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Turquia em conflito com o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Turquia, Direitos Humanos, Governança, Lei, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Política

Captura de tela da reportagem realizada pela DW German [1] após a decisão do Tribunal.

Em 25 de abril de 2022, o renomado filantropo turco Osman Kavala foi condenado [2] à prisão perpétua. Em 11 de julho, quase três meses após a sentença, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) decidiu [3] que a Turquia violou o artigo 46/1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [4] ao deixar de cumprir a decisão da corte que, em 2019 [5], determinou a soltura de Kavala.

Agora, cabe ao Comitê de Ministros do Conselho Europeu, responsável por supervisionar a implementação das decisões do TEDH, definir que medidas aplicar contra a Turquia pelo descumprimento da decisão do tribunal. É possível que o país seja suspenso [6] do Conselho Europeu. Em antecipação, o Ministério das Relações Exteriores da Turquia emitiu declaração [7] afirmando esperar que o Comitê de Ministros “deixe de lado sua abordagem tendenciosa e seletiva” e “aja com bom senso”.

Julgamento do Tribunal Pleno quanto à observância pela Turquia da decisão da corte no caso Kavala.

Kavala, empresário turco de sucesso que, ao longo dos anos, apoiou diversas iniciativas da sociedade civil na Turquia, incluindo o ramo da Open Society Foundations [14] no país, foi detido no dia 18 de outubro de 2017. Duas semanas mais tarde, foi preso sob acusações de “tentativa de derrubar a ordem constitucional” e “tentativa de derrubar o governo”, por supostamente ter financiado os protestos no Parque Gezi, em 2013. Ele está em uma prisão de segurança máxima desde novembro de 2017.

Em fevereiro de 2020, Kavala foi absolvido. No entanto, horas depois, foi acusado novamente, dessa vez por envolvimento na tentativa de golpe de 2016. Embora tenha sido absolvido dessas acusações no mês seguinte, foi mantido em prisão preventiva sob acusação de “espionagem política ou militar”. Em janeiro de 2021, sua absolvição no caso do Parque Gezi foi revertida e, durante um julgamento em fevereiro de 2021, a corte decidiu combinar as acusações relativas aos protestos e ao golpe de 2016 para determinar que ele fosse mantido sob custódia. Os advogados de Kavala alegam que a denúncia é uma obra de ficção, cheia de presunções e sem quaisquer evidências. Organizações internacionais de direitos humanos e grupos da sociedade civil na Turquia afirmam que a prisão de Kavala tem motivações políticas.

Ano passado, no quarto aniversário da prisão de Kavala, a Turquia se viu em meio a um turbilhão diplomático quando as embaixadas de 10 países assinaram uma declaração [15] contra a prisão do filantropo. Em resposta, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, disse que expulsaria dez diplomatas [16], dentre os quais sete países aliados da Turquia na OTAN e grandes parceiros comerciais. O presidente descreveu a declaração como sendo uma “imprudência” e declarou os diplomatas “persona non grata”. Porém, quando os dez signatários reiteraram seu compromisso com o artigo 41 da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, reconhecendo a soberania e independência da Turquia, a crise foi evitada [17].

Em 12 de julho, Osman Kavala emitiu declaração [18] na qual defende que a decisão do TEDH no dia 11 de julho “claramente revela que práticas ilegais e influências políticas no judiciário persistem e que as leis são usadas de forma arbitrária com motivações políticas”

Declaração de Osman Kavala sobre a recente decisão do TEDH: “acredito que essa decisão dará forças àqueles membros do judiciário turco que continuam agindo de acordo com o império da lei apesar das pressões políticas”

Julia Hall, vice-diretora de pesquisas no escritório europeu da Anistia Internacional, em comunicado emitido pela instituição em 11 de julho, disse que a recente decisão do TEDH foi vergonhosa para as autoridades turcas. “A sentença de hoje evidencia mais uma vez a falha do governo em cumprir com suas obrigações legais. A continuada inércia da Turquia contribui para o flagrante sofrimento de Osman Kavala e sua família”, disse Hall e acrescenta:

Kavala’s case is emblematic of the clampdown on civil society and the rollback in human rights protections that affects everyone in Turkey. If Turkey persists in its stubborn refusal to release Osman Kavala, it will further debase itself as one of the Council of Europe’s founding members. The Council of Europe, its member states and the European Union must urge Turkey to finally free Osman Kavala and the many others detained in similar circumstances.

O caso Kavala é emblemático da repressão à sociedade civil e do retrocesso na proteção dos direitos humanos que afeta a todos na Turquia. Se a Turquia persistir em sua recusa insistente à libertação de Osman Kavala, irá se rebaixar ainda mais enquanto membro fundador do Conselho Europeu. O Conselho Europeu, seus Estados-membros e a União Europeia devem compelir a Turquia a finalmente libertar Osman Kavala e os tantos outros presos em circunstâncias semelhantes.

De acordo com reportagem da emissora alemã Deutsche Welle (DW), “é raro que o Tribunal [TEDH] explicitamente repreenda um Estado por deixar de cumprir uma decisão [22]. Uma vez que foi o Conselho Europeu que remeteu o caso de volta ao Tribunal em fevereiro [23], a decisão de segunda-feira é vista como um passo do Conselho no sentido de suspender a Turquia como um de seus membros [24].”

O que vem a seguir

Todos os olhos estão agora voltados para o TEDH, que enviou “sua decisão de iniciar o procedimento de infração contra a Turquia ao Comitê de Ministros do Conselho Europeu. Em sua primeira reunião, o comitê irá discutir como proceder contra a infração. O processo, que depois continuará com a aplicação de sanções, pode se estender até a expulsão da Turquia do conselho.” reporta [25] a Gazete Duvar.

Em entrevista com a Gazete Duvar, o ex-juiz do TEDH Rıza Türmen afirmou [25], “a expulsão da Turquia do Conselho Europeu terá uma consequência política muito séria. Em primeiro lugar, suas relações com a União Europeia serão cortadas. A posição da Turquia na comunidade de Estados democráticos será abalada. A Turquia se tornará um Estado autoritário do Oriente Médio, tal qual a Síria e o Iraque. Sem falar das graves consequências econômicas.”

Um ponto importante levantado aqui pela equipe jurídica de Osman Kavala é o de que a decisão de hoje do TEDH exige da Turquia não apenas a soltura imediata do Sr. Kavala, como também a sua absolvição de todas as acusações.

Nesse ínterim, o Ministério da Justiça também emitiu uma declaração [28] questionando a imparcialidade da corte europeia em caso de retirada da Turquia: “Levar o caso Kavala adiante irá afetar não apenas a credibilidade e reputação do TEDH, como também aumentará o debate público quanto à objetividade e imparcialidade do TEDH contra a Turquia”, declarou o ministério em 11 de julho.

Anteriormente, procedimento de infração semelhante foi deflagrado [29] contra o Azerbaijão, também membro do Conselho Europeu, quando o país deixou de libertar o ativista político Ilgar Mammadov, preso a despeito de decisão do TEDH. À época da prisão de Mammadov, em 2014, o TEDH [29] “entendeu que a prisão e detenção do Sr. Mammadov se deram na ausência de qualquer suspeita razoável de que ele tivesse cometido um delito e que o verdadeiro propósito do procedimento criminal era puni-lo por criticar o governo.” Como consequência, em dezembro de 2017, o TEDH deflagrou procedimento de infração contra o Azerbaijão. Em setembro de 2020, o TEDH encerrou o procedimento após a Suprema Corte do Azerbaijão retirar todas as acusações contra Mammadov.