Com o primeiro turno das eleições presidenciais previsto para o dia 2 de outubro [1] se aproximando, mulheres cisgênero, transexuais e travestis, envolvidas na política brasileira, têm denunciado em suas redes sociais episódios de violência política de gênero [2], considerada crime eleitoral [3] no Brasil.
Mensagens de cunho machista, racista e até com referências de inspiração nazista estão entre as ameaças que chegaram a vereadoras e deputadas. As mulheres possuem, em comum, afiliações a partidos de esquerda ou centro-esquerda [4], e a defesa de pautas ligadas à diversidade e ao combate às desigualdades.
Duda Salabert
Duda Salabert (PDT [5], Partido Democrático Trabalhista), parlamentar mais votada nas eleições de 2020 e primeira vereadora transexual de Belo Horizonte, Minas Gerais, denunciou no começo de agosto que recebeu um e-mail [6]com ameaça de morte, de um “grupo neonazista que frequenta fóruns e ambientes virtuais”. A mensagem trazia ainda referências nazistas [7].
Um boletim de ocorrência [8] foi registrado e, também nas redes, a vereadora afirmou que foi perdeu o emprego como professora:
Por causa desses nazistas perdi meu emprego ano passado, pois eles enviaram na época e-mails para a escola onde eu trabalhava dizendo que transformariam a escola em um mar de sangue, caso eu continuasse dando aula lá. +
— Duda Salabert 🌳 (@DudaSalabert) August 1, 2022 [9]
Cerca de duas semanas depois, a agora candidata à deputada federal foi novamente alvo. Em seu gabinete, recebeu jornais com escritos e desenhos de teor nazista e homofóbico [10]. Nas mensagens, Duda é tratada no gênero masculino e afirmam que ela deveria ser isolada, “em um campo de concentração cheio de porcarias igual a você”:
🆘Terrível: acabo de receber mais uma ameaça nazista, dessa vez por carta. Chegou agora em meu gabinete na câmara de vereadores uma carta com esse conteúdo : folhas de jornais com escritos e imagens relacionadas ao Nazismo. 🧵 pic.twitter.com/FGr0Zbmjpn [11]
— Duda Salabert 🌳 (@DudaSalabert) August 17, 2022 [12]
A parlamentar afirmou [13] que está fazendo sua campanha com escolta policial e colete à prova de balas.
Erika Hilton
Outra vereadora eleita em 2020, porém em São Paulo, Erika Hilton [14] (PSOL [15], Partido Socialismo e Liberdade), recebeu em março deste ano uma mensagem anônima [16] por e-mail também com ameaça de morte.
Ela é a primeira travesti [17] (identidade de gênero latina) a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores da cidade e, desde o início de seu mandato, enfrenta ameaças [18] com teor transfóbico e racista.
A intimidação levou ao registro de um boletim de ocorrência [19] por parte de Erika e, assim como no caso de Duda, deu espaço ao debate sobre o recorte LGBTQIAP+ [20] dentro da violência política de gênero. Na época, via Instagram [21], ela comentou:
Desde o início do meu mandato as ameaças e agressões são constantes, e minha vida mudou completamente. Não posso receber amigos em casa, não posso ir ao mercado sozinha, estou sempre acompanhada por seguranças e carro oficial. Meus agressores acham que vão me parar, mas apesar do medo, natural diante da rotina de ameaças, eles estão enganados. Seguirei firme, me cuidando, mas aprofundando o trabalho político que começamos.
Nas primeiras semanas de agosto, Hilton foi novamente ameaçada [22]após, juntamente com a vereadora Natasha Ferreira (também do PSOL, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul), denunciar [23] ao Ministério Público Federal falas homofóbicas do presidente Jair Bolsonaro em um podcast.
Tratadas no gênero masculino, ambas foram ameaçadas de morte em um e-mail que continha sentenças como “o ódio é a nossa razão de viver” e uma ameaça de explosão [24] em suas casas, caso não abandonem a vida pública.
A mensagem foi inicialmente direcionada a líderes do PSOL [24], partido das duas, e à deputada estadual Erica Malunguinho [25] (primeira transexual e preta do país a ocupar esse cargo, em São Paulo), mas com o intuito de ser repassada à Hilton e Natasha.
Após confirmar [26] sua candidatura à deputada federal em 2022 no final de julho, Erika Hilton comentou sobre a nova mensagem de ódio recebida para o jornal Estadão [22]:
É evidente que as ameaças recorrentes contra mim e tantas outras mulheres sejam elas da política, ou jornalistas, tem o objetivo de nos constranger e intimidar para interromper nossa atuação […] No meu caso, citam explicitamente que eu devo desistir de ser candidata e sair da vida pública. Não conseguirão.
Sâmia Bomfim e Manuela D'Ávila
Colega de Hilton de partido, a deputada federal Sâmia Bomfim, que também é de São Paulo e concorre nestas eleições, abriu queixa após receber ameaças de morte [27] parecidas. A parlamentar declarou que seu filho e marido (o também deputado Glauber Braga) foram citados num e-mail cujas referências são as mesmas das mensagens encaminhadas à Salabert.
Em seu perfil no Instagram [28], ela declarou:
Cheguei a pensar em não divulgar. Mas refleti que, mesmo não sendo a primeira ameaça, foi a mais grave e perversa. Muito semelhante às que foram dirigidas à Manuela D'Ávila e Duda Salabert […] A violência de gênero não pode ser naturalizada. Essa agressão fascista contra as mulheres na política precisa parar.
Candidata à vice-presidente nas eleições de 2018, a ex-deputada Manuela D'Ávila (PCdoB [29], Partido Comunista do Brasil) desistiu de disputar [30] eleições em 2022, afirmando que os processos de disputa política foram muito “duros e violentos” para ela e sua família, em um texto publicado em seu perfil no Facebook [31].
Uma das mensagens, divulgada [32] por ela no começo de agosto, continha ameaça de estupro, xingamentos como “vadia” e desejava a morte de sua filha de 6 anos e de sua mãe. No Instagram, a ex-deputada afirmou:
Ser uma mulher pública no Brasil é ser ameaçada permanente. É escolher um lugar para o medo, outro para a coragem, outro lugar pro fingir ignorar […] Essa é mais uma das ameaças que eu, minha filha e também minha mãe sofremos.
O Mapa das Mulheres na Política [33], da Organização das Nações Unidas, mostra que a representatividade feminina ainda é pequena no Brasil.
Segundo o relatório, parceria entre a ONU Mulheres e a União Interparlamentar (IPU), que analisa a presença de mulheres em cargos executivos, governamentais e parlamentares, o país ocupa o 140º lugar [34] no ranking global.
Benny Briolly
Benny (do PSOL [15]) se tornou a primeira travesti eleita no estado do Rio de Janeiro, em 2020, pela cidade de Niterói. No dia 17 de maio de 2022, após uma sessão na Assembleia Legislativa, Briolly foi a público denunciar o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB [35], Partido Trabalhista Brasileiro) por violência política de gênero.
Na ocasião [36], Rodrigo se referiu à Benny como “boizebu” e “aberração da natureza”, a tratando com pronomes masculinos. O caso foi levado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio de Janeiro. Ele se tornou o primeiro réu por violência política de gênero no país, em agosto, segundo o jornal Extra [37].
Benny, agora candidata à deputada estadual, revelou em um dossiê enviado à Polícia Civil que já recebeu mais de 20 ameaças de morte [38].
Amorim também é conhecido por ter quebrado uma placa que homenageava Marielle Franco [39].
Em suas redes sociais [40], Benny disse:
Que o meu corpo e a minha militância sirvam de suporte e exemplo para todos aqueles que são calados ou oprimidos por um Estado genocida. Eu estou aqui por vocês, à disposição de vocês para fazer política de verdade e devolver o poder na sua mão: meu povo!
Marielle Franco
Esses e outros casos de violência de gênero no meio político remetem à luta enfrentada por Marielle Franco, assassinada em março de 2018 [41], quando ocupava o cargo de vereadora no Rio de Janeiro.
Marielle, uma mulher preta e LGBTQIA+, também era do PSOL e defendia pautas parecidas [42] com as de Benny, Duda, Erika, Manuela e Sâmia. O mandante dos assassinatos dela e do motorista Anderson Gomes ainda não foi identificado pela polícia, mais de 1.600 dias depois do crime.
Especialistas da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos definiram o crime [43] como “um ataque ao coração de uma sociedade democrática e um caso emblemático das ameaças enfrentadas pelos defensores de direitos humanos no Brasil”.
4 anos depois do assassinato de Marielle Franco, mulheres negras e LGBTs eleitas seguem sendo vítimas de violência política. O Estado brasileiro tem responsabilidade nisso. Garantir #JustiçaPorMarielleEAnderson [44] é proteger mulheres negras!
— Anielle Franco (@aniellefranco) March 14, 2022 [45]
Dados e formas de combate
Há um ano, em agosto de 2021, o presidente Jair Bolsonaro (PL [46], Partido Liberal) sancionou a Lei nº 14.192/2021 [47], que acrescentou o crime de “violência política contra a mulher” ao Código Eleitoral brasileiro. A lei tem como objetivo a prevenção e o combate [48] à violência contra mulheres na política.
Com um recorte LGBTQIA+, em 2021, o Instituto Marielle Franco realizou uma pesquisa sobre a violência sofrida por mulheres trans [49] eleitas no país. Entre as 28 eleitas, todas relataram ter sofrido algum tipo de violência durante o mandato e 22,8% relacionam as intimidações e ameaças ao fato de serem trans.
No dia 1º de agosto, após dados do Observatório de Violência Política Contra a Mulher [50] apontarem que 44% das candidatas a cargos eletivos nas Eleições Municipais de 2020 foram vítimas de violência, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) firmaram uma parceria [51] de enfrentamento e conscientização à violência política que estabelece diretrizes e canais de denúncia [52] digitais.
A violência política é crime contra o Estado Democrático de Direito – Lei 14.197 de 2021.
Essa prática precisa ter fim. Denuncie!
Ligue 180 ou acesse https://t.co/V9lkAtdqLk [53] pic.twitter.com/TWf2OitSVi [54]— Câmara dos Deputados (@camaradeputados) July 18, 2022 [55]