Esta entrevista é parte do Undertones, um boletim do Observatório de Mídia Civil da Global Voices. Saiba mais sobre nossa missão, metodologia e dados disponíveis publicados. Inscreva-se para receber o Undertones.
Pesquisadores do Observatório de Mídia Civil* passam um pente fino na internet em busca de temas midiáticos que podem ser destacados, registrados e analisados. É um processo estimulante a documentação das narrativas predominantes sobre assuntos que as pessoas estão falando. Ainda assim, quase seis meses depois da invasão na Ucrânia, o ecossistema midiático russo parece ter se tornado obsoleto. Como em um carrossel, assuntos e narrativas se repetem. Antes cheias de vida, as vozes antiguerra se calaram.
Para falar sobre este fenômeno, um de nossos analistas, que é russo, concordou em conversar com Melissa Vida sobre as últimas descobertas na esfera de atividades antiguerra, on-line e off-line. A identidade do pesquisador foi mantida anônima para sua segurança e a entrevista foi editada.
Melissa Vida (MV): Quais as características do movimento antiguerra atualmente?
Researcher (R): Well, firstly there is no movement. I would not say that there is a movement like the revolutionary movement in Ukraine in Maidan. There are decentralized activities that pop up here and there, inside and outside of Russia. Sometimes they are connected to each other, but most often they are not. There is not much attempt to centralize these actions, because it is impossible to centralize. Leaders are either in jail or in exile, all the pre-war movements were destroyed by the state right after the invasion.
For example, there is the feminist anti-war resistance, a decentralized organization of women who act independently. Artists [like film director Yekaterina Selenkina] have done performances, like when she was carrying a baby doll covered in blood to remind people of the war in the Moscow metro station. There are others who do art installations to represent the victims of bombings. Then, there are unrelated initiatives, like the guerilla actions of those who destroyed railroads that deliver weapons to Ukraine. Many people act secretly, however.
Bem, em primeiro lugar, não existe nenhum movimento. Eu não diria que existe um movimento como Revolução Ucraniana que aconteceu na Praça da Independência em Kiev. Existem atividades descentralizadas que aparecem aqui e ali, dentro e fora da Rússia, que podem, vez ou outra, estarem conectadas entre si, mas na maioria das vezes não estão. Não existem muitas tentativas de centralização destas ações porque é impossível, já que seus líderes se encontram presos ou exilados e todos os movimentos pré-guerra foram destruídos pelo governo russo logo após a invasão. Por exemplo, existe a resistência antiguerra feminista, uma organização descentralizada de mulheres agindo de forma independente. Artistas [como a diretora de cinema Yekaterina Selenkina] criaram performances, entre elas, destaca-se uma em que ela carregava uma boneca coberta em sangue em uma das estações de metrô em Moscou para lembrar às pessoas sobre a guerra. Existem também outros artistas fazendo instalações de arte representando vítimas bombardeadas. Existem atividades não relacionadas, como a ações de guerrilha, que destruíram vias férreas por onde eram levadas armas para a Ucrânia. No entanto, muitas pessoas agem secretamente.
MV: O que são as narrativas on-line antiguerra atualmente?
R: There are fewer new narratives going public online. There are some older narratives, like the ones stating that “war is bad” and sharing horror stories. Narratives criticizing the Western role in the war are also still alive. Russian celebrities who have stayed in Russia continue to ignore the war altogether and post photos of travel and parties. We are not able to pick up on a lot of new narratives.
Perhaps there is less information because it’s summer, but mainly people are [sigh]. I am part of this universal exhaustion. The human psyche cannot absorb this much and still be stable and remain emotionally involved. I think this is what is happening with people who are terrified and disgusted; they are exhausted.
Also, people inside Russia speak out less because, well, some of them are in jail or facing court processes, so obviously they can’t produce things. Though actually, many of those under arrest write antiwar statetments on posters while in court, even though they are being sentenced to years in prison.
People in Russia are also more fearful about expressing themselves about the war because there are fewer voices than before. So there is more risk of being caught and put in jail.
R: Existe uma menor quantidade de narrativas públicas on-line no momento. O que vemos são narrativas antigas, como algumas que diziam que a “guerra é ruim” e compartilhavam histórias de horror. Podem ser encontradas ainda narrativas criticando a postura do Ocidente na guerra. E celebridades russas que permaneceram na Rússia continuam a ignorar totalmente a guerra publicando fotos de festas e viagens. Além disso, não conseguimos acessar muitas das novas narrativas.
Talvez exista menos informação circulando porque estamos no verão, mas as pessoas estão principalmente… [suspiro]. Eu sou parte desta exaustão universal. A mente humana não consegue absorver tudo isso e continuar estável e emocionalmente envolvida. Eu acho que é isso que está acontecendo com as pessoas, estão todas apavoradas e indignadas; estão exaustas.
Além disso, pessoas que estão na Rússia falam menos abertamente porque, bem, muitas delas estão presas ou enfrentando processos jurídicos, então, obviamente não podem produzir conteúdo. Embora, na verdade, muitos presos escrevam declarações antiguerra em cartazes que mostram em audiências, mesmo que suas sentenças sejam anos de prisão.
As pessoas na Rússia também têm medo de se expressar sobre a guerra porque existem menos vozes do que antes e, com isso, um maior risco de serem presas.
MV: Quais são as consequências enfrentadas pelos manifestantes antiguerra?
R: Some people get fined, others go straight to jail, it’s pretty random. But it’s not only about speaking out. There was a philosophy professor who was recently fined the equivalent of a monthly salary for putting the “sad emoji” on an anti-war post. It’s a representative case of what is going on. There are groups of pro-government activists who monitor “smiles” and “likes” and report them to the authorities.
In another case, there was a schoolteacher who tried to take the “Z” word off the wall. Her school kids and parents reported her to the police and she was fined. Speaking against the war can be punished by your coworkers or your family.
A lot of the people put in jail were not activists; some were marketing managers, and others were business owners. It’s very random. I think it’s safer to be a big figure when speaking against the war, as they are more likely to get support. But often it is those who are very unprotected who are targeted; they don’t have as much media attention.
R: Algumas pessoas são multadas, outras vão direto para a prisão, é muito aleatório. E não é apenas sobre falar abertamente. Recentemente um professor de filosofia foi multado por comentar com um “emoji triste” uma publicação antiguerra. Este é um caso representativo sobre o que está acontecendo. Existem grupos de ativistas a favor do governo que monitoram “smiles” e “curtidas” e, reportam para as autoridades.
Em outro caso, uma professora foi multada após ter sido reportada por alunos e pais à polícia por ter tentado tirar a letra “Z” da parede. Posicionar-se contra a guerra pode levar a punição por meio de seus colegas de trabalho ou família.
A maioria das pessoas presas não é ativista; algumas são gerentes de marketing, outras proprietárias de empresas. É muito aleatório. Eu acredito que seja mais seguro um magnata falar contra a guerra, já que é mais provável que tenha apoio. Mas, frequentemente, os alvos são os mais desprotegidos; e estes não ganham muita atenção da mídia.
MV: É possível saber quais ações antiguerra estão a caminho?
R: Apart from the public work of guerrillas and feminist women, or the anti-war statements of people in court, it's hard to know all that is being done, because journalism is nearly dead, even though there is still a lot going on in spite of circumstances. It's hard to understand the scale of anti-war actions. There are no people to cover it, because it’s punishable to even cover it.
But still, there is some news here and there. There are some initiatives that try to compile a list of activist movements. And there are some activities and small acts of rebellion, like taking out the “Z” symbols from walls and institutions or posting anti-war statements in the form of graffiti. This is ongoing. For example, there was a poem stating how everything is forbidden in Russia and is anti-war, and it was painted over in a day. There are still actions, it is not dead land.
R: Tirando o trabalho público de guerrilhas e de feministas e as declarações antiguerra em audiências jurídicas, é difícil saber o que mais tem sido feito, já que o jornalismo está praticamente morto, mesmo com tudo que está acontecendo devido as circunstâncias. É difícil entender a escala das ações antiguerra, não tem ninguém divulgando porque a divulgação pode levar à punição. Ainda assim, encontramos algumas notícias espalhadas. Existem algumas iniciativas que tentam compilar listas de movimentos antiguerra e existem algumas atividades de pequenos atos revolucionários, como tirar os símbolos “Z” das paredes e instituições ou publicar declarações antiguerra em grafite. Isto está acontecendo. Como por exemplo um poema que foi pintado e falava sobre como tudo na Rússia é antiguerra ou está proibido, foi coberto no mesmo dia. Ainda existem ações, nem tudo acabou.
MV: Quais são as esperanças e expectativas agora?
R: [Sigh]. No one has hopes or expectations, people just survive and pull through. They do what they can afford to do. Everyone is realistic. We cannot stop the war with anti-war activities, except perhaps for these guerrillas that destroy the railroads. It’s more something that people feel like they have to do because they do not support the war. In my perception, they do it out of moral obligation. Some people might have some hope that they can change something, but it’s not publicly discussed.
Many people in Russia support the war. The feminist anti-war resistance puts a lot of effort into trying to open the eyes of pro-war people to what is happening. Their hope is to change common attitudes, bit by bit, inside Russia.
R: [Suspiro]. Ninguém tem esperança ou expectativas, as pessoas estão tentando sobreviver e se recuperar. Elas fazem o que têm condição de fazer. Todos são realistas. Não podemos parar a guerra com atividades e demonstrações antiguerra, com exceção talvez das guerrilhas que destroem vias férreas. É mais sobre o que as pessoas que não apoiam a guerra sentem que devem fazer. Na minha percepção, fazem por obrigação moral. Algumas pessoas devem ter esperança de que podem mudar alguma coisa, mas isso não é abertamente discutido.
Muita gente na Rússia apoia a guerra. A resistência feminista antiguerra tem se esforçado muito com tentativas de abrir os olhos daqueles que são a favor da guerra para o que está acontecendo. A esperança é de, pouco a pouco, mudar atitudes comuns, dentro da Rússia.