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Monumentos da Iugoslávia: lugares esquecidos de resistência e memória

Categorias: Europa Oriental e Central, Bosnia Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Kosovo, Macedônia, Montenegro, Sérvia, Arte e Cultura, Educação, Governança, História, Ideias, Mídia Cidadã, Viagem
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Memorial Sutjeska em Tjentište. Foto de Vedran Ševčuk, usada com permissão via Balkan Diskurs.

Esse artigo de Andrea Aleksić foi originalmente publicado em Balkan Diskurs [2], um projeto do Centro de pesquisa pós-conflito (Post-Conflict Research Center [3] – PCRC). Uma versão editada foi republicada pela Global Voices sob um acordo de compartilhamento de conteúdo.

Antes da ruptura da República Socialista Federativa da Iugoslávia, centenas de crianças costumavam se reunir em Kosmaj [4], Kozara [5], Sutjeska [6] e outros locais importantes erguidos em memória às vítimas da Segunda Guerra Mundial. Essas visitas agora são raras, e algum monumentos não são visitados há anos.

A maioria dos monumentos dedicados à guerra foram erguidos durante as décadas de 1960 e 1970. Eles foram construídos em locais de batalhas de importância histórica da Segunda Guerra Mundial ou onde houve significativo sofrimento civil.  São obras de excelentes escultores e arquitetos locais como Dušan Džamonja [7], Vojin Bakić [8], Bogdan Bogdanović, Ivan Sabolić [9], Svetislav Ličina, Vojin Stojić [10], Vanja Radauš [11], Gradimir Medaković [12], Miodrag Živković [13], Jordan Grabulovski [14], Janez Lenassi [15], Petar Krstiel, Vuko Bombardelli [16], Boško Kućanski [17]Marko Mušič [18].

O artista belga Jan Kempenaers [19] explora o tópico de monumentos da Iugoslávia por meio do seu projeto “Monuments: The End of an Era” (Monumentos: o Fim de uma Era). Ele ganhou a atenção do mundo ocidental com fotografias de monumentos exibidas em várias galerias [20] pelo mundo. O que mais impressiona os visitantes da exposição é a abstração dos monumentos da Iugoslávia, sua aparência futurística e qualidade artística — tudo que é atípico para o estilo social realista popular que dominou a Europa Oriental naquele período.

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O monumento em Mrakovica foi erguido para comemorar a batalha de Kozara, 1942 [22]. Foto de A. Čavić, usada com permissão via Balkan Diskurs.

A arquiteta e historiadora de arquitetura Sabina Tanović [23] acredita que a antiga Iugoslávia criou e cultivou uma cultura de memória específica que focava na formação da coletividade e em um senso de pertencimento. Em uma declaração para a Balkan Diskurs ela pontuou que a “atual relação com os monumentos” reflete parcialmente o sucesso a longo prazo dos esforços de seus autores.

Fantasmas do passado

Especialmente na Bósnia Herzegovina, lugares de memória dedicados à Segunda Guerra Mundial são tanto fantasmas do passado quanto lugares de resistência e lembrança.

“Organizações civis, gerações mais jovens e ativistas reconhecem e os usam como uma plataforma para mensagens progressistas. Infelizmente, o oposto também acontece: símbolos antifascistas são apropriados para propaganda populista”, acrescenta Tanović.

Numerosos memoriais e parques memoriais na Bósnia Herzegovina, criados durante o período da Iugoslávia e dedicados às vítimas da Segunda Guerra Mundial, são hoje, negligenciados ou até mesmo utilizados para promover interesses étnico-nacionais.

An example is the Vraca memorial complex in Sarajevo [24], which can be treated as layered evidence of history – from its opening in the 1980’s, through the aggressive destruction of the city [during the 1992–1995 siege [25]], to the systematic destruction of physica0l memory through negligence and vandalism over the past three decades.

Um exemplo é o parque memorial Vraca em Saravejo [24], que pode ser tratado como evidência estratificada da história, desde a sua abertura na década de 1980, por meio da destruição agressiva da cidade [durante o cerco de 1992-1995 [26]] até a destruição sistemática da memória física por meio de negligência e vandalismo nas últimas três décadas.

As autoridades atuais estão primariamente interessadas em construir novos monumentos, memoriais e parques memoriais dedicados à memorização da guerra na Bósnia, então tratam Vraca como um projeto periférico a ser usado como um lugar de reunião simbólico apenas para aniversários relevantes.

Um desencontro com políticas nacionalistas

Nina Stevanović acredita que as autoridades atuais não aceitam esses monumentos porque, na verdade, não sabem o que fazer com eles. Nina diz que as autoridades não podem se apropriar deles porque não se encaixam nas narrativas nacionalistas das políticas atuais dos Bálcãs. Ela explica que a modernidade e a abstração do trabalho de Džamonja, Bakić, Bogdanović, Grabulovski, Zivković e Ravnikar, além de multinacionais e multiétnicos, criam uma narrativa memorial que é deixada de lado porque não pode ser usada para aprofundar narrativas políticas nacionalistas.

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Cerca de 3.000 monumentos da Segunda Guerra Mundial foram destruídos na Croácia; um monumento em Jasenovac [28]. Foto de A. Čavić, usada com permissão via Balkan Diskurs.

Somente na Croácia, cerca de 3.000 monumentos da Segunda Guerra Mundial foram destruídos. Embora monumentos antifascistas da antiga Iugoslávia sejam massivamente negligenciados, e alguns deles sejam alvo constante de vandalismo na Bósnia Herzegovina, Sabina Tanović acredita que não serão esquecidos.

“Eles podem ser esquecidos e redescobertos, mas acredito que existe salvação para eles enquanto houver interesse público de preservá-los. Apesar da falta de interesse das autoridades, o parque memorial de Vraca, em Sarajevo, tem sido reconhecido por cidadãos e ativistas como um lugar único de patrimônio histórico, e limpezas, conversas públicas e shows têm sido organizados no espaço. Provavelmente, esses eventos têm estimulado o interesse das autoridades em adotar certas medidas voltadas para a preservação do parque”, diz.

Podemos protegê-los?

Para Stevanović, o problema de proteção e restauração de monumentos das vítimas da Segunda Guerra Mundial é muito complexo e deve ser encarado dentro do problema geral de proteção e restauração da arquitetura criada no período entre 1945 e 1990. Ela relembra:

Although many of these monuments are formally protected, when it comes to their protection and restoration, in practical terms, formal protection becomes insufficient. First of all, even if they are restored, these monuments will be damaged again very quickly, such as happened with the Partisan necropolis in Mostar (Bogdan Bogdanović, 1961–1965), which was renovated in early May 2018, but again fell into disrepair in November of the same year.

‘Embora muitos desses monumentos sejam formalmente protegidos, quando se trata de sua proteção e restauração, em termos práticos, proteção formal é insuficiente. Antes de tudo, mesmo que sejam restaurados, esses monumentos serão danificados de novo muito rapidamente, como aconteceu com a necrópole partidária em Mostar, que foi renovada no começo de maio de 2018, mas voltou a se deteriorar em novembro do mesmo ano’.

A causa da repetida negligência e vandalismo, na opinião dela, é a “não existência” de tais monumentos na vida cotidiana dos cidadãos.

“Monumentos para as vítimas da Segunda Guerra continuam sem propósito, eles se tornam espaços em branco na memória coletiva, devido, é claro, a políticas nacionalistas. E, como tal, perdem o “valor de uso cotidiano”, necessário para sua verdadeira proteção e revitalização bem-sucedida”, Stevanović acrescenta.

Retomando um senso do abstrato

Parece que hoje, ela acrescenta, faz-se uma tentativa de apagar essa parte do passado e consequentemente o seu legado artístico, escultural e arquitetônico.

“A arquitetura e arte do período entre 1945 e 1990 é rica em ousadia e excelência, e esses monumentos são o exemplo mais direto. Ao ignorá-los, privamos nossa cultura exatamente da excepcionalidade e coragem que ela precisa tanto como memória quanto guia”, diz.

A cultura monumental na Iugoslávia desenvolveu novas tendências nos estilos artísticos ao longo do tempo, então vemos que muitos monumentos parecem abstratos e alguns são difíceis de interpretar. O problema da abstração, diz Sabina Tanović, é especialmente importante na celebração de traumas coletivos como o Holocausto. Essa expressão abstrata, explica, pode ser rastreada a partir de projetos memoriais depois da Primeira Guerra Mundial, quando era necessário construir cemitérios memoriais e ossários de modo a prestar homenagem a soldados de diferentes origens.

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Vale dos Heróis – monumento Tjentište [30]. Foto de Vedran Ševčuk, usada com permissão via Balkan Diskurs.

“As soluções de Edwin Lutyens, por exemplo, insistem na abstração de símbolos com o objetivo de coletividade uniforme no contexto de um cemitério memorial” ela observa.

Ultimamente, isso contribui para o esquecimento coletivo de monumentos construídos em memória às vítimas da Segunda Guerra Mundial.

“Somente nas últimas décadas, desde o centenário da Primeira Guerra Mundial, é que os locais de memória ganharam museus memoriais e seu tão chamado “centro de visitantes” com o objetivo de preservar o passado e, entre outras coisas, tornar a abstração da expressão memorial mais próxima do visitante moderno”, explica.

O mesmo ocorre, segundo ela, com os locais de memória da Segunda Guerra Mundial, onde vemos um grande número de museus históricos, memoriais e monumentos construídos nas últimas duas décadas. Na opinião dela, os projetos memoriais da Iugoslávia foram muito progressistas, principalmente com relação à sua conceitualização museológica, em que, além dos monumentos, museus memoriais foram planejados, como é o caso de Tjentište, Kozara e Vraca.

“Então, além de simbolismo abstrato e figurativo, os projetos também incluíram elementos educacionais e contextualização histórica por meio do planejamento de um museu como o Museu Memorial 21 de outubro em Kragujevac. A essência dos memoriais antifascistas da Iugoslávia é precisamente sua unidade em diversidade, que, além das tendências artísticas da época, impactaram a cultura memorial geral e a expressão”, explica Tanović.