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A ‘guerra às drogas’ enfrenta um revés, com a recusa das Filipinas de se juntar ao TPI

Categorias: Leste da Ásia, Filipinas, Direitos Humanos, Governança, Lei, Mídia Cidadã, Política, Relações Internacionais
Memorial for Tokhang victims [1]

Uma atividade memorial exigindo justiça para alguns dos mortos durante a controversa campanha antidrogas do governo. Foto [1] da página do Facebook da Rise Up for Life and for Rights.

O presidente Ferdinand Marcos disse à mídia que, após consultar sua equipe jurídica, as Filipinas não voltarão a se juntar [2] ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

As Filipinas se retiraram do TPI em março de 2018 durante a presidência de Rodrigo Duterte, acusado de cometer graves crimes contra a humanidade ligados à sangrenta “guerra às drogas [3]“, conhecida localmente como Tokhang. A retirada entrou em vigor em março de 2019. O mandato de Duterte terminou em 30 de junho de 2022.

A tokhang levou a milhares de assassinatos e prisões de suspeitos de usuários de drogas, mascates e líderes de gangues. Não há um número oficial de mortes relacionadas a Tokhang, mas pesquisas sugerem que varia [4] de pelo menos 6.000 a 30.000 pessoas. Grupos de direitos humanos disseram que a Tokhang mirou indiscriminadamente em comunidades pobres urbanas [5], o que levou a prisões arbitrárias e execuções extrajudiciais. A polícia alegou que policiais foram forçados a atirar em suspeitos de posse de drogas em legítima defesa. Duterte defendeu a polícia e acusou os críticos da Tokhang de promover uma agenda antigovernamental.

Famílias de vítimas da Tokhang entraram com processos [6] contra o governo de Duterte no TPI. Em resposta, o TPI realizou uma revisão [7] e fez esta declaração inicial em 2021 [8]:

[T]he Chamber concludes that there is a reasonable basis for the [p]rosecutor to proceed with an investigation, in the sense that the crime against humanity of murder appears to have been committed, and that potential case(s) arising from such investigation appear to fall within the Court’s jurisdiction.

A Câmara conclui que há base razoável para que o procurador prossiga com uma investigação, no sentido de que o crime contra a humanidade de homicídio parece ter sido cometido, e de que casos potenciais decorrentes de tal investigação parecem ser da competência do Tribunal.

Marcos, cuja vice-presidente é filha de Duterte, disse que não há necessidade de uma investigação do TPI [9] já que os órgãos do governo estão revisando a conduta da polícia que impôs a Tokhang:

We’re saying that there is already an investigation going on here and it’s continuing, so why would there be one like that [in the ICC]?

Estamos dizendo que já existe uma investigação em andamento aqui e ela continua, então por que deveria haver uma igual [no TPI]?

Alguns senadores disseram que a decisão de Marcos afirma a soberania do país [10] e a política externa independente. O secretário de Justiça, Jesus Crispin “Boying” Remulla, reiterou o ponto [11] sobre o TPI interferir nos assuntos internos das Filipinas:

[Our justice system] is not perfect but it’s functioning, we are not a banana republic so why should they want to go to the country? Unless the agenda is political, and we don’t want political agenda by people other than us. We do our politics, not foreigners.

[Nosso sistema de justiça] não é perfeito, mas está funcionando, não somos uma república das bananas, então por que eles deveriam vir para esse país? A menos que a agenda seja política, e não queremos agenda política de outras pessoas além das nossas. Nós fazemos nossa política, não os estrangeiros.

Duterte também se recusou a ser responsabilizado por um tribunal estrangeiro. Ele insistiu que, se condenado, só pode ser preso em uma prisão filipina na cidade de Muntinlupa.

‘Sou filipino. Se for processado, será por um promotor filipino. Se for julgado, será por um juiz filipino. E se for preso, devo ir para Muntinlupa’, disse.

A ex-senadora Leila de Lima apelou a Marcos que reconsidere [14] sua decisão. Ela acrescentou que, mesmo após a retirada formal do país do TPI, o órgão mantém jurisdição sobre casos envolvendo crimes ocorridos antes de 2019. Isso significa que o TPI pode investigar os casos relacionados a Tokhang que ocorreram durante a primeira metade da presidência de Duterte.

Em comunicado à imprensa, o grupo de direitos humanos Karapatan [15] apontou a implicação da decisão de Marcos:

Marcos Jr. has indicated where his administration stands on issues pertaining to the respect for civil and political rights, particularly its callousness on the plight of the drug war victims and their families and their calls for accountability. He has effectively denied them justice.

Marcos Jr. indicou a posição de seu governo em questões relacionadas a respeito aos direitos civis e políticos, particularmente sua insensibilidade com a situação das vítimas da guerra às drogas e suas famílias e seus pedidos de responsabilização. Ele efetivamente negou justiça a eles.

Kristina Conti, assessora jurídica de um grupo de voluntários que presta assistência jurídica a sobreviventes e familiares de vítimas da Tokhang, rejeitou os argumentos do governo Marcos

Erro terrível, e pode revelar-se um erro de cálculo caro não voltar a integrar o TPI. A premissa de Marcos está incorreta; não há investigação genuína nas Filipinas sobre a política do governo ou o padrão de atividades que levaram a crimes contra a humanidade.

Ela alertou que perpetuar a injustiça gerará mais dissidências [18]:

When the people feel that the government cannot or will not protect them and their interests, and that the powerful can get away with anything, even murder, beyond alienation and disappointment, it is Marcos who should very well know how the people can turn their backs against and topple those in power.

Quando o povo sente que o governo não pode ou não vai protegê-lo e aos seus interesses, e que os poderosos podem se safar de qualquer coisa, até de assassinato, além de alienação e decepção, é Marcos que deve saber muito bem como o povo pode virar as costas e derrubar os que estão no poder.

O promotor do TPI deu a todas as partes interessadas, incluindo o governo filipino, até 8 de setembro para apresentar observações e comentários [19] sobre a decisão de continuar sua investigação dos casos relacionados a Tokhang.