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Por que a condenação de estupradores na Nigéria continua extremamente baixa

Categorias: África Subsaariana, Nigéria, Direitos Humanos, Juventude, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero

Jovem nigeriana com cartaz durante a manifestação para a conscientização sobre o estupro na África. Imagem de Iamvirtuousven da Wikimedia [1], 25 de fevereiro de 2021 (CC BY-SA 4.0 [2]).

Os casos de estupro na Nigéria estão se tornando tragédias não solucionadas. A baixa taxa de condenação para esses casos está contribuindo para a situação de insegurança dos seus cidadãos, especialmente mulheres e crianças.

O advogado de direitos humanos, Evans Ufeli, afirma que [3] apenas dezoito condenações por estupro foram registradas legalmente na Nigéria, enquanto outros casos ainda estão nos tribunais, à espera de julgamento [4] há anos. Esses sobreviventes de estupro frequentemente acabam sofrendo de problemas físicos e emocionais infligidos por suas experiências, o que tem um impacto nos seus pontos de vista sobre a vida, sociedade, homens, mulheres, cônjuges, parentes e muito mais.

Razões para a baixa taxa de condenação

Samuel Agweh, um advogado sênior da Nigéria (equivalente ao conselheiro da rainha no Reino Unido) apontou algumas razões para a ausência de condenação de estupradores na Nigéria. Durante uma entrevista à Global Voices, Agweh salientou que “a maioria dos culpados subornam as vítimas ou familiares com dinheiro, de modo a suspender as acusações contra eles”. O advogado afirmou que, devido a subornos, as famílias recusam-se a testemunhar. Algumas vezes, o sobrevivente ainda deseja prosseguir, mas é imediatamente impedido pelos membros da sua família de comparecer ao tribunal.

Outro obstáculo que pode ser considerado é a questão da estigmatização e vergonha aos quais os sobreviventes estão sujeitos. Não é segredo que revelar-se em público como sobrevivente de estupro é difícil, mas o estigma [5] imposto ao sobrevivente é ainda mais severo. É também a razão de uma possível depressão para esses sobreviventes. A sociedade também não facilita a divulgação de casos desse tipo por considerar “vergonhoso” que uma mulher ou um homem carreguem essa condição de estuprado, especialmente para as mulheres.

Alguns sobreviventes recusam-se a denunciar se o agressor for um familiar e podem não querer ferir o nome da família. A sociedade preza o valor da família especialmente na Nigéria, por isso um parente acusado de estuprar o seu próprio familiar será envergonhado publicamente. Portanto, é mais fácil ignorar o problema, explicou o advogado sênior.

A relutância dos sobreviventes em denunciar o caso por não confiar no sistema jurídico nigeriano é outra razão para a baixa taxa de condenação por estupro. Esses sobreviventes não acreditam que o sistema jurídico seja capaz de ajudá-los já que ele está em vigor há anos, mas apenas dezoito casos de estupro foram julgados desde então. Essa situação não encoraja ninguém a levar o seu caso adiante. Além disso, a comunidade nigeriana frequentemente culpa a vítima e procuram falhas em seu relato.

Estupro conjugal e masculino

Segundo o dicionário Britannica [6], qualquer relação sexual realizada à força após a recusa ou sem o consentimento do outro indivíduo é considerada e registrada como estupro. Se um cônjuge não consentir em ter relações sexuais com o seu parceiro, isso é legalmente declarado como estupro.

A Seção 1(1) da Lei de Proibição da Violência contra Pessoas (VAPPA [7]) de 2015 da Nigéria define estupro como a penetração intencional e não consensual da “vagina, ânus ou boca de uma pessoa com qualquer parte do corpo de outra pessoa ou qualquer objeto”. A VAPPA explica ainda que o estupro ocorre sempre que [7] “o consentimento é obtido à força ou por meio de ameaça ou intimidação de qualquer tipo, ou ainda quando acontece por medo de agressão ou mediante representação falsa e fraudulenta quanto à natureza do ato ou pelo uso de qualquer substância capaz de anular o arbítrio de tal pessoa. No caso de uma pessoa casada, ocorre também através da personificação de seu cônjuge”. A lei prescreve uma pena de prisão máxima de 14 anos para menores de idade, mínima de 12 anos para adultos, sem opção de multa, e mínima de 20 anos de prisão sem opção de multa por estupro coletivo. 

Ainda há uma falta de aceitação pública do estupro conjugal como “estupro” na sociedade nigeriana. Entretanto, um estudo realizado por pesquisadores de saúde pública nigerianos, entre eles Ogunwale, revelou [8] que mulheres casadas muitas vezes sofreram estupro nas mãos de seus maridos. Da mesma forma, pesquisas conduzidas por Mary Esere e três outras orientadoras da Universidade de Ilorin, na Nigéria, mostraram que o estupro marital era geralmente causado [9] por “relações de poder desiguais; dependência de álcool e drogas, e ciúmes” por parte dos maridos.

Os casos de estupro masculino dificilmente são manchetes na Nigéria devido ao estigma cultural e ao tabu associados a ele. No entanto, há inúmeros casos de jovens homens sobreviventes de estupro no país. Estes homens foram “estuprados por seus companheiros ou companheiras”, afirma [10] o jornalista nigeriano, Odimegwu Onwumere. Grace Obike, jornalista do periódico digital, Centro Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ), afirma que [11] o estupro de meninos é “frequente” e persiste devido ao fracasso em “punir os infratores”.

Enquanto um colega meu entrevistava um sobrevivente de estupro, cuja situação era a mesma do cenário acima, ele afirmou que a razão pela qual seu caso nunca obteve a justiça necessária foi que o promotor do caso disse que “um menino jamais pode ser estuprado”. O sistema jurídico da Nigéria acredita que não é possível homem ser estuprado. Portanto, os nigerianos devem lidar secretamente com seus próprios traumas, já que não querem ser rotulados ou vistos como covardes.

No entanto, algumas vitórias têm acontecido. Em 14 de julho, o ator de Nollywood Baba Ijesha (nascido Olarenwaju James) foi condenado a 16 anos de prisão por um tribunal de Lagos, acusado de violência sexual [12] contra uma garota de 16 anos. Além disso, o Estado de Kaduna, no noroeste da Nigéria, aprovou recentemente uma nova legislação [13] com penas severas; os homens condenados por estupro serão castrados, enquanto estupradores de crianças serão executados. Segundo o advogado Agweh, que compartilhou, com a revelação total do seu cliente, o escritório jurídico no qual trabalha obteve, recentemente, “uma condenação por denúncia de estupro”.