time leading the fight for independence from Her Majesty's Empire.

That movement would be met with violence from the Crown's government, the deployment of British troops to the tiny place that we know today as Guyana.

Of that era, Carter would write:
‘This is the dark time, my love,
All round the land brown beetles crawl about.
The shining sun is hidden in the sky
Red flowers bend their heads in awful sorrow.
This is the dark time, my love,
It is the season of oppression, dark metal, and tears.
It is the festival of guns, the carnival of misery.
Everywhere the faces of men are strained and anxious.
Who comes walking in the dark night time?
Whose boot of steel tramps down the slender grass?
It is the man of death, my love, the strange invader
Watching you sleep and aiming at your dream.’

Know your history. You have been fed a carefully curated image of cups of tea and crumpets and curtsies and corgis when what exists was built upon blood and injustice.

Em 1954, dois anos depois que a rainha Elizabeth II subiu ao trono, um jovem poeta, ele próprio apenas um ano mais novo que a monarca de 27 anos, foi preso por protestar contra o domínio do Império Britânico sobre o pequeno território colonial sul-americano em que nasceu, a Guiana Inglesa. A foto [que acompanha o post de Johnson] mostra aquele poeta, Martin Carter (óculos), sendo detido junto com Cheddi Jagan que na época liderava a luta pela independência.

Esse movimento seria recebido com violência do governo da Coroa, o envio de tropas britânicas para o pequeno lugar que conhecemos hoje como Guiana.

Daquela época, Carter escreveria:
‘Este é o tempo escuro, meu amor,
Ao redor de toda a terra besouros marrons rastejam.
O sol brilhante está escondido no céu.
Flores vermelhas inclinam a cabeça em terrível tristeza.
Este é o tempo escuro, meu amor,
É a temporada de opressão, metal escuro e lágrimas.
É o festival de armas, o carnaval da miséria.
Em todos os lugares os rostos dos homens estão tensos e ansiosos.
Quem vem andando no tempo escuro da noite?
De quem é a bota de aço que desce pela relva elegante?
É o homem da morte, meu amor, o estranho invasor
Observando-a dormir e mirando no seu sonho.’
Conheça a sua história. Você foi alimentado com uma imagem cuidadosamente selecionada de xícaras de chá e bolinhos e reverências e corgis quando o que existe foi construído com sangue e injustiça.

O historiador nascido na Guiana, professor Richard Drayton, que passou grande parte de sua vida em Barbados — o mais recente território caribenho a se tornar uma repúblicacomparou Elizabeth II com o cantor norte-americano Chuck Berry e o revolucionário cubano Fidel Castro, “três vidas que marcaram o mundo do final do século 20 de maneiras muito diferentes”:

All three were themselves boundary stones of an age in which an anti-Democratic, racist world order, that world of empire and Jim Crow, of cap doffing and acceptance of status inequality which had endured for centuries was suddenly turned upside down.

I was born in what was then still a British colony and throughout my primary school days the light blue covered exercise books all had her coronation portrait on the cover. We all used to draw 👓 on her, black out the odd tooth to make an inky gap in the royal mouth, and sometimes add a moustache. These acts of defacement were not anti-monarchical in impulse, but certainly were minor acts of rebellion against the many kinds of authority of which we somehow knew she was an anchor.

This is what will be suppressed in this season of compulsory mass emotions, however benign and well-meaning E2 was as a flesh and blood person, of which neither you nor I have concrete knowledge, the Queen’s other body, the official one, symbolised absolute un-democratic right derived from status not contract. She outlived Chuck and Fidel, but she was a guardian of the past, they ambassadors from the future.

Os três eram marcos fronteiriços de uma época em que uma ordem mundial antidemocrática e racista, aquele mundo de império e Jim Crow, de tirar o chapéu e aceitação da desigualdade de status que havia perdurado por séculos foi repentinamente virada de cabeça para baixo.

Eu nasci no que ainda era uma colônia britânica e ao longo dos meus dias de escola primária todos os livros de exercícios cobertos de azul claro tinham o retrato da sua coroação na capa. Todos nós costumávamos desenhar 👓 nela, escurecer o dente estranho para fazer um vazio de tinta na boca real e, às vezes, adicionar um bigode. Esses atos de desfiguração não foram antimonárquicos por impulso, mas certamente foram pequenos atos de rebelião contra os muitos tipos de autoridade dos quais de alguma forma sabíamos que ela era uma âncora.

Isto é o que será suprimido nesta época de emoções massivas obrigatórias, por mais benignas e bem-intencionadas que fosse E2 como uma pessoa de carne e osso, da qual nem você nem eu temos conhecimento concreto, o outro corpo da rainha, o oficial, simbolizava o direito absoluto antidemocrático derivado do status e não de contrato. Ela sobreviveu a Chuck e Fidel, mas ela era uma guardiã do passado, eles embaixadores do futuro.

Observando que “os motores de mídia do estado corporativo tentarão manipular essas emoções em massa, esta nuvem de sentimentalismo industrialmente produzido sobre o passado, para moldar o presente e controlar o futuro”, Drayton advertiu:

Against this witchcraft you need to wield your apotropaic charms: whenever they mention Liz, fuse her with Fidel and Chuck, they will be her psychopomps, escorting her to freedom. 😂 Set her free to wear fatigues, smoke cigars, and duck walk into eternity.

Contra esta feitiçaria você precisa empunhar seus encantos apotropaicos: sempre que mencionarem Liz, ou a fundirem com Fidel e Chuck, eles serão os psicopompos dela, escoltando-a para a liberdade. 😂 Liberte-a para usar farda militar, fumar charutos e caminhar para a eternidade.

O ativista LGBTQ+ trinitário, Jason Jones, que mora no Reino Unido, resumiu a avalanche de reações desta forma:

So… a landmark moment in our lives. Loss. Hate. Frustration. Admiration. Fire. We are all twisted in our ideas of mourning & respect.

Então… um momento marcante nas nossas vidas. Perda. Ódio. Frustração. Admiração. Fogo. Estamos todos distorcidos em nossas ideias de luto e respeito.

Apesar de tudo, a trinitária-tobagense, Dionne Ligoure, afirmou:

Say wha all yuh want she was DUTIFUL to the end.

Digam o que quiserem, ela foi DILIGENTE até o fim.

A personalidade regional de rádio, Wayne LeBlanc, observou:

The BBC will now take all broadcast Networks to School as coverage of Passing of QE 11 begins 🖤

A BBC vai levar agora todas as redes de transmissão para a escola, quando a cobertura do falecimento da RE 11 começar 🖤

A rainha Elizabeth II permanecerá por 24 horas na Catedral de St. Giles, em Edimburgo, onde os cidadãos poderão prestar homenagem. Seu corpo será então levado para Londres, onde ficará até o funeral, que deve ocorrer em cerca de 10 dias na Abadia de Westminster, em Londres.

[Nota do Editor (10 de setembro de 2022, 15h54 AST): uma versão anterior deste artigo referia-se a uma carta escrita por “membros da UNC”. O artigo foi alterado para remover esta referência errônea].

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