- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Desaparecida, supostamente morta: caso sensacionalista de assassinato na Jamaica chama a atenção para situação de mulheres caribenhas vulneráveis

Categorias: Caribe, Jamaica, Ativismo Digital, Lei, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Protesto
[1]

Foto em destaque via elementos gratuitos Canva [1].

Uma influenciadora de rede social popular na Jamaica, Donna-Lee Donaldson, que foi dada como desaparecida em 13 de julho, dois dias depois de acompanhar seu namorado, o policial Noel Maitland, até seu apartamento em New Kingston, ainda não foi encontrada, mas em 2 de agosto, Maitland foi acusado de seu assassinato. Oficiais de investigação da Jamaica Constabulary Force [2] (JCF) supõem que Donna foi morta entre 16h e 20h do dia 12 de julho.

Maitland foi preso pela primeira [3] vez em 27 de julho, após uma análise de caso pelo Ministério Público. A decisão de acusá-lo pela suspeita de assassinato foi baseada em registros telefônicos e perícia. Este caso de grande visibilidade é apenas uma das muitas histórias trágicas de feminicídio [4] na região do Caribe.

Em uma sequência de postagens, o jornalista Abka Fitz-Henley forneceu detalhes do suposto crime. A polícia teorizou que Maitland pode ter recebido assistência para cometer o crime, embora nenhuma outra prisão tenha sido efetuada até o momento:

ÚLTIMAS NOTÍCIAS: O policial Noel Maitland (Noel One Time) foi acusado de assassinato em conexão com o desaparecimento de Donna-Lee Donaldson.

Maitland foi acusado hoje por investigadores do setor de Contraterrorismo e Crime Organizado da JCF.

O repórter observou também que Maitland pode “enfrentar acusações adicionais em conexão com o que a polícia acredita serem esforços para esconder seu envolvimento no crime e frustrar a investigação da polícia”.

Após as acusações, seguiram-se dias de crescente ansiedade e intensa especulação nas redes sociais sobre o desaparecimento de Donna Donaldson. Apoiadores continuaram com uma enxurrada interminável de postagens on-line, inclusive em várias contas do Instagram criadas em apoio a Donaldson, bem como postagens no Facebook e vídeos no Tik Tok e no YouTube. Muitas dessas publicações incluem rumores infundados e teorias disparatadas sobre como ocorreu a morte de Donaldson, quem mais poderia estar envolvido, por que a investigação parecia estar caminhando devagar e se houve ou não um “encobrimento” da polícia. Uma conta compartilhou fotos de outras mulheres jamaicanas registradas como desaparecidas.

O comissário de polícia Antony Anderson reagiu com veemência, acusando os jamaicanos [8] de postar notícias falsas, criando confusão e aumentando os desafios que a polícia tem enfrentado em suas investigações. Ele diferenciou boatos de redes sociais de relatórios de mídia imprecisos:

I am not referring to news with inaccuracies, I am referring to fabricated and misleading stories com relation to an investigation. Every time these fabrications are published they not only divert the attention of the police, but they further traumatise the grieving family and loved ones.

Não estou me referindo a notícias imprecisas, estou me referindo a histórias inventadas e enganosas em relação a uma investigação. Cada vez que essas invenções são publicadas, não apenas desviam a atenção da polícia, mas traumatizam ainda mais a família e os entes queridos enlutados.

Um jamaicano comentou:

Há muitos blogueiros com seus vídeos-isca apenas buscando mais visualizações e seguidores com o incidente de Donna Lee Donaldson.

A busca pelo corpo de Donaldson continua, [10] em um cenário de protestos públicos contínuos de seus apoiadores, seguidores e amigos, que se manifestaram em voz alta com cartazes no do lado de fora do bloco de apartamentos onde Donaldson foi vista pela última vez, e em vários eventos públicos durante as recém-terminadas comemorações pela Independência [11] da Jamaica.

No dia em que o acusado deveria comparecer ao tribunal (embora houvesse alguma confusão sobre a data), os fãs de Donaldson também organizaram um protesto:

O pedido por justiça continuou hoje com manifestantes do lado de fora do Estádio Nacional de St. Andrew pedindo que mais fosse feito no caso do desaparecimento da influenciadora das redes sociais, Donna-Lee Donaldson. A jovem de 24 anos foi dada como desaparecida em 13 de julho.

O motivo alegado para o atraso no primeiro comparecimento de Maitland ao tribunal foi a não entrega de um dossiê [14].

Manifestantes furiosos permaneceram no exterior da Corte Paroquial de Kingston e St. Andrew, na manhã de quinta-feira, gritando “justiça para Donna-Lee”.

A família de Donaldson convocou o público para sair nas ruas e apoiar o movimento.

A audiência no tribunal foi finalmente marcada para 12 de agosto [21]:

Notícia que acaba de chegar: Noel Maitland, o namorado policial da personalidade das redes sociais Donna-Lee Donaldson, foi detido esta manhã quando se apresentou diante da Corte Paroquial de Kingston e St. Andrew.

Seu advogado apresentará pedido de fiança quando retornarem ao tribunal em 22 de agosto.

Enquanto isso, uma policial, que tem um suposto relacionamento com Maitland, foi entrevistada [24] como testemunha por várias horas pela Comissão Independente de Investigações (INDECOM), que investiga abusos e má conduta de membros das forças de segurança. Uma estação de rádio deixou claro que a policial não está sob suspeita de envolvimento no crime:

A INDECOM confirma que conduziu o interrogatório previsto com a policial distrital, declarada pela polícia sem envolvimento no desaparecimento de Donna-Lee Donaldson.

Tanto Donaldson quanto Maitland, que também é um produtor musical e fundador de uma marca chamada One Time, conheciam e trabalhavam com várias pessoas no mundo do entretenimento. Rumores se espalharam de que antes de ser acusado, Maitland foi visitado na prisão policial pelo popular DJ de dancehall, Popcaan [27], uma alegação que o DJ negou com veemência [28] em um tuíte irritado.

Outra figura conhecida do dancehall compartilhou seus pensamentos [29] depois de trabalhar com Donaldson:

Bounty Killer se lembra de ter trabalhado em videoclipe com Donna-Lee Donaldson que está desaparecida, supostamente morta.

O caso de Donaldson provou ser especialmente sensacionalista, com ampla cobertura da mídia local e ainda objeto de muita especulação nas redes sociais. Contudo, à medida que as investigações policiais continuaram, os restos mortais de outra mulher, que estava desaparecida há vários meses, foram encontrados:

Os resultados do DNA confirmaram que os restos esqueléticos encontrados em St. Catherine, em maio, são da contadora/professora desaparecida, Chantel Blake-McCalla.

Blake-McCalla, de 26 anos, foi vista pela última vez na companhia de seu marido, Shane e foi dada como desaparecida em 6 de janeiro de 2022.

O feminicídio não é apenas um problema jamaicano; segue um padrão persistente de mulheres desaparecidas e assassinadas em toda a região; e o fluxo constante de violência contra as mulheres continua, como observou [35] a organização ONU Mulheres do Caribe:

The most common form of violence experienced by women globally is physical violence inflicted by an intimate partner. On average, at least one in three women is beaten, coerced into sex or otherwise abused by an intimate partner in the course of her lifetime. Within the Caribbean, violence against women is pervasive.

A forma mais comum de violência vivenciada pelas mulheres em todo o mundo é a violência física infligida por um parceiro íntimo. Em média, pelo menos uma em cada três mulheres é espancada, coagida a fazer sexo ou abusada de outra forma por um parceiro íntimo ao longo da vida. No Caribe, a violência contra as mulheres é generalizada.

Há exemplos de mulheres caribenhas sendo mortas por parceiro [36] ou ex-parceiro em reportagens da mídia local quase diariamente. Um levantamento [37] realizado entre 2016 e 2019, sobre violência perpetrada por parceiros íntimos da ONU Mulheres mostrou que, em Grenada [38], 29% das mulheres disseram ter sofrido violência física e/ou sexual. No Suriname, o percentual foi ainda maior [39]. Na Jamaica e Trindade e Tobago, a porcentagem de mulheres que sofrem violência física e/ou sexual nas mãos de seus parceiros foi de 28% e de 30%, respectivamente.

Uma habitante de St. Lucia descreveu sucintamente a vulnerabilidade das mulheres caribenhas:

O feminicídio no Caribe é muito real. Se sua vida não for roubada, você sofre violência no seu local de trabalho, na sua casa, nos seus relacionamentos e em espaços onde a justiça social deveria prevalecer.

A incontornável pergunta permanece: “Quando isso vai acabar?”