Como o governo no Sudão legalizou a categorização da internet e a filtragem de conteúdo

Imagem cortesia de Ameya Nagarajan

Desde 2018, a internet foi desativada várias vezes no Sudão, após a revolução. Os bloqueios nas redes sociais também se tornaram comuns desde que o governo bloqueou o YouTube durante as eleições de 2010, após um vídeo ser exibido mostrando fraude nas eleições. As autoridades sudanesas bloquearam o acesso a muitas plataformas de redes sociais como Facebook, Twitter, WhatsApp e Instagram, para impedir que as pessoas compartilhassem informações sobre os protestos que culminaram na destituição do ex-presidente, Omer Al Bashir, em 2019. As autoridades não deram um motivo para o bloqueio.

A maioria dos bloqueios da internet no Sudão envolve a desativação de dados móveis. Durante as paralisações, as pessoas podem acessar a internet por meio de conexões de internet de linha fixa, que são raras, exceto entre empresas. Mesmo depois que a internet foi restaurada em julho de 2019 e novembro de 2021, as plataformas de redes sociais não estavam acessíveis e as pessoas foram forçadas a usar VPNs para acessá-las.

Normalmente, os cidadãos não são avisados sobre um próximo bloqueio. Em um minuto, os dados móveis estão funcionando, e no minuto seguinte, desaparecem. O governo anunciou a intenção de desativar a internet apenas duas vezes nos dois anos em que isso vem acontecendo, ambas as vezes durante o exame do ensino médio. As empresas de telecomunicações enviaram SMS aos assinantes dizendo:

“Under the direction of the judicial authorities, the internet will be cut daily during the Sudanese certificate exam sessions from 8 am until the end of the session at 11 am.”

“Sob orientação das autoridades judiciais, a internet será cortada diariamente durante as sessões do exame de certificado sudanês das 8h00 até o final da sessão, às 11h00.”

A mensagem não especificava a lei sob a qual as autoridades tomaram esta decisão.

Bloqueios e interrupções na internet não são incomuns no Sudão. O governo bloqueou dados móveis muitas vezes em 2020 e 2021 durante conflitos tribais, exames do ensino médio e o golpe de Estado de 25 de outubro de 2021, liderado pelo comandante-em-chefe do Exército, o tenente-general Burhan. A lei é uma ferramenta importante para permitir essas paralisações, pois o governo depende da Lei das Forças Armadas, da Lei de Segurança Pública e da Lei da Autoridade de Telecomunicações e Regulação Postal (TPRA) para ter tais poderes.

Mesmo assim, o Sudão conta com regulamentos para proteger a acessibilidade do conteúdo da internet. Um regulamento foi emitido pelo TPRA em 2020 e ratificado pelo Membro do Conselho Soberano, general Ibrahim Jaber, porque, naquela época, o setor de telecomunicações estava sob o guarda-chuva dos militares. Jaber também é o presidente do conselho de administração do grupo Sudatel, a operadora nacional de telecomunicações que também opera em outros países além do Sudão, como Mauritânia e Senegal.

O regulamento é chamado de “O regulamento de 2020 sobre filtragem de conteúdo e bloqueio de sites na internet”. Foi emitido segundo o artigo 88 (1) da lei da TPRA de 2018, que permite ao conselho da TPRA criar regulamentos para executar a lei. O regulamento obrigava a TPRA a fornecer às empresas de telecomunicações uma lista de URLs para bloquear e filtrar e “monitorar diariamente” o equipamento de filtragem para verificar se ele está sendo atualizado.

O regulamento obrigava os ISPs e as operadoras a fornecer uma “resposta imediata” aos pedidos de bloqueio que vinham da TPRA e a ignorar quaisquer pedidos de qualquer outra entidade sem uma ordem judicial. Consequentemente, a autoridade se deu o direito de bloquear sites sem ordem judicial, exigindo que outros fossem a tribunal. Além disso, o regulamento obrigava ISPs e telcos a dar acesso à Interface Gráfica do Usuário (GUI) dos sistemas de filtragem, fornecendo estatísticas e relatórios periódicos sobre os sites e páginas filtrados.

Termos vagos, como “crença”, têm sido usados para justificar esse bloqueio. O artigo 14 do regulamento de filtragem e bloqueio do conteúdo da internet dizia: “As empresas de telecomunicações são obrigadas a fornecer os sistemas técnicos necessários para proteger suas redes e serviços do uso contrário à crença e à moral públicas. Embora ao aderir aos controles, procedimentos e requisitos para filtragem e bloqueio determinados pela autoridade”, o regulamento não definia “crença”: é a crença islâmica ou está relacionada a outra religião ou ideologia?

O regulamento classificou as listas de bloqueio e filtragem em dois tipos: local e comercial. Definiu a lista comercial como: “Lista de classificações que vêm dentro dos sistemas de filtragem e bloqueio do fornecedor do sistema, que contém as classificações internacionais das listas de filtros”, enquanto definiu a lista local como: “Uma lista interna preparada pela autoridade adicionando os sites classificados pela autoridade ou recebidos pelos usuários após revisá-los e garantindo que eles contêm materiais proibidos”.

A lista comercial engloba 13 categorias que são “escolhidas para serem bloqueadas”. Essas categorias incluem sites sobre drogas, álcool, sites de tabaco, pornografia infantil, fabricação de armas, malware e spam. A lista também contém categorias vagas como “sites ofensivos à religião e que apelam ao ateísmo”, recusando-se a respeitar a liberdade de crença classificando o ateísmo como uma atividade intocável.

A lista, surpreendentemente, classifica sites VPN como não permitidos. E também bloqueia sites Peer-to-Peer, como o BitTorrent. Essas duas classes podem ser consideradas indicadores da intenção das autoridades de monitorar o comportamento on-line dos usuários.

O regulamento deu às autoridades o direito de acrescentar novas categorias livremente, nomeando a última categoria na lista comercial como “qualquer outra classificação que seja classificada pela autoridade”, abrindo um enorme espaço para bloquear legalmente qualquer acesso a conteúdo da internet.

O Sudão assinou e ratificou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Além disso, o Sudão é signatário da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) e ratificou a lei que garante o direito à liberdade de reunião, à liberdade de expressão e ao direito de receber informações.

Apesar desta ratificação, o direito interno sudanês não se enquadra nas normas internacionais e não garante os direitos digitais dos seus cidadãos.


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