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Geórgia e Rússia: bullying on-line, ressentimentos históricos e regulamentação de vistos marcam desentendimento

Categorias: Ásia Central e Cáucaso, Europa Oriental e Central, Geórgia, Rússia, Ucrânia, Economia e Negócios, Governança, Guerra & Conflito, História, Lei, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Política, Protesto, Relações Internacionais, Russia invades Ukraine

Imagem de Arzu Geybulla. Bandeira da Geórgia, imagem de Zura Narimanishvili, [1] livre para uso sob Unsplash License [2].

Mais de 20.000 assinaturas [3] foram coletadas em uma petição on-line reivindicando a introdução de vistos para cidadãos russos e bielorrussos ao chegarem na Geórgia. A petição, apresentada em 3 de agosto, é o exemplo mais recente de sentimento antirrusso [4] na nação.

De acordo com reportagem [5] do site de notícias Civil.ge da Geórgia, esta não foi a primeira vez que o governo recebeu este tipo de solicitação. Em fevereiro, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, e depois em março [6], solicitações similares foram feitas, mas, até agora, o partido no poder, Sonho Georgiano – Geórgia Democrática, afirmou [5] que tais medidas são “irracionais”. O presidente do partido no poder, Irakli Kobakhidze, até mesmo comparou [7] o desdém da Geórgia em relação aos russos com antissemitismo.

Atualmente, cidadãos russos podem morar na Geórgia até um ano, sem visto, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Geórgia; um direito garantido a cerca de 70 países.

Grande parte da população da Geórgia deixou claro seu posicionamento, desde o início da invasão russa, houve vários protestos [8] em apoio à Ucrânia. Na época, muitos deles traçavam paralelos [9] com a guerra de 5 dias em 2008 [10] entre Rússia e Geórgia, que ocorreu em duas regiões separatistas da Geórgia, Ossétia do Sul e Abecásia

Em 2008, a Geórgia expressou interesse em se juntar aos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), aumentando tensões que culminaram em uma guerra que custou centenas de vidas, gerou dezenas de milhares de refugiados e deixou os dois territórios em situação de conflito latente. Um acordo de paz foi assinado [11] entre Rússia e Geórgia em 16 de agosto de 2008, o que não fez com que a Rússia deixasse de reconhecer a independência da Abecásia e da Ossétia do Sul, provocando a reprovação do país por parte de líderes ocidentais. Tal reprovação foi reforçada [12] por uma declaração publicada pelo chefe interino da missão da União Europeia na Geórgia na noite de aniversário do acordo citado: “A União Europeia mantém o posicionamento de forte reprovação aos ataques espontâneos russos em uma guerra agressiva e injustificada contra a Ucrânia, reiteramos também nossa reprovação ao reconhecimento russo dos territórios na Geórgia, Abecásia e Ossétia do Sul, bem como a constante presença militar russa no país. É uma violação de leis internacionais assim como do compromisso russo firmado no acordo de 12 de agosto de 2008″.

Em 9 de agosto, o Representante Especial do Secretário-Geral da OTAN para o Cáucaso e a Ásia Central, Javier Colomina, fez um apelo para que a Rússia retirasse suas tropas da Geórgia.

Como reiterado na Cúpula de Madri [16], a OTAN [17] apoia firmemente a soberania da Geórgia assim como sua integridade territorial dentro de suas fronteiras reconhecidas internacionalmente e continua a demandar que a Rússia cumpra suas obrigações e compromissos internacionais e retire suas forças armadas da Geórgia.

Captura de tela do site do bar Dedaena.

A assinatura da campanha para introdução do novo protocolo de vistos foi seguida por um incidente [18] ocorrido em um bar local em Tbilisi. Em uma publicação no Facebook [19], compartilhada em 4 de agosto, Data Gurdjieff, proprietário do bar, disse que o local estava sendo alvo de avaliações negativas no Google [20] e também de ameaças em outras plataformas de redes sociais [21]. “Minhas publicações pessoais têm sido denunciadas e deletadas”, completou Gurdjieff. O ciberataque ocorreu porque o bar disponibilizou um formulário de registro de visto para cidadãos russos em seu site [22]. “Cidadãos russos precisam de VISTO para entrar no bar Dedaena porque nem TODOS os russos são bem-vindos. Nosso posicionamento é em prol de igualdade e união, mas precisamos ter certeza de que russos imperialistas e submetidos à lavagem cerebral, não entrem no nosso bar. Por favor, nos apoie preenchendo um formulário de visto, assim ninguém vai precisar confraternizar ao lado de idiotas. Obrigado pela compreensão”, é o que diz o formulário.

Captura de tela do site do bar Dedaena.

Há também um formulário de registro [23] para outros visitantes, porém, menos complexo.

De acordo com reportagem [24] da Radio Liberty, o formulário “irritou uma rede dispersa de russos radicais, xenofóbicos e ultranacionalistas que perseguem e assediam continuamente supostos inimigos culturais on-line, mesmo depois que seu movimento patriarcal, Male State, ter sido banido na Rússia em outubro de 2021″.

Within hours of Male State and its sympathizers’ coordinated targeting of the establishment for its treatment of Russians around noon on August 4, Google had been inundated with thousands of negative reviews of Dedaena and the bar's management said its site had been hacked.

The online mob had also portrayed Dedaena as a haven for homosexuality and cited its existence as evidence that Georgia should be conquered and Georgians brutalized.

Em poucas horas, o Male State e seus simpatizantes coordenaram ataques ao bar devido ao tratamento aos russos. Por volta do meio-dia de 4 de agosto, o Google foi inundado com milhares de avaliações negativas sobre o bar. A gerência também afirma que o site do bar foi invadido. A quadrilha on-line também retratou o lugar como reduto de homossexualidade e citou sua existência como evidência de que a Geórgia deveria ser conquistada e brutalizada.

Em 6 de agosto, de acordo com publicação do bar no Facebook, os ataques começaram a diminuir [25].

O secretário executivo do atual partido no poder na Geórgia, Mamuka Mdinaradze, descreveu a política de vistos do bar como “vergonhosa”.

“É uma pena ver nossos cidadãos conduzindo uma campanha xenofóbica como esta”, disse  Mdinaradze, segundo reportagem [7] do site de notícias JamNews.

Uma pesquisa [26] feita em março pelo instituto de pesquisa científica, CRRC, na Geórgia, sugere que 59% dos cidadãos georgianos apoiam restrições à entrada de russos no país. O apoio é ainda maior entre jovens e opositores.

Existe também o medo de que mais russos na Geórgia signifique menos segurança. Não existe garantia nenhuma de que o Kremlin não irá intervir sob o pretexto de proteger os direitos dos cidadãos russos em países como a Geórgia.

Enquanto isso, o partido no poder foi criticado por sua postura fraca contra a Rússia desde o início da invasão na Ucrânia. No dia 1º de fevereiro, o parlamento nacional da Geórgia adotou uma resolução [27] em apoio a Ucrânia, mas foi criticado pela oposição [8] por, subitamente, parar de nomear o agressor pelo nome. Logo após a invasão, Irakli Kadagishvili, presidente do Comitê de Questões Processuais e Regulamentos, disse que uma nova resolução [28] estava a caminho. Não foi possível confirmar esta informação enquanto o artigo era escrito.

Em 3 de agosto, a organização não governamental em Tbilisi, Transparency International (TI) da Geórgia, publicou [29] um estudo intitulado: “Geórgia depende economicamente da Rússia: Impacto da guerra entre Rússia e Ucrânia”. De acordo com a pesquisa, a Geórgia recebeu de janeiro a junho de 2022, 2,5 vezes mais transferências monetárias, turismo e exportação de commodities da Rússia comparado aos indicadores dos anos anteriores. Além disso, o país registrou sete vezes mais novas empresas entre março e junho do que no ano passado. “Um total de 13.500 empresas russas estão registradas na Geórgia e metade delas foi registrada depois do início da guerra”, segundo o relatório.

Também foi reportado um maior número de visitantes russos. A Geórgia recebeu mais de 200.000 cidadãos russos de janeiro a junho de 2022. O número é expressivo, mesmo sendo menor comparado aos anos anteriores, já que a nação estava fechada para turismo durante boa parte do ano devido a pandemia de COVID-19 e, também, existem outros fatores desfavoráveis ao turismo como, por exemplo, a guerra da Ucrânia.

Ainda assim, para o atual governo, os números e resultados do relatório da ONG TI não têm grande significado. Pouco tempo depois que o relatório foi publicado, Shalva Papuashvili, representante do Parlamento da Geórgia, disse [30] que o documento contribuía para a xenofobia contra os russos na Geórgia. Disse ainda que os russos na Geórgia são na maioria “pessoas jovens” e de “boa renda”, que na Rússia trabalham nas áreas de TI, cultura e gestão de campos. “É a classe média” que procura por “estabilidade, democracia e liberdade”, que é tudo que nosso país oferece, declarou Papuashvili.

A Geórgia nunca fez parte [31] da lista de países ocidentais a sancionar a Rússia. O partido no poder afirmou [32] que tal medida devastaria a economia do país que ainda se recupera da pandemia, sem mencionar a possibilidade de potenciais agressões nos territórios da Geórgia, tendo em vista os resultados da guerra de 2008.

Combinada a atual crise de liberdade no país, o modelo de governo da Geórgia está cada vez mais semelhante ao modelo russo, escreveu [31] Ian Kelly e David J. Kramer em artigo publicado em maio de 2022 no site Bullwark.com. “O governo do partido Sonho Georgiano parece calcular suas decisões não com base em políticas integradas com normas ocidentais, mas sim em políticas que não aborreçam o ditador do Kremlin. O governo tem mantido rédea curta em sua política local, nos 3 poderes do governo e, tem marginalizado ou dissolvido instituições que poderiam contestar tais medidas. A afirmação se confirma na recusa do governo de fazer reformas solicitadas pelos Estados Unidos, Europa e ONGs para garantir a independência do judiciário”, segundo os autores.