Tradições culinárias búlgaras como forma de restaurar memória cultural: os pratos esquecidos da vovó na aldeia de Antimovo

Pratos tradicionais da Bulgária. Foto de Tsetsa Hristova, usada sob permissão.

Esta é a terceira de uma série de três partes escrita por Dessislava Dimitrova e Nevena Borisova sobre como as mulheres empresárias impulsionam o renascimento das tradições culinárias em diferentes partes da Bulgária por meio do movimento moderno de slow food, impulsionando o turismo e combatendo o despovoamento.

Mapa da Bulgária com a localização das aldeias Yavornitsa, Antimovo e Plevun. Baseado em mapas dos seus respectivos artigos da Wikipédia. CC BY-SA 3.0.

Tsetsa Hristova vive na aldeia de Antimovo, no noroeste da Bulgária, desde 1974. Situada na região mais pobre da União Europeia, a aldeia fica a cerca de um quilômetro do rio Danúbio, numa área repleta de beleza natural e de paisagens deslumbrantes. A pesca tem sido um meio de subsistência vital para a população local, portanto alimentos como o prato à base de peixe valáquio chamado Saramură são emblemáticos para a região.

Tsetsa está entre as poucas pessoas que tentam preservar o espírito da aldeia cada vez mais despovoada (sofrendo um destino semelhante ao resto das aldeias da região) por meio de tradições culinárias e culturais. Ela é também secretária do centro comunitário local (“chitalishte” em búlgaro). A população local encontra-se agora reduzida a cerca de 450 pessoas, de aproximadamente 2.300 (há quatro décadas).

Tsetsa Hristova

Tsetsa Hristova. Foto do arquivo pessoal, usada sob permissão.

„Селото бе към 2300 жители. Няма да забравя гълчавата на хората и добитъка сутрин и вечер. Хора с каруци, трактори, мотики на рамо отиваха на полето, градините се огласяха със смях и настроение, ливадите бяха пълни със стада крави, овце, кози. Вечер, като се прибираха, бе неописуемо – блеене от всеки двор на агънца и яренца, очакващи майките им да се приберат от паша, детски гласове огласяха до късно вечер мегданите. Всяка неделя духовата музика свиреше на площада, хората излизаха като на празник.“

Costumava haver cerca de 2.300 habitantes. Não esquecerei o barulho das pessoas e do gado que se reuniam de manhã e à noite. As pessoas iam para o campo com carroças e tratores, e os jardins das casas ecoavam com os seus risos. Os prados enchiam-se de rebanhos de vacas, ovelhas e cabras. Ao final da tarde, o balido dos cordeiros e cabritos à espera do regresso das suas mães do pasto misturado com as vozes das crianças da aldeia a brincar lá fora até escurecer. Todos os domingos, tínhamos música ao vivo na praça principal, e as pessoas participavam de forma festiva.

Depois do encerramento da escola por já não haver alunos, o centro comunitário tornou-se o único eixo de vida social, onde Tsetsa, apoiada por outros moradores locais, realiza atividades como a recriação de tradições culturais e antigos rituais ortodoxos, incluindo grupos de dança folclórica.

Tsetsa fundou um clube de culinária tradicional, “Os pratos esquecidos da vovó”, com o objetivo de preservar e recriar pratos locais. O clube tinha também reunido numerosas receitas da região da Valáquia. Tsetsa vê tanto semelhanças (a essência dos pratos) como diferenças (em termos de forma e uso de especiarias) entre a cozinha búlgara e romena na região.

O clube inclui 13 homens e mulheres de meia-idade. Seus esforços para atrair membros mais jovens têm sido infrutíferos. Devido à Covid-19 eles foram obrigados a interromper os eventos públicos, que incluíam cozinhar numa fogueira e mostrar o artesanato local aos turistas. A continuação das atividades após a pandemia também tem sido um desafio.

“Não posso dizer que todas as receitas, que também pretendemos publicar em um livro, são típicas apenas da região, mas a maioria são”, explica, enquanto lista alguns pratos peculiares, como os pãezinhos valáquios (repolho com arroz e carne):

„Например папицата ( прави се от сварени кисели сливи, домати, люти чушки, копър и чесън) се ползва за овкусяване на супи, сармички, но е и превъзходно средство за изтрезняване ). Също – агнешка главица, просеник, запържени хапки от качамак, трезве чорба ( прави се след големите празници за разтоварване след преяждане). Те са позабравени, но предвид на интереса към тях по време на различни изяви, смятам, че ще могат да се популяризират и да са достъпни за всеки.“

Por exemplo, a papitsa (feita com ameixas azedas cozidas, tomates, pimentas, endro e alho) é utilizada para dar sabor às sopas e aos pãezinhos. Outros pratos locais incluem cabeça de cordeiro, pratos à base de milho como prosenik e pedaços fritos de kačamak, bem como sopa “cura ressaca” (é usada para ficar sóbrio durante as celebrações de Natal e Ano Novo). Esses pratos já foram um pouco esquecidos, mas considerando o interesse por eles, penso que podem se tornar acessíveis a todos.

Tsetsa observa que, durante gerações, em ocasiões tanto alegres como tristes, esses pratos estiveram sempre presentes na mesa. As receitas refletem detalhes interessantes sobre a vida cotidiana no passado. Por exemplo, em certo momento, a quantidade de carne colocada em um prato era um sinal da riqueza da família.

O mês de maio é empolgante para a aldeia, pois é o mês em que se realiza o Festival Internacional de Folclore, um evento anual que acontece desde 2010. É frequentado por pessoas da Bulgária e dos vizinhos Sérvia e Romênia. Há três anos, o clube culinário começou a participar do programa.

„Стараем се да приготвяме храна в стари съдове – казани, глинени гърнета, тигани. В зависимост от това, което ще представим, всеки се заема с конкретна задача – замесване на тесто, рязане на зеленчуци, кълцане на месо (за сарми) или други ястия, палене на огньове, осоляване на рибата и какво ли още не. Тръпката е неописуема при тези приготовления, а когато видим задоволството на хората, опитали от ястията, удовлетворението е пълно.“

Nos esforçamos para preparar comida com utensílios velhos; chaleiras, potes de barro, panelas de metal. Cada um de nós assume uma tarefa diferente: preparar uma massa, cortar legumes ou carne etc. Quando vemos a satisfação das pessoas que experimentam os pratos, a nossa felicidade fica completa!

A herança

Conhecer Temenuzhka, Rukie e Tsetsa faz com que as tradições e receitas centenárias de que falam pareçam ser inesquecíveis, mas infelizmente não é esse o caso. As suas iniciativas precisam de apoio a níveis local e nacional, incluindo regulamentação que não só permita, mas também facilite aos produtores de comida artesanal receber visibilidade e acesso ao mercado.

 

Este artigo faz parte de uma série sobre a revitalização das tradições culinárias búlgaras como forma de restaurar a memória cultural, destacando a experiência das mulheres empresárias que trabalham em zonas rurais despovoadas. A série inclui os seguintes artigos:
Ervas selvagens da aldeia de Yavornitsa
A tarhana inesquecível da avó de Plevun
– Os pratos esquecidos da vovó na aldeia de Antimovo

 

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