Aumento da violência contra mulheres e meninas causa indignação na sociedade do Quirguistão

Mural de Burulai, estudante de medicina de 20 anos que foi morta por seu sequestrador dentro de uma delegacia. Foto de Mirbek Kadraliev / UN WOMEN via Flickr (CC BY-NC-ND 2.0).

Nas últimas semanas, o abuso de meninas e mulheres fez manchetes nos meios de comunicação do Quirguistão que vão desde casos de “ala kachuu” (rapto de jovens mulheres e meninas para fins de casamento) à violência sexual contra jovens menores de idade.

Em 11 de julho de 2022, três homens entre 26 e 27 anos sequestraram uma jovem para um casamento em um dos distritos de Bisqueque, capital do Quirguistão. A vítima procurou a polícia e os suspeitos do sequestro foram detidos por 2 meses. Na mesma época, uma menina de 17 anos foi sequestrada na área de Staryi Tolchok, o mercado de materiais de construção em Bisqueque. No caminho para a farmácia, ela percebeu que um carro a seguia. Dentro havia dois homens, um deles, um amigo de seu vizinho, que lhe ofereceu carona. Quando ela recusou, o homem tapou a sua boca e a forçou a entrar no veículo. Os dois homens levaram a menina para a casa do vizinho, de onde ela conseguiu chamar a polícia. No entanto, seus próprios parentes a rejeitaram, dizendo que ela havia trazido desgraça para a família. Ela recorreu ao fundo público “Otkrytaya Liniya” (Linha Aberta), que ajuda as vítimas do sequestro de noivas no Quirguistão.

O Quirguistão, um pequeno país da Ásia Central que faz fronteira com o Cazaquistão, o Tajiquistão e o Uzbequistão, tem uma das maiores taxas de jovens sequestradas para casamento. De acordo com os investigadores de demografia e dinâmica populacional, Lesia Nedoluzhko e Victor Agadjanian, um em cada três casamentos no país, especialmente em regiões remotas, começa com um sequestro. Quase todas as semanas se pode ouvir casos de “ala kachuu”, apesar da criminalização há muito estabelecida do delito.

Um dos exemplos mais repugnantes, que provocou clamor da sociedade civil, foi o sequestro de Burulai, de 19 anos, em 2018, quando o sequestrador matou a jovem na delegacia de polícia de Bisqueque. Outro caso infame foi o de Aizada Kanatbekova. Em abril de 2021, em Bisqueque, um grupo de cinco homens sequestrou Aizada, de 26 anos. Dois dias depois, um pastor local encontrou os corpos da mulher sequestrada e de um de seus sequestradores dentro de um carro entre as aldeias de Arashan e Chokmorova, na região de Chuy. Esses casos desencadearam protestos indignados, com pedidos de demissão de funcionários e outras ações legais, e pressão para mudar as disposições legais em torno do sequestro de noivas. Atualmente, um novo código penal, adotado em outubro de 2021, estipula a responsabilização na forma de prisão de até sete anos por sequestro.

Foto da marcha de solidariedade das mulheres, Bisqueque, Quirguistão. Foto de Meriza Emilbekova / UN Women Kyrgyzstan via Flickr (CC BY-NC-ND 2.0).

O abuso sexual de meninas menores de idade também preencheu as notícias nas últimas semanas. Em um caso recente e flagrante, vários homens, incluindo agentes da polícia, abusaram sexualmente de uma menina de 13 anos durante cerca de cinco meses. Em agosto de 2021, no bazar de Dordoi, em Bisqueque, um vendedor acusou uma menina de 13 anos de tentar roubar fones de ouvido e a entregou à polícia, que, ameaçando-a com uma prisão de 10 anos e multas enormes, a estuprou. De acordo com o pai da vítima, dois policiais e mais um homem abusaram da filha, intimidaram-na e a estupraram de agosto de 2021 a fevereiro de 2022. Enquanto isso, os estupradores de outra criança de 13 anos com deficiência em Sokuluk, uma aldeia na região de Chuy, foram condenados, mas liberados porque o prazo de prescrição do crime havia expirado. Os recursos constantes levaram mais de nove anos para os tribunais processarem, que era o limite para a prescrição, uma vez que os réus eram menores na época em que cometeram o crime.

Nas últimas semanas, organizações da sociedade civil feminina e ativistas feministas pediram ao governo que tomasse medidas para combater a violência contra mulheres e meninas, que cresce dia a dia, colocando em risco suas vidas no Quirguistão.

Manifestação contra a violência contra as crianças em Bisqueque

Tais exemplos mostram como a desconfiança da população em relação à polícia está aumentando no Quirguizistão, dado que, em vez de serem guardiões, os agentes da lei se tornam autores e põem em perigo as mulheres que procuram ajuda. Dada a inação da polícia e as brechas no sistema judicial, alguns casos de abuso sexual podem levar à arbitrariedade ou ação da máfia. Assim, no final de 2021, após o estupro de uma menina de 16 anos, a chamada “corte de aksakals” (corte de anciãos) decidiu despejar a família do suspeito de estupro da aldeia.

Embora alguns funcionários do governo tenham expressado preocupação com o aumento da violência contra mulheres e meninas, assim como prontidão para reformar os mecanismos de aplicação da lei, outros funcionários e pessoas afiliadas ao estado muitas vezes trazem opiniões ambíguas. Assim, por exemplo, o primeiro-ministro Akylbek Zhaparov preferiu lamentar que tais “más notícias” na mídia prejudiquem o turismo no Quirguistão:

Если посмотрим на изнасилование маленькой девочки, об этом все написали, теперь [туристы] говорят, что не будут приезжать с детьми. Помните в прошлом году [была новость], которая висела на всех сайтах три недели, об изнасиловании 72-летней бабушки. Нажимают на любой русскоязычный сайт, казахи и русские, которые хотят приехать, читают новости и выбирают другие страны.

Se olharmos para o estupro de uma menina, todos escreveram sobre isso, agora [os turistas] dizem que não virão com crianças. Lembre-se do ano passado [houve notícias], que ficaram em todos os sites por três semanas, sobre o estupro de uma avó de 72 anos. Clicando em qualquer site de língua russa, cazaques e russos que querem vir, leem as notícias e escolhem outros países.

A violência baseada no gênero tornou-se uma norma no Quirguistão, de acordo com os Destaques do Índice de Mulheres, Paz e Segurança de 2021/2022, o país é o mais inseguro para as mulheres na região da Ásia Central. Em 2021, o Ministério da Administração Interna do Quirguistão registrou 10.151 casos de violência doméstica, superior ao ano anterior. A violência contra crianças, incluindo meninas, dobrou este ano. Em 2021, 254 casos de sequestro de noivas foram registrados, mas 84% deles foram posteriormente descartados ou encerrados. Deve-se notar, no entanto, que é improvável que esse aumento no número seja apenas resultado de um rápido crescimento nos casos, uma vez que as notificações e registros de violência de gênero aumentaram porque a sociedade começou a prestar mais atenção às questões de gênero.

Vista do bazar de Uzgen, região de Osh, no Quirguistão. Foto de Ninara via Flickr (CC BY 2.0).

Infelizmente, a sociedade do Quirguistão ainda é patriarcal e neotradicionalista em muitos aspectos, ainda atribuindo um papel secundário às mulheres e não permitindo que elas controlem seus destinos. Este aspecto é de importância primordial, influenciando as atitudes sociais, a política de gênero e a regulação da violência baseada no gênero no Quirguistão. Apesar da promessa do país de seguir o caminho da democracia após o colapso da União Soviética, a violência doméstica e o tráfico de mulheres, o sequestro de noivas, os casamentos infantis e o quelinismo (subordinação forçada de novas noivas às suas sogras e parentes de seus maridos) ainda são praticados no Quirguistão, embora formalmente criminalizados.

Por sua vez, o reavivamento dos sentimentos islâmicos coloca ainda mais lenha na fogueira, por vezes minando a posição das mulheres, e as autoridades religiosas muitas vezes falam sobre questões de gênero com retórica discriminatória contra as mulheres. Assim, um vídeo de um sermão de 6 de julho de 2022 de Sadybakas Doolov, o imã de um dos distritos de Bisqueque, causou indignação nas redes sociais, pois ele alegou que o aumento nos preços da carne nos mercados é devido à redução no valor da “carne feminina”, refletida em seus vestidos curtos. O que mais surpreende é que a Administração Espiritual dos Muçulmanos do Quirguistão não encontrou nenhum sinal de insulto a nenhum grupo ou indivíduo no discurso do imã.

Estas são apenas alguns milhares de vidas destruídas reveladas devido aos protestos da sociedade civil do Quirguistão. Enquanto isso, a implementação da legislação recentemente adotada sobre violência sexual, sequestro de noivas e violência doméstica parece ser profundamente falha ou obsoleta, enquanto o público desenvolveu uma alta desconfiança em relação às agências de aplicação da lei.

Inicie uma conversa

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.