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Azerbaijão, Armênia e perspectivas tênues de paz

Categorias: Ásia Central e Cáucaso, Europa Ocidental, Europa Oriental e Central, Armênia, Azerbaijão, Bélgica, Rússia, Guerra & Conflito, História, Mídia Cidadã, Política, Refugiados, Relações Internacionais

Imagem de Sunguk Kim [1]. Livre para uso sob licença Unsplash. [2]

Dois anos após os 44 dias de guerra [3] travados entre o Azerbaijão e a Armênia, as perspectivas de paz aproximam-se cada vez mais, mas resta saber se isso vai realmente acontecer ou se vai continuar.

Em 3 de setembro, em uma entrevista [4] com uma plataforma de notícias italiana, o presidente Ilham Aliyev teria dito que um acordo de paz entre a Armênia e o Azerbaijão era “realista” nos próximos meses, mas apenas “se a Armênia mostrar a mesma vontade”.

A entrevista teve lugar pouco depois de o presidente do Azerbaijão e o primeiro-ministro da Armênia terem se reunido em Bruxelas, em 31 de agosto, como parte dos esforços de mediação liderados pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

Em um comunicado [5] após a reunião de quatro horas, Charles Michel disse que a discussão foi “aberta e produtiva”. De acordo com a declaração de Michel, uma série de questões-chave estavam na agenda; um potencial acordo de paz, questões humanitárias, questões de fronteira e conectividade.

Enquanto a próxima reunião está marcada para novembro, o presidente do Conselho Europeu encorajou os dois líderes a trabalharem com suas respetivas populações, preparando-as “para uma paz sustentável e de longo prazo”, disse [5] Michel. De acordo com os meios de comunicação, ambas as partes pediram [6] aos respetivos ministérios das Relações Exteriores que começassem a redigir um acordo de paz.

Na Armênia, a entrevista do presidente Ilham Aliyev ao jornal italiano não foi bem recebida. O ministro das Relações Exteriores, Ararat Mirzoyan, acusou o lado azeri de “torpedear o processo de paz”, ao mesmo tempo em que descartava as preocupações da Armênia sobre “as condições futuras de Karabakh e a segurança de sua população”, relatou [7] ao Mirror-Spectator. “O fracasso em ouvir ou as tentativas de não ouvir essa perspectiva dá ao lado armênio razões para duvidar da sinceridade das intenções do Azerbaijão de alcançar a paz”, disse Mirzoyan em um comentário escrito ao jornal.

A reunião de agosto entre os líderes seguiu uma série de outras [8] reuniões entre funcionários do governo de ambos os lados. Em 19 de agosto, Armen Grigorian, secretário do Conselho de Segurança da Armênia, reuniu-se com [9] Hikmet Hajiyev, conselheiro de política externa do presidente do Azerbaijão, em Bruxelas.

Discussões positivas e substantivas em Bruxelas hoje sobre relações e engajamento com HikmetHajiyev [10] e Armen Grigoryan.

A reunião foi presidida por Toivo Klaar, Representante Especial da UE para o Cáucaso Meridional e a Crise na Geórgia, que não fez mais observações sobre os pormenores da reunião.

Além disso, em 22 de maio e 31 de agosto, os representantes da comissão de fronteira se reuniram para discutir os próximos passos na demarcação de fronteiras em Moscou. Em junho, os vice-ministros da Armênia, Azerbaijão e Rússia se reuniram em Moscou para discutir o futuro dos canais de transporte regionais. Em julho, realizou-se outra reunião entre os ministros das Relações Exteriores da Armênia e do Azerbaijão.

Lutas contínuas e escaladas

A área de Nagorno-Karabakh tem estado sob o controle de sua população étnica [13] armênia [13] como um estado autodeclarado [14] desde uma guerra travada no início da década de 1990,  [15]que terminou com um cessar-fogo e a vitória militar armênia em 1994. No rescaldo da primeira guerra, uma nova e internacionalmente não reconhecida República de Nagorno-Karabakh foi estabelecida [15]. Sete regiões adjacentes foram ocupadas [15] pelas forças armênias. Como resultado dessa guerra, “mais de um milhão de pessoas foram forçadas a deixar suas casas: os azeris fugiram da Armênia, do Nagorno-Karabakh e dos territórios adjacentes, enquanto os armênios deixaram suas casas no Azerbaijão”, de acordo [16] com o Grupo Internacional de Crise, uma organização independente que trabalha para evitar guerras e moldar políticas.

Após a segunda guerra do Karabakh em 2020, o Azerbaijão recuperou [17] o controle sobre grande parte das sete regiões anteriormente ocupadas. O Azerbaijão também capturou um terço [17] do próprio Karabakh durante a guerra.

Em 10 de novembro de 2020, a Armênia e o Azerbaijão assinaram um acordo de cessar-fogo [18] intermediado pela Rússia. Entre vários pontos do acordo, a Armênia e o Azerbaijão concordaram [15] que 1.960 forças de manutenção da paz russas permaneceriam nas partes do Karabakh “não recapturadas pelo Azerbaijão e um corredor estreito conectando com a Armênia através do distrito azeri de Lachin”.

Desde o acordo assinado em novembro de 2020, houve várias [19] denúncias [20] de violações de cessar-fogo,  [21]com cada lado culpando o outro por explosões. Em março, o exército azeri tomou o controle de uma aldeia estratégica de Farukh, [22] no leste de Karabakh, protegida pelas forças de paz russas. As tensões mais recentes foram relatadas em agosto [23], quando o Azerbaijão assumiu outro nível estratégico após uma operação chamada “Vingança [24]”.

Em 2 de setembro, o Ministério da Defesa do Azerbaijão disse [25] que seu exército foi alvejado pelas forças armadas armênias. No mesmo dia, a Armênia acusou [26] o Azerbaijão de violar o acordo de cessar-fogo. Dois dias depois, o lado azeri acusou [25] a Armênia de fazer o mesmo, o que a Armênia negou. Em 5 de setembro, o Ministério da Defesa da Armênia acusou o Azerbaijão de atirar e matar um de seus soldados, segundo informações [27] da Radio Liberty, uma acusação negada pelo Ministério da Defesa do Azerbaijão.

Sem paz por algum tempo, pelo menos ainda não

Em agosto, o Grupo de Crise Internacional publicou [28] uma análise da situação em Karabakh, incluindo a recente onda de tensões e escaladas. “Baku tem três objetivos que deseja alcançar pela força ou pela ameaça”, escreveram os autores do relatório, “que espera pressionar a Armênia a capitular nas negociações”.

Segundo os autores do relatório do Grupo Internacional de Crise, o primeiro objetivo diz respeito às rotas terrestres que ligam a Armênia a Nagorno-Karabakh. Antes da reunião trilateral em Bruxelas, as forças do Azerbaijão entraram [29] em Lachin, onde os residentes armênios receberam um prazo [30] para deixar suas casas até 25 de agosto. Lachin está situado ao longo de uma faixa estreita, referido como o “corredor de Lachin”, ligando a Armênia a Nagorno-Karabakh. O deslocamento dos armênios que viviam em Lachin fazia parte de um acordo de cessar-fogo assinado em novembro de 2020, que também estipulava a construção de um novo corredor de Lachin a sul da atual estrada. As tropas russas de manutenção da paz, que controlam o atual corredor, mudariam para o novo local, concedendo às forças do Azerbaijão controle total sobre a antiga estrada segundo o acordo de cessar-fogo de 2020.

O segundo objetivo, de acordo com a análise do Grupo de Crise, é a frustração de Baku com a falta de progresso no desarmamento militar total de Nagorno-Karabakh, conforme o acordo de cessar-fogo de 2020: “Yerevan diz que foi feito [31]. A questão, diz a análise, é a preocupação do Azerbaijão de que as autoridades de fato do Nagorno-Karabakh mantenham uma força armada. Baku argumenta que essa força é ilegal, exigindo que as forças de paz russas a desarmem, enquanto a Armênia e as autoridades de fato afirmam que seu desarmamento nunca fez parte do acordo de cessar-fogo”.

De acordo com a reportagem [31] da Eurasianet, o chefe do Conselho de Segurança da Armênia, Armen Grigoryan, disse que os recrutas armênios devem voltar para casa em setembro e que a segurança dos armênios em Nagorno-Karabakh será fornecida pela presença das forças russas de manutenção da paz.

Finalmente, o funcionário de Baku está interessado em finalizar a disputa a seu favor com um acordo assinado em conjunto.

Do ponto de vista da Armênia, é o Azerbaijão que está postergando [28] os esforços diplomáticos. Os recentes avanços militares [23] deste último são vistos como um sinal de que o Azerbaijão quer alcançar “vantagem estratégica” e tentar “pressionar [a Armênia] a abandonar quaisquer apelos para manter as discussões sobre a futura situação do Nagorno-Karabakh”.

Por trás do jogo de culpa, acusações e interesses estratégicos está o contexto que vale a pena destacar, a inimizade de décadas entre as duas nações. Apesar da declaração de Charles Michel após a reunião de 31 de agosto entre os dois líderes, na qual ele apelou aos dois líderes para começar a trabalhar com suas respectivas populações na preparação para a paz, parece haver pouco ou nenhum progresso, tornando a paz de longa duração improvável para o futuro próximo.