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No Brasil e na Índia, podemos ver um aumento das tensões entre as plataformas e os países

Categorias: América Latina, Sul da Ásia, Brasil, Índia, Censorship, Direitos Humanos, Eleições, Governança, Lei, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Política, Protesto, Tecnologia, GV Advocacy, Unfreedom Monitor

Imagem cortesia de Ameya Nagarajan

Na última década, as plataformas de redes sociais tiveram um enorme impacto nas democracias da Índia e do Brasil. Sua presença nesses países, a ampla adoção e o uso subsequente desses espaços e ferramentas por atores organizados e nocivos levaram a um declínio dos direitos fundamentais. No Brasil, um marco importante a ser lembrado é o processo de eleições gerais de 2018, quando foi revelado que a campanha de Jair Bolsonaro usou ferramentas de mensagem em massa do WhatsApp [1] para disseminar desinformação sobre o seu oponente do Partido dos Trabalhadores.

Da mesma forma, as eleições gerais de 2019 na Índia foram popularmente chamadas de “eleições do WhatsApp [2]“, devido ao uso extensivo da plataforma para divulgação em massa pelos partidos políticos. Ao longo dos anos, a influência que essas plataformas tiveram, principalmente o Facebook, veio à tona em vários momentos. Por exemplo, um relatório do Wall Street Journal publicado em 2020 [3] revelou que uma relação estreita se formava entre o Facebook e o partido no poder. O relatório alegou que altos executivos pediram aos seus funcionários que não tomassem medidas contra os líderes do BJP (Partido do Povo Indiano), pois isso poderia prejudicar os interesses comerciais da empresa no país, e que páginas que propagavam notícias falsas contra o partido haviam sido removidas.

Por outro lado, o relacionamento do governo indiano com o Twitter tem sido tumultuado. Em vários momentos até 2021, o gigante das redes sociais não aderiu às regras e solicitações legais do governo para remover conteúdo [4], alegando que isso seria prejudicial à liberdade de expressão on-line. O governo respondeu [5] com desdém, notificações legais e ameaças de apoderar-se do escritório do Twitter. Mais recentemente, em julho de 2022, o Twitter tomou medidas legais [6] contra as ordens do governo indiano de remover conteúdo.

A Índia e o Brasil são frequentemente comparados devido às semelhanças dos estilos autoritários de governança de seus líderes Narendra Modi e Jair Bolsonaro. O que também torna esses países adequados para comparação é o papel que as redes sociais desempenham em minar essas democracias. Além disso, os dois países estão entre os maiores mercados [7] para alguns dos gigantes das redes sociais.

Quando se trata de política de tecnologia, também é notável que nos dois países, nos últimos anos, as plataformas começaram a tomar medidas contra esse uso malicioso de seus serviços por atores nocivos e muitas vezes coordenados. No entanto, ainda está longe de ser suficiente para conter os impactos negativos.

No caso do Brasil, tais atores, que têm sido cada vez mais alvos de ações de moderação pelas plataformas, como remoção de conteúdo, suspensão de grupos e banimentos de contas, estão do lado do presidente Bolsonaro e têm exercido um papel influente entre a sua base de apoiadores. Um exemplo é o blogueiro de extrema direita, Allan dos Santos [8], que foi removido das plataformas por ordem da Suprema Corte e está atualmente foragido nos Estados Unidos. Além disso, nos últimos dois anos, as plataformas adotaram fortes medidas de moderação contra o próprio Bolsonaro, incluindo a interrupção de uma transmissão ao vivo [9] e a remoção de publicações potencialmente falsas [10].

Outro ponto relevante é que, em antecipação às eleições gerais de 2022, o Supremo Tribunal Eleitoral (TSE) estabeleceu acordos de cooperação com a grande maioria das empresas de redes sociais que atuam no país. Como Bolsonaro é contra o TSE, que ele considera uma instituição fraudulenta e ilegítima [11], isso quer dizer que ele vê esse acordo como um complô contra ele e o seu governo, o que não é o caso. Esse acordo de cooperação ocorre como parte de um programa de combate à desinformação eleitoral [12].

Um impacto imediato é a potencial interferência do governo na forma como as plataformas operam dentro de um determinado país, a fim de atender aos interesses de uma pessoa ou grupo específico. No cenário indiano, evidências disso podem ser vistas com as acusações feitas de que o Facebook favorecia o partido no poder [13], às custas de deixar o discurso de ódio contra as minorias passar despercebido. A desinformação [14] é um grande problema [15] no país e tem até mesmo levado à perda de vidas [16]. Qualquer polarização que atenda aos interesses de uma pessoa ou grupo específico usando as redes sociais pode ter impactos perigosos em diferentes grupos e na sociedade em geral. Um outro impacto é que essa resistência e essa briga contra as plataformas acabam por atingir a esfera econômica, com possíveis sanções ou multas, o que as força a ceder aos pedidos de líderes autoritários e assim, ter implicações para a liberdade de expressão e a privacidade dos cidadãos on-line.

Como reação à resposta das plataformas em intensificar as medidas antes das eleições gerais, o governo brasileiro está resistindo. Isso é particularmente forte no caso do WhatsApp. O aplicativo de mensagens, de longe o mais popular do Brasil, decidiu adiar o lançamento do recurso Comunidades para depois das eleições de outubro de 2022. Esse recurso, previsto para ser lançado globalmente em setembro, aumentará o limite de usuários em grupos e também permitirá que os administradores da Comunidade alcancem até 2.500 pessoas por meio de listas de transmissão. Em abril de 2022, Bolsonaro solicitou uma reunião com os representantes do WhatsApp [17], quando pediu que a empresa lançasse o recurso antes das eleições. De acordo com reportagens, sua narrativa era que “se o TSE pode fazer um acordo com o WhatsApp, então eu também posso”. Pela sua lógica, o WhatsApp teria que atender aos seus próprios interesses, pois sua campanha se beneficiaria desses grupos maiores.

No caso da Índia, a desinformação é uma preocupação real, e repetidos relatos de denunciantes mostram como partidos políticos poderosos [18] no país têm usado essas plataformas [13] para interesse próprio em detrimento dos valores democráticos e direitos fundamentais. Mais publicamente, a luta pelo poder entre as plataformas e o governo indiano é visível em relação às políticas de moderação de conteúdo. Isso foi visto quando o governo indiano introduziu as Regras de TI 2021 [19], que impôs várias obrigações sobre os gigantes das redes sociais [20]. Várias empresas, incluindo o WhatsApp e o Twitter, criticaram [21] as regras como um excesso do governo que poderia mudar a liberdade de internet dos usuários. O WhatsApp contestou legalmente [22] uma cláusula que exigia que a empresa rastreasse o originador de uma mensagem praticamente quebrando a criptografia de ponta a ponta. A empresa argumentou que tais exigências prejudicariam gravemente a privacidade dos usuários, segundo relatórios. O Twitter também se opôs [23] às regras de TI do governo indiano e recebeu [24] ameaças de que o não cumprimento resultaria na perda do status da empresa como “intermediária”. Em junho de 2021, o Twitter perdeu o seu status de empresa intermediária [25], mas logo o recuperou após o cumprimento das regras.

Além disso, a luta pelo poder também é visível levando em conta a adesão aos pedidos de remoção de conteúdo pelo governo. A Índia tem uma das maiores taxas de pedidos de remoção de conteúdo do mundo [26], e isso tem sido frequentemente usado como uma ferramenta para conter as críticas. Por exemplo, a recusa do Twitter em cumprir os pedidos de remoção de conteúdo durante protestos de cunho político em 2021 levou a uma reação negativa do governo [18]. Em 2022, a mídia noticiou [6] que o Twitter desafiou a ordem do governo de remover vários tweets afirmando que as ordens equivaliam a um “abuso de poder”.

Não há dúvida de que as redes sociais são um dos campos de batalha do autoritarismo digital, então podemos esperar ver mais conflitos entre países e atores estatais à medida que as plataformas consolidam o seu domínio em todo o mundo.


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